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Ana Lua Caiano
Joana CaianoAna Lua Caiano

A tradição electrónica de Ana Lua Caiano extravasa fronteiras

Depois de dois EPs de edição independente, a cantora lança agora o primeiro álbum, ‘Vou Ficar Neste Quadrado’, com o selo da editora alemã Glitterbeat. Falámos com ela.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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O título do primeiro álbum de Ana Lua Caiano, Vou Ficar Neste Quadrado, com edição marcada para 15 de Março, parece esconder alguma ironia – tal como a faixa com que partilha o nome. Essa canção, segundo a cantora, compositora e produtora portuguesa, “fala sobre uma pessoa que é obrigada a ficar no seu quadrado, mas depois começa a pensar em formas de sair de lá. No que está fora desse quadrado.” Quando lhe perguntam que quadrilátero é esse, a resposta é inconclusiva. Não confirma, sequer, quem é essa pessoa. Talvez seja ela; talvez o quadrado seja o país, ou o caminho que esperam que siga. Se assim for, vai ficar neste quadrado… Até ser altura de pisar fora das suas linhas. 

Mas, por agora, Ana Lua Caiano ainda se mantém no caminho que encetou em 2022, quando se estreou em nome próprio com o EP Cheguei Tarde A Ontem – balizado, por um lado, pela música tradicional portuguesa e, por outro, por uma electrónica experimental. E por lá continuou, em 2023, quando lançou o EP Se Dançar É Só Depois. É algo “bastante natural”, considera. “Os discos foram feitos mais ou menos no mesmo período”, uns atrás dos outros. “Sinto que em cada um deles houve diferenças, dependendo das coisas que estava a ouvir enquanto os fazia – porque a minha visão musical também vai evoluindo à medida que vou ouvindo novas coisas, ou reouvindo outras que não ouvia há muito tempo. Mas não penso muito sobre isso. Começo a fazer as canções, e saem assim.”

“Por exemplo, neste [álbum] comecei a utilizar mais a voz, a recortar pedaços da voz e a utilizá-la como um instrumento, salientando certas notas ou funcionando quase como um sintetizador”, continua. “Já nem sei porque é que isso apareceu, mas foi um elemento que comecei a usar e que explorei bastante neste disco. E acho que o próximo também vai pegar nessas ideias e depois vai crescer um bocadinho. Nunca tento forçar nada, nem introduzir nenhum elemento que não faça sentido na minha música. É tudo muito natural.”

A maior diferença face aos dois EPs é o número de faixas. E estar numa editora internacional, a alemã Glitterbeat, que nos últimos dez anos tem dado a conhecer artistas, sons e linguagens de todo o mundo. “O convite surgiu no contexto dos showcase festivals que andei a fazer no ano passado. Toquei em Espanha, em França, com o objectivo de mostrar a minha música e ver o que é que acontecia. Alguém da editora foi a um dos concertos e gostou do que ouviu”, explica. “Achámos que não ia acontecer já, que era muito em cima. Estava tudo apalavrado [com a editora], só que faltava pouco tempo até o disco sair. Mas eles quiseram mesmo que fosse a Glitterbeat a editá-lo. Foi uma boa surpresa.”

A recepção da sua música no estrangeiro tem sido muito boa – apesar de o público não conhecer a língua nem estar familiarizado com as referências locais de Ana Lua Caiano. “Quando comecei a tocar lá fora estava com medo, precisamente por causa da barreira linguística”, confessa. “Quando estou em palco, tento de alguma forma transmitir as ideias das canções, através da maneira como as interpreto. As pessoas podem não perceber as letras, mas percebem se é triste ou alegre, pela minha interpretação e através da linguagem musical.” Sabe, no entanto, que há elementos da sua música que se perdem na tradução.

Dá um exemplo: “Uma coisa engraçada que me perguntaram depois de um concerto no estrangeiro foi porque é que tinha um ramo de flores à frente do meu set-up. Só que não era um ramo de floresera o brinquinho, [um instrumento típico] da Madeira. Há referências sonoras e visuais que faltam às pessoas. Por isso, tento explicar de onde vêm as coisas, e dar algum contexto para as pessoas se situarem e não caírem ali de pára-quedas.”

Ana Lua Caiano anda por aí

Uma das faixas mais desconcertantes do álbum é o single “O Bicho Anda Por Aí”. Estranha-se porque, apesar de ainda “andar por aí”, já quase ninguém quer saber do “bicho”, isto é, do coronavírus responsável pela pandemia covid-19. Porquê esperar tanto para abordar o tema? “Para garantir uma certa distância”, justifica. “A música foi escrita depois da covid-19, e surgiu também devido a este vocabulário que passámos a usar... Muita gente passou a sentir coisas que antes não sentia, ou em que nunca tinha pensado: o medo de uma doença, de uma coisa que não se vê. Começou por ser uma tentativa de processar e pensar sobre isso. Mas a música pode ter outros significados e interpretações.”

Que interpretações e significados são esses? “Há muitas associações que podem ser feitas. Uma associação que achei interessante quando fiz a música, e entretanto outras pessoas já me disseram que também fizeram essa interpretação, é ela ser sobre uma ditadura. Em que as pessoas não podem mexer e não podem fazer coisas, e têm que lavar os seus cabelos e as suas ideias”, exemplifica. “Sinto que a música, pelo facto de estar distante, também pode ganhar outros significados para além daquilo que se calhar, quando a fiz, foi uma espécie de reflexão sobre um tempo que tinha passado.”

Se não a tivessem fechado em casa em 2020 e 2021, por causa da pandemia, nada disto teria acontecido. “Tive espaço para explorar mais em termos de composição. E a trabalhar sozinha. Nunca tinha experimentado fazer uma coisa sozinha que estivesse ligada à música tradicional, era sempre com uma banda, e com uma sonoridade que já estava definida, até pelos instrumentos usados”, recorda. “Só quando passei a fazer música sozinha, a produzir e a gravar as minhas coisas é que comecei a procurar a forma como me sentia mais confortável a exprimir as ideias. Foi aí que a música tradicional entrou em contacto com a electrónica”, sumariza. Talvez tivesse chegado às mesmas conclusões, e encontrado a sua voz, se isso não tivesse acontecido, “mas provavelmente ia demorar mais tempo”, reconhece. “Nunca me tinha sequer passado pela cabeça ter um projecto em nome próprio.”

B.Leza (Lisboa). 11 Abr (Qui). 22.00. 12€

Continuamos à conversa

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