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Alfredo Lacerda

Alfredo Lacerda

Há oito anos que bitaita sobre as casas de comer de Lisboa e Porto. Escreve como um jornalista, pensa como um cliente, come como um abade. Um dia provou pangolim e sobreviveu.

Articles (7)

Os melhores restaurantes de peixe em Lisboa

Os melhores restaurantes de peixe em Lisboa

Restaurantes de peixe em Lisboa? A resposta mais imediata talvez aponte para as mesas à beira‑mar (em Cascais há várias), mas também no centro da cidade se come bom peixe fresco, na grelha ou no tacho. Seja em restaurantes em que as bancas se parecem às dos mercados, carregadas de peixes; seja nos mais tradicionais, em que o peixe também faz parte dos pratos do dia. Nestes restaurantes de peixe em Lisboa e nos arredores há boas esplanadas (algumas para comer mesmo com o pé na areia), mas acima de tudo peixe sempre fresco.  Recomendado: Os melhores restaurantes baratos em Lisboa  

Críticas da Time Out: os restaurantes que receberam mais estrelas

Críticas da Time Out: os restaurantes que receberam mais estrelas

Um ano tem 52 semanas e não há uma em que os nossos críticos gastronómicos tenham descanso, especialmente Alfredo Lacerda, incansável bom garfo, embora nem sempre fácil de agradar. Luís Monteiro juntou-se este ano a esta epopeia de visitar restaurantes anonimamente e também não fica atrás. Vale a pena lembrar, que um crítico só visita um restaurante três meses depois da sua abertura, embora nas suas visitas também estejam incluídos alguns clássicos da cidade e outros segredos. De restaurantes do mundo aos mais tradicionais, das cozinhas de chef às mesas sem cerimónias, na hora de comer só lhes interessa que seja bom e que o serviço acompanhe. Recomendado: Os melhores novos restaurantes em Lisboa (e arredores)

Os melhores restaurantes em Alvalade

Os melhores restaurantes em Alvalade

Moderno, tradicional e guloso. Alvalade tem de tudo um pouco, uma característica que também se aplica à oferta gastronómica do bairro. E acredite que é uma verdadeira volta ao mundo em muitos, muitos pratos. A Ásia está bem representada, em pratos oriundos do Nepal, Japão, Índia ou China, mas também Itália e, claro, Portugal que tem uma das melhores cozinhas do planeta. Mas antes de rumar a um dos bairros mais completos da cidade de Lisboa, comece por picar esta lista com os melhores restaurantes de Alvalade. Bom apetite e boa viagem. Recomendado: Os melhores restaurantes de petiscos em Lisboa

André Cruz. O novo chef do Feitoria vive entre a horta e as abelhas

André Cruz. O novo chef do Feitoria vive entre a horta e as abelhas

Apontado como um dos melhores chefs da sua geração, João Rodrigues despediu-se do Feitoria em Abril, sem ter conseguido a tão desejada segunda estrela Michelin, que meio mundo gastronómico afirmava merecer. André Cruz, até então o seu subchefe, foi o escolhido para a sucessão e não se pôs com meias medidas. Em poucos dias, mudou já algumas coisas e, mais importante, criou um novo menu, a que chamou Semente – há um de sete (145€) e outro de nove momentos (160€), havendo duas versões vegetarianas (100€/sete momentos, 120€/nove). Sabe da exigência que tem em mãos e dos holofotes que agora lhe apontam, mas nem por isso vacila. O trabalho, conta, é também de continuidade. O objectivo é esmiuçar ainda mais a relação com os pequenos produtores, um terreno que conhece bem. Tem 27 colmeias, uma horta biológica e criação de animais. “Jamais poderia fugir a uma coisa destas”, diz à Time Out.  Ricardo Lopes É mais fácil assumir este cargo por estar em casa?Acho que é mais difícil, sinceramente. Acabei por ficar no lugar de uma pessoa que é altamente respeitada e que, no quadro gastronómico, é muito influente. É um profissional muito exigente e isso eleva um bocadinho a bitola do cargo. E estamos a falar do Feitoria, quem vive aqui todos os dias sabe da exigência. Esperava ficar como chef executivo?Não. Foi de repente.  Como é que se recebe um desafio destes?Foi realmente muito inesperado, mas recebe-se com naturalidade. Senti como uma oportunidade e uma situação normal. Vivi bem esta s

Prémios Time Out 2021: os vencedores que nos salvaram o ano

Prémios Time Out 2021: os vencedores que nos salvaram o ano

Dickens é um escritor natalício e a ele devemos parte do nosso imaginário colectivo para a quadra. A ideia de uma família unida, feliz apesar das adversidades, é um legado seu. Mas se o convocamos para aqui não é tanto pelo contributo dado para as celebrações modernas do Natal, é mais pelo início de uma frase que inscreveu na cultura popular a caligrafia vitoriana: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. Ao longo deste século e meio, abundaram oportunidades para o aplicar às mais diversas situações – e 2021 é uma delas. É uma descrição rigorosamente resumida do que vivemos este ano. Começou mal, muito, muito mal, e nunca, até hoje, deixou de ser assombrado pelo espírito do Inverno passado. E no entanto melhorou. Melhorou muito. A reabertura das lojas, dos restaurantes, dos bares, das festas e dos festivais – da vida, enfim – foi num crescendo de entusiasmo e entrega que nos deu a sensação de estarmos a viver o melhor dos tempos. Como na Time Out estamos habituados a deter o olhar no lado positivo das coisas, também o faremos para este ano de experiências polarizadas. É hora de fazer o balanço e celebrar quem se destacou nas áreas que acompanhamos semana após semana, dia após dia. É hora de regressar aos Prémios Time Out, desta feita com 32 categorias. Ora então, os vencedores são…

Comefinamento: Arkhe, a sensação plant-based

Comefinamento: Arkhe, a sensação plant-based

Alejandro Chávarro é um jovem adulto facilmente reconhecível, sempre de lenço ao pescoço, como um dealer de arte com a sala cheia de gatos e um piano de cauda. Natural da Colômbia, fez carreira em salas parisienses e brilhou no L’Astrance, de Pascal Barbot, um três estrelas Michelin progressista. Desde 2017 que espalhava a palavra de pequenos produtores de vinhos franceses em restaurantes e lojas da especialidade de Lisboa, através da sua empresa Vinhos Livres. Em 2020 voltou às salas, mas driblou as expectativas. Em vez de se instalar num dos grandalhões do fine dining de Lisboa, Chávarro tornou-se co-proprietário deste pequeno restaurante de base vegetariana, na zona de Santos, antes propriedade exclusiva do chef brasileiro João Ricardo Alves. Isto importa por causa do futuro. Com Chávarro, estará o Arkhe a aproximar-se do cone de aspiração do guia francês? Reza a história que a mudança para Portugal do chefe de sala e sommelier ocorreu como num desses filmes de amor de Hollywood. Há quatro anos, foi fazer um retiro de yoga para a Índia e aí se apaixonou por uma portuguesa. Desviado para Lisboa, rapidamente foi acolhido pela comunidade local de naturebas (aficionados de vinhos naturais), em franco crescimento, mas nunca se deixou ficar agrilhoado em facções. Em Junho de 2019, na minha primeira visita ao Arkhe, comi muito bem. Comi como raramente havia comido num restaurante vegetariano em Portugal – acabando mesmo por indicar que alguns dos pratos já tinham pinta Michelin.

Comefinamento: Colher Torta, boa comida, boa onda

Comefinamento: Colher Torta, boa comida, boa onda

Por esta altura, já todos experimentámos a neura do confinamento. Vamos sobrevivendo, mas não há como evitar. Esta merda é fodida.Dizem-me amigos (que eu não sei disso) que uma das coisas mais fodidas é não foder. Está-se sempre com os filhos em cima (maior anti-coiso); ou o parceiro de pantufas perde poderes; ou fica-se assustado com o bicho nos outros – nunca se sabe se aqueles peitorais do Tinder não escondem uma insuficiência respiratória aguda e infecciosa. É tramado. Outro grande problema é a impossibilidade de viajar. Não isso de “vá para fora cá dentro”, um contrassenso. Viajar, mesmo. Sair. Fazer malas. Ultrapassar fronteiras. Ouvir línguas. Viajar, mesmo, dá-nos oxigénio, muda-nos a cabeça de assunto. De sítio. De gente. De comida. Ora, não tendo solução para nenhum dos dois constrangimentos, tenho um analgésico para o segundo. Há take-aways em Lisboa que, momentaneamente, nos podem levar até longe, mesmo que seja só por 45 minutos. Esta semana, por exemplo, quando dei por mim estava no vale de Bekáa, na região montanhosa de Zahlé, Líbano, chinelo no dedo e um calor bom para refrescar com tabbouleh. A responsável pela viagem foi a Colher Torta, que é a Ana Leão. Radicada no Porto, Ana Leão desceu a Lisboa com o segundo confinamento. Sem cozinha própria, o amigo e cozinheiro Zé Paulo Rocha ofereceu-lhe os fogões d’O Velho Eurico, tasca de rapaziada jovem já aqui elogiada, para fazer o que gosta. E ela fez. Actualizou o Instagram, pôs fotos do que ia cozinhando e mont

Listings and reviews (383)

Boca Linda

Boca Linda

3 out of 5 stars

A rapariga estava ao telemóvel, impávida junto ao balcão, e demorou a arrancar. Depois moveu-se devagar, aparentemente aborrecida por a porem naquele desassossego, como que a pensar: estava um almoço tranquilo, só um casal na mesa da ponta, e agora vêm estes dois perguntar-me o que leva a “salsa”.  As salsas sobre a mesa eram três: uma “verde”, outra “roja”, outra “negra”. Ao lado, os totopos, que são as tortilhas de milho cortadas em triângulos e depois fritas (não confundir com nachos, que são totopos com cenas por cima).  A salsa negra parecia a maravilhosa macha, feita de malaguetas fritas em óleo e moídas e, normalmente, frutos secos. Eu não senti os frutos secos e perguntei por eles – ao que a empregada respondeu: “Acho que não leva.”  Para ter a certeza, a enfadada empregada só teria de percorrer dez metros até à cozinha aberta do Boca Linda, mesmo ali à vista de todos, onde o cozinheiro estava tranquilo já a despachar o nosso aguachile. Mas dez metros parecia muito para esta jovem, ocupada nas telecomunicações. “Acho que não leva”. Devia. Ficámos assim.  O Boca Linda vinha com pergaminhos de chef estabelecido na Cidade do México, com redes sociais activas e comunicação para influencers. Mas não aguentou o choque com a realidade. O aguachile mixto surgiu rapidíssimo, mas sobrecozinhado. Uma das coisas que distingue o aguachile do ceviche é precisamente ter uma marinada mais rápida. Aqui, estava tudo já cozido e, pior, salgadíssimo – e a empregada voltou a não saber ind

Bica San

Bica San

3 out of 5 stars

Houve coisas que me aborreceram no novo restaurante da Rua de São Paulo. Mas houve uma que me encantou tanto que estou capaz de voltar lá.  O mil-folhas de batata com pó de alga nori foi a maior gulodice que comi no último mês. Cubos amanteigados perfeitamente assados, cheios de umami marinho, o caramelo contrastando com o verde do cebolinho, camadas desfazendo-se na boca como bolinhos, descolando-se devagar, lânguidas e gordurosas. Por oito euros, há poucas coisas na vida que proporcionem tanto prazer e, se me deixarem, eu hei-de lá voltar ao almoço, ao lanche ou ao jantar, e pedir as batatas com um cocktail ou uma garrafa de vinho, que lá há dos bons.   Pena, o resto não estar ao mesmo nível. Dito isto, não se pode dizer que o resto, provado em duas refeições separadas por uma semana, tenha sido mau. Não foi.  Só que estes sítios sofisticados, que nos contam uma história e empratam com louça artesanal de estilo nórdico, tropeçam frequentemente nas suas próprias expectativas. E as deste Bica San eram altas. Do que se lê na imprensa especializada, o conceito nasceu da viagem de um dos donos do hotel Independente, onde o restaurante está instalado, ao Japão. A ideia era criar um menu “de um gajo”, um san, “que vai ao Japão” e volta de lá cheio de ideias — eis a narrativa comunicada nos média. Não sei quais terão sido as ideias de Bernardo d’Eça Leal, o dono viajante, mas a verdade é que o conceito tem uma aplicação pífia no menu.  O responsável da cozinha é Bruno Antunes, que

O Velho Eurico

O Velho Eurico

4 out of 5 stars

É uma história lisboeta. Eurico era um miúdo da província mandado para Lisboa para trabalhar numa carvoaria, quando tinha idade para jogar Fortnite. Essa mesma carvoaria, nas traseiras da Igreja de São Cristóvão, haveria de ser dele e ele haveria de fazer dela uma tasca como deve ser, na carta rojões e peixe frito e bacalhau à minhota. Acontece que Eurico reformou-se em 2018. Nisto, um grupo de miúdos com escola de hotelaria e experiência taberneira tomou conta da casa há meia dúzia de meses. Acabaram com as ementas, as cadeiras de alumínio e as toalhas plastificadas, mas não alteraram o essencial: servir cozinha tradicional portuguesa. Nascia, assim, mais um exemplar da neo-bistronomie tuga, parente próximo da Taberna Sal Grosso, onde aliás o actual dono trabalhou. A visita ao restaurante, ali onde a Mouraria sobe ao Castelo, aconteceu ao jantar, fim-de-semana. Casa cheia, perto de 40 pessoas divididas por duas salas. Por fora, quase tudo na mesma, a dupla portada fechada, como se estivéssemos perante um clube secreto. Não há campainha, nem nada. Para que alguém acorra, é preciso bater na madeira com os nós dos dedos e isso dá uma sensação curiosa de sítio arcaico e misterioso. Lá dentro, todavia, encontra-se um festim de comida e bebida, uma estalagem contente: aromas a vinha d’alhos, pratos de bacalhau à Braz em todas as direcções; jarros de vinho, canecas de barro em brindes vigorosos; um garrafão de misterioso líquido translúcido, designado como “bagaço do avô”, passando

AO Paraíso

AO Paraíso

4 out of 5 stars

Os melhores restaurantes de sushi costumam ser balcões, quase sempre até oito lugares, que é o número de pessoas que um homem, sozinho, com uma yanagiba na mão, consegue servir. Este AO Paraíso (AO significa Azul de Okinawa) é um dos poucos lugares de Lisboa com esse formato, com a vantagem de parecer uma sala secreta, à imagem do que se vê no Japão.  No dia em que lá jantei, acrescia à decoração nipónica uma clientela também ela japonesa. Um grupo de seis amigos tinha tomado conta do balcão, da comida e da garrafeira (bebiam mais do que comia e comiam muito) e pareciam estar a adorar. Já depois de completarem o menu omakase (degustação do chef) continuavam a pedir pratos à carta, prolongando a refeição para o segundo turno.  O estilo de sushi é o edomae, clássico, nascido em Tóquio há mais de dois séculos – o oposto da fusão nipo-brasileira que prolifera na cidade. Isso significa que temos peixes tratados de forma simples, crus, ou com marinadas e curas leves, e tudo acaba normalmente em beleza, com o expoente máximo do sushi – os niguiris.  Atrás do balcão está o jovem Kousuke Saito, que antes passou pela Tasca Kome, mas que entretanto já fez temporadas no Japão, de formação e inspiração. Kousuke é uma simpatia e domina a turba japonesa com classe, nunca se esquecendo deste infiltrado na ponta do balcão.  Começou-se com uns pequenos amuse bouche para espevitar as papilas, legumes como nabo e flor de bróculo em dashi (maravilhoso) e sunomono (picles).  Mas o prato principal,

Xiaolongkan Hot Pot

Xiaolongkan Hot Pot

3 out of 5 stars

A Gare do Oriente tem dado guarida a projectos do Oriente, o que é um acaso bonito. Mesmo ao lado do Xiaolongkan, por exemplo, viveu durante algum tempo um daqueles supermercados chineses grandes que visitamos com a alegria de uma criança num parque de diversões.  Neste caso, o restaurante dá uma luz bonita às imediações da estação e sobretudo enche-a de uma aura exótica e intrigante, devido aos vapores que se soltam dos hot pots e da luz vermelha no interior do Xiaolongkan, cadeia chinesa presente em todo o mundo.  De resto, quando lá entramos parece que mudámos de bairro, de país, de continente. Interiores em madeira, candeeiros pendentes e uma atmosfera a remeter para uma taberna misteriosa de Chengdu. A sala é enorme e aos domingos está cheia de famílias chinesas conhecedoras dos procedimentos.   Para quem nunca comeu num hot pot, a estreia pode ser confusa. No centro da mesa, está o sítio do hot pot. O hot pot é uma espécie de tacho aberto com divisórias. No último almoço que lá fiz, escolhemos três divisórias para outros tantos caldos: o de Sichuan, picante (nível 3, o máximo), outro à base de cogumelos e outro com polpa de tomate. É nesses caldos que depois vamos imergir os ingredientes.  Que ingredientes? A lista é imensa e exuberante. Um dos atractivos dos hot pots, para os chineses são as texturas – e também por isso o Xiaolongkan é um festim de vísceras e miudezas: línguas (de pato, porco, vaca), tripas, tendões, veias. Devemos por isso abraçar a experiência como u

Maluca

Maluca

4 out of 5 stars

Se há 10 anos me tivessem dito que a beterraba ia ser o vegetal-rei na Lisboa de 2024 eu teria dado uma gargalhada. Os portugueses nunca amaram beterraba, em parte porque não a sabem fazer, em parte porque beterraba pode ser uma coisa chata – culpa nossa. A beterraba dos portugueses sabe a terra e serve-se com escasso tempero. Os poucos portugueses que gostam de beterraba são só gulosos, querem da beterraba a sucrose e nada mais.  Sucede que a cozinha dá muitas voltas e os restaurantes de Lisboa, hoje em dia, não servem, necessariamente, portugueses.  Neste Maluca, num jantar de casa cheia (só abrem aos jantares), só vi uma portuguesa, o resto tudo estrangeiros. E os estrangeiros, sobretudo os do Norte da Europa, amam a beterraba.  A beterraba do Maluca é excelente e eu sou capaz de lá ir, de propósito, para a comer. Fica um pouco abaixo da beterraba do Tricky’s – a melhor do mundo – mas está logo no degrau a seguir.  Na génese, temos a dita cortada em tártaro, mas depois há amêndoas secos tostadas, gema curada e picles de mostarda e azeite – doce, ácido, picante, untuosidade – uma pista de dança aos saltos dentro da boca.  A aceitação dos clientes deve ser boa, porque o prato está na carta desde que o Maluca nasceu, vai fazer um ano. Antes disso, o casal fundador já ali morava – Yann Rotundo e Stéphanie Graisier, ele de ascendência itálico-portuguesa, ela suíça –, mas estava no campeonato das sandes e dos brunchs.  A viragem levou-os para a esfera do neo-bistrô, com o que is

Bougain

Bougain

3 out of 5 stars

Poucas vezes se fala num dos ingredientes principais do restaurante: a confiança. Ora, o chefe de sala do Bougain é de extrema confiança. Vejamos este episódio. No início de um almoço recente, notei que o azeite servido no couvert tinha um sabor extravagante.  Fiz notar isso ao chefe de sala, Carlos Silva, e perguntei-lhe. “Tenho uma questão muito específica para lhe fazer. Sabe que azeite é este? Que variedades de azeitona leva?”  Tinha dado por adquirido que se tratava de um Monte da Ravasqueira, devido a uma informação anterior, de outra empregada. “Não estamos a usar o Ravasqueira e eu não sei as variedades da azeitona, porque não diz na garrafa. Mas serão várias e de várias proveniências. A marca é Uli”.  O azeite Uli é um azeite de fraca qualidade. Não interessa tanto a circunstância que o levou para mesa, interessa-me que o chefe de sala soubesse dar-me a informação correcta e honesta, sabendo que não estava a servir ouro líquido.  Para mim, num restaurante, isto vale mais do que salamaleques e tectos forrados a flores, como são os da sala interior, tropical mas elegante, tal como é aliás a esplanada, cheia de recantos bons para se estar com temperatura amena.  Mas vamos ao que se seguiu. Abriu-se com um belíssimo lírio curado (brevemente, por certo), o peixe em sashimi fino, sobre ele um vinagrete com picles de mostarda e rábano, mais uns pedacinhos de laranja.  Veio depois a sopa de carabineiro, mais vegetal que marisqueira, talvez com demasiado amido, mas sobretudo

Refeitório

Refeitório

4 out of 5 stars

Onde raio é que, em Lisboa, se consegue almoçar num sítio com atmosfera luminosa, azeite transmontano Acushla, mármores de lioz e uma peça artística de Francisco Vidal – e isto sem termos de pagar mais de 30€? Dito de outra forma: onde se pode almoçar com algum estilo, bons produtos e uma sala bonita, não tendo os portugueses salários de alemães?  Ora, o Refeitório, instalado na Praça, no Hub Criativo do Beato, é um desses oásis raros de Lisboa, sem hordas de turistas a passar à porta, arejado e luminoso, com preços sensatos, estacionamento e pratos do dia que não arroz branco com polpa de tomate e filetes de red fish congelado.  Por 15€, come-se sopa, prato e sobremesa – sendo também certo que, quando perguntar de que é a sopa do dia, não lhe vão responder que “é de legumes”. A sopa, aliás, foi a primeira coisa que me agarrou a este Refeitório, um projecto que comporta uma loja de produtos exclusivos, uma padaria e o restaurante, este um espaço autónomo, onde se almoça e janta.  Na primeira visita, calhou um creme de beterraba e citrinos, absolutamente irrepreensível, sem notas excessivamente terrosas, como é costume, e o azeite cru a contrapor ao docinho e a atirá-la para o céu. Na segunda visita, houve um caldo verde sedoso, feito de batata boa (usam-se, por norma, batatas do produtor da Lourinhã Raúl Reis) e a couve galega em fios, fresca e tenra, com o azeite outra vez a fazer brilhar o prato. Para quem gosta de azeite, aliás, a Praça, e este Refeitório, por maioria de r

Rio de Prata

Rio de Prata

3 out of 5 stars

A vida de um restaurante é instável. A de um crítico de restaurantes também.  Vejamos.  Dia da semana, almoço.  É tudo lento, muito lento. As bebidas demoram 20 minutos, os dois croquetes de carne (na verdade, de alheira) de entrada 40 minutos, os pratos principais uma hora.  De resto. O tornedó “médio passado” vem cozido por dentro. As batatas fritas aparecem amolecidas e húmidas. E o arroz cremoso de tamboril do dia, ainda que excelente, é rapidamente ofuscado por um leite creme que parecia um pudim.   A sala está bem composta de pessoas que aproveitaram o sol primaveril de Inverno para almoçarem junto ao rio. O Rio de Prata está todo virado para o Tejo, de costas para Marvila, só vidros amplos e um jardim entre a sala e a água.  A sala é bonita, sóbria, a cozinha aberta e bem equipada, com os cozinheiros calmos, porventura demasiado calmos.  O empregado acorre no fim da refeição a pedir clemência. Não é bem um pedido de desculpas, é mais uma justificação. “Esperaram muito, não foi? Não contávamos com tanta gente ao almoço”.  O rapaz tanto oficia no balcão como na sala. Ora dá conta de um cocktail, ora vem entregar a açorda de carabineiro. A seu lado, uma acartadora de pratos, apática e lenta como um Tesla a meio caminho do Algarve.  No final do almoço, balanço e contas: mau serviço, um arroz óptimo, um tornedó com problemas, uma sobremesa que não devia ter sido servida.  Segunda oportunidade. Dia da semana, jantar.  Só uma mesa de seis pessoas, já a ser despachada.  Chego

Cantinho da Paz

Cantinho da Paz

5 out of 5 stars

Está tudo como antes, como se fosse um museu vivo da cozinha indo-portuguesa. O grande Sebastião, alma do restaurante, morreu em 2018, mas a filha Ana Fernandes tem zelado para que não se mexa em nada, incluindo nas garrafas de Mouchão e Barca Velha, já transformadas em vinagre, que forram a parede. Não mexer em nada implica muitas coisas, sendo talvez a mais impressionante que a generosa Dona Lina, 30 anos a dar conta de especiarias e tachos neste cantinho em São Bento, tenha de fazer todos os dias o caril de gambas, um processo artesanal onde gasta quase duas horas.  O prato é um dos tesouros do restaurante, sendo feito com os sucos do coco ralado espremido à mão pela histórica cozinheira cabo-verdiana. O que sobra é um sumo delicado que há-de engrossar até ficar sedoso, uma mantinha quente para cobrir camarões grandes, suculentos, impecavelmente cozinhados.  Estão também iguais ao que eram os bojés do Cantinho da Paz, fritos na hora, feitos com cebola e cominhos e farinha de grão. E o mesmo se pode dizer das chamuças de carne, cujo segredo está num golpezinho de mostarda e numa massa dura e crocante como um Cheetos (que Sebastião me perdoe). A única coisa que Ana Fernandes admitirá não ser igual é o famoso chacuti, esse prato dos deuses, à base de uma molhanga negra como um beco do bairro de Velha Goa. A receita é a mesma que Sebastião tornou célebre, e até foi publicada em tempos na imprensa, para que o mundo a aprendesse. Mas uma coisa é a letra, outra coisa quem a canta

Cachupa da Tia Alice

Cachupa da Tia Alice

4 out of 5 stars

Na primeira vez, cheguei já tarde e a Tia Alice já estava a almoçar numa mesa encostada à parede, sozinha. Sentei-me de frente para ela e pude desde logo sentir a sua presença. Ao mesmo tempo que comia, a dona do restaurante mantinha vigilância apertada sobre o serviço e sobre o novo cliente. “A cachupa refogada é do dia anterior”, atirou firme, muito elegante no seu cabelo armado, sem tirar os olhos do prato, falando por cima da empregada.  A Tia – como todos lhe chamam – é uma dessas mulheres cabo-verdianas que se fizeram na força e na dureza. Aos nove anos já cozinhava para os dez irmãos. Depois, saiu da sua Ilha de São Vicente e veio para Portugal, onde andou de restaurante em restaurante até se fixar, em nome próprio, nas Laranjeiras, cinco minutos a pé da Loja do Cidadão.  A cachupa refogada leva tudo o que leva a cachupa rica, do milho branco ao feijão congo, mas é estalada em cebola na frigideira, com um ovo estrelado a cavalo. A cachupa refogada é uma das especialidades do restaurante e o melhor curativo para quando o estômago vem de uma sova de grogue ou outro etílico.  O grogue da Tia Alice também é especial, feito com rum de Cabo Verde (“senão, não fica igual”), limão e mel, também ele das ilhas africanas.  “É uma maravilha, nunca provaste?” Gosto que a Tia trate logo as pessoas por tu, qual “mama”, e gosto que elogie a sua própria comida. Pessoas como a Tia, quando elogiam a sua própria comida não se estão a elogiar a elas próprias, porque a comida é-lhes uma ent

Laranja Tigre

Laranja Tigre

4 out of 5 stars

Temos dois ou três bons restaurantes de cozinha goesa tradicional, não tantos quanto devíamos. A cozinha goesa é uma pérola da gastronomia mundial, um híbrido extraordinário da culinária indo-portuguesa – e, se eu mandasse, no lugar de cada indiana manhoso instalava uma casa de sarapatel. Foi isso, precisamente, que fez este Laranja Tigre, ocupando o lugar do Calcutá, ali ao pé da Praça Luís de Camões. Durante a minha juventude, o Calcutá serviu bem o propósito de nos forrar o estômago a tikka masala antes de ele se intoxicar de uísque espanhol servido em copos de plástico nos buracos do Bairro Alto.  Mas muita coisa mudou em 25 anos e, neste caso, para melhor. O Laranja Tigre agarrou na memória boémia do Calcutá, juntou Goa e Lisboa, acrescentou uns toques de chef aqui, bom produto português ali, abanou, girou e serviu algo próximo do que seria um goês de autor.  No caso, o autor é conhecido nas lides gastronómicas da cidade por ser um fã de cozinha asiática. Hugo Brito, que desenhou a carta e tem acompanhado a casa, é o chef do Boi-Cavalo, projecto em Alfama que se auto-intitula de “contemporary portuguese restaurant for adventurous eaters” e regista, como última entrada no Instagram, um prato de “Faisão, Lao Gan Ma e molho de Bolo-Rei”.  Do que conheço de Hugo Brito, acho que um goês de autor lhe assenta bem, porventura até melhor do que o “contemporary portuguese”, e só tenho pena que a sua intervenção no Laranja Tigre não seja, porventura, tão presente quanto o projecto

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Comefinamento: Go Juu

Comefinamento: Go Juu

O Go Juu começou como um clube de sushi para saudosos de Takashi Yoshitake e do seu Aya, restaurante de que é orgulhoso herdeiro no menu e na escola. Mas, em dias fracos, deixavam os ignaros que não haviam sido tocados pelos niguiris do mestre lá ir respigar o chutoro, eventualmente num lugar ao balcão à terça-feira, afortunadamente numa desistência ao fim-de-semana. Fui lá algumas vezes, mesmo não sendo membro do clube – e ainda que tenha comido no Aya (ah, injustiça!). À frente do balcão estava – e está – o chef Fagner Buzinhani, com quem conversava sobre a época do ouriço e a maturação do atum. Fagner era de uma sabedoria serena, ao contrário de certos sócios, pseudo-especialistas em fine dining e em baboseiras de gourmet novo-rico que fariam Yoshitake bolsar. À parte a parvoíce do pseudo-clube, tudo o resto era maravilhoso no Go Juu. Comi lá sempre bem, sempre peixe fresquíssimo, sushi clássico sem atalhos, peixe pescado com anzol por mãos de bordadeira. De topo, igualmente, a cozinha de quentes, tradicional e diversificada. Lisboa não terá melhor, ainda hoje, se descontarmos sítios com preços acima de 60 euros por cabeça. Mas, pronto, havia o clube e isso aborrecia-me. Havia o clube e por causa disso não ia lá há algum tempo. Até que bateu de novo aquele desejo por peixe cru. Comecei a sonhar com fatias de dourada, rosáceas de pregado e arroz glutinoso. Era preciso fazer alguma coisa. A questão colocou-se: voltar ou não voltar? Voltar. De resto, o suposto clubismo estari

Comefinamento: Izcalli

Comefinamento: Izcalli

Como se monta um restaurante de chef num saquinho de take away sem obrigar o cliente a ir para o fogão? Não monta. Para já, não monta.À segunda clausura forçada da restauração portuguesa, parece evidente que comida de chef, comida com tempos de cozedura precisos, comida de sabor e de estética, não cai na mesa das nossas casas directamente das mãos do estafeta. Comida de chef exige trabalhos, mesmo que mínimos.No caso do Izcalli, há pratos em que é preciso cozinhar ou montar quatro ou cinco elementos. Uma encomenda para uma família grande, com entrada, dois principais e sobremesa, pode chegar aos 15 ingredientes, às 15 caixinhas e saquinhos de vácuo e frasquinhos. Aos 15 procedimentos.Facilita, por isso, que à frente de um take away destes esteja uma cabeça habituada ao cálculo e à logística. E é isso mesmo que acontece com Ivo Tavares. Ivo Tavares quase foi informático, quase tirou matemática aplicada, quase foi chef Michelin, mas acabou a montar um balcão para seis pessoas de alta comida mexicana em Alcântara, com a extraordinária Paola Arango, uma ideia que parecia uma impossibilidade financeira e uma experiência fugaz mas se tornou numa referência gastronómica incontornável de Lisboa com três anos de vida.É a cabeça meticulosa de Ivo que nos salva do pânico quando vemos a encomenda que ele próprio nos vem entregar a casa. A encomenda não parece um take away, parece um armazém da DHL. Basta olhar para a carga para percebermos que vai ser preciso montar uma mise en place amp

Comefinamento: Essencial

Comefinamento: Essencial

Se o jantar inclui pithivier, sei quem vou desafiar.“Viva, hoje temos pithivier. Quer vir cá jantar a casa?”Habituado à austeridade da culinária duriense, o sogro contrapôs, do outro lado da linha, desconfiado e ríspido. "Pithivier? O que é pithivier?"Procurei simplificar, recorrendo à semântica transmontana. “É uma empada grávida de gémeos que gosta muito de manteiga. Está a ver o chausson de maçã? Imagine um chausson, mas em vez da maçã tem faisão trufado lá dentro.”“Chausson! A que horas?”Às 18.15 tocou à porta Daniel Silva. Daniel Silva é o homem da sala do Essencial. Estudioso de vinhos de Portugal e do mundo, entusiasta da identidade e do terroir, costumava pairar delicadamente de mesa em mesa, sem se impor mas disponível para falar se o quiséssemos ouvir.Nesta circunstância, Daniel limitou-se a entregar o saco de papel kraft com o Menu 4 pratos (duas entradas + um prato principal + uma sobremesa = 50€ + 5€ de entrega).Remeteu explicações sobre finalizações para um cartãozinho e retirou-se com covidesco bom senso.Pus logo a mesa de acordo com os tempos, cada um sentado numa ponta, como fariam os aristocratas franceses do século XVII da comuna de Pithiviers, na cidade de Orléans, quando jantavam com suas donzelas. Abri as janelas contra o bicho mau e tratei de torrar pão. O sogro adora pão e presumi que iria precisar dele. O menu daria para um estômago e meio, ou seja, daria para o sogro.Quando ele chegou, eu estava a estudar o cartãozinho e a dispor as caixinhas. Duas e

Comefinamento: Zunzum Gastrobar

Comefinamento: Zunzum Gastrobar

A moda do take-away tem mais coisas más do que boas. Mas há uma que é notável. É que, nalguns casos, ajuda-nos a perceber como funcionam as cozinhas de chef. Com o take-away, mesmo longe das cozinhas profissionais, podemos ficar a saber como se faz o nosso prato preferido do restaurante.Explico. Aqui há umas semanas, escrevi sobre um arroz de bivalves que comi no ZunZum, da chef Marlene Vieira. Foi nesses idos meses de 2020 em que podíamos jantar numa mesa que não a da nossa sala. Na altura, parti a cabeça por causa do prato. Qual seria o segredo? Como se fazia aquilo? Como se conseguia aquela textura sedosa?As respostas entraram-me pela casa há dias. Num saquinho de papel com o logotipo da chef Marlene Vieira, vinha uma série de produtos embalados a vácuo – nada mais nada menos do que os ingredientes do arroz do ZunZum.Ao consultar o menu do take-away, no site do restaurante, ao lado da carta de pratos prontos a comer, vi uma série de propostas para finalizar em casa. Entre elas estava a do arroz de berbigão à Bulhão Pato, com tataki de espadarte rosa. Embora renomeado, adivinhava que a essência seria a mesma do tal arroz que me deslumbraram umas semanas antes.Enquanto o resto da família atacava as entradas do repasto — pataniscas, empada (manteigosa) do cozido, asinhas de frango fritas —, dei por mim a ler as instruções de confecção como se fosse a sebenta do exame de Matemática do 12º ano. Felizmente, não havia números. Era só “deite isto, depois aquilo, por fim aqueloutro

Comefinamento: Tratto by Trattoria

Comefinamento: Tratto by Trattoria

As massas italianas têm um ponto de cozedura preciso, são seres sensíveis e delicados. Fechá-las dentro de uma mala térmica às costas de um indivíduo que se julga o Miguel Oliveira das PCX é como pôr um prato de sopa no programa de secagem extra da máquina de secar. As hipóteses de chegar tudo esbardalhado são imensas e incontornáveis.Em todo o caso, é bom podermos comer pasta fresca no lar. Mesmo que não fique al dente, no ponto perfeito, há um momento em que o corpo pede hidratos de carbono e pecorino e molho de tomate – e nós devemos agradecer a quem arrisca levar a casa o que nós pedimos, mesmo se o que nós pedimos é um absurdo culinário.Há, aliás, vários absurdos culinários do take away que são muito populares. Talvez o exemplo mais notório disso seja também de origem italiana: a pizza. A pizza, por definição uma rodela de pão assado coberta com queijo e coisas, quando fechada em cartão, fica suada e mole como uma fita de cabeça depois de uma partida de squash. Pior do que massa de pizza cozida, suada e mole, só queijo de pizza cozido, suado e mole.E ainda assim as pessoas pedem muitas pizzas ao domicílio. E ainda assim as pessoas pedem muitas massas ao domicílio. Porque as pessoas são absurdas e as pessoas têm fome. E os restaurantes respeitam isso. Uma salva de palmas.Neste Tratto by La Trattoria, braço da comida para fora do La Trattoria, ancião restaurante italiano da Rua da Artilharia, activado para take away em Junho do Ano 1 d.P. (depois da Pandemia), os pratos di

Comer em tempo de Covid: A Trempe

Comer em tempo de Covid: A Trempe

Quando Lisboa ainda não tinha restaurantes com mobiliário nórdico e bancos Chesterfield, houve uma tendência de fazer restaurantes com telheiros interiores. O telheiro interior era uma forma de dar um ambiente de casinha rural a um restaurante encarcerado num prédio urbano de Lisboa e não só.Sou fã de restaurantes com telheiros interiores e colecciono-os. Os telheiros interiores, com as suas telhas a bordejarem a cozinha e a entrarem pela sala, costumam ser um cliché kitsch e um veículo de alentejanice. Entra-se num restaurante com telheiro em Campo de Ourique e, de repente, está-se num tasco de casario em banda algures no interior do distrito de Beja.No caso de A Trempe, estamos perante um duplo telheiro: um exterior, cravado na fachada do prédio, e um interior. Duplamente kitsch, duplamente rural. Viva o telheiro.Já cá tinha feito três refeições no passado. A sensação, à entrada, foi a mesma. Eis uma casinha fofa, uma cozinha de bem-comer familiar, que resiste ao modernismo culinário do bairro e das suas gentes. Decoração de tijoleira e as famosas trempes, nome dado aos aros com três pernas sobre as lareiras, onde assentam (assentavam) as panelas de ferro.Na mesa, foram logo postos petiscos (sem terem sido pedidos). Salsichão de porco preto cortado finamente; torresmos do rissol fritos no dia, chamucinhas de carne sem picante (e sem história); pão tipo alentejano fatiado; e uma saladinha mista. A carta nem apareceu, que os pratos do dia expostos eram apetitosos e bastavam,

Comer em tempo de Covid: Lés-a-Lés

Comer em tempo de Covid: Lés-a-Lés

Estava ainda a maldizer o pão com excesso de fermento industrial e esfarelado, porventura conservado no frio, quando cai na mesa o melhor rissol de camarão de que me lembro. Tudo perfeito: massa da grossa bem frita, o recheio um creme sedoso e piscícola a lembrar os rissóis de peixe de antigamente, lá pelo meio troços rijos do marisco, tudo quente a deitar fumo. Se tivesse que eleger comida de conforto, os fritos estariam no topo das preferências, sobretudo os pastéis. Estão fora de moda, ninguém os vai ver na boca de um influencer, mas são miminhos de avozinha de escumadeira na mão, são manta no colo e mesa com flores estampadas na toalha, são cozinha com braseiro e relógio de cuco. “Oh lá, lá”, atirou às tantas o meu amigo, já abalançado para os pastéis de massa tenra, acabados de pousar: folhados, pouco canónicos na substância de carne picada atomatada – muito bons, também. A cabidela veio confirmar o talento do sítio, projecto de Frederico Pombares e Tito Serradas Duarte, proprietário do Mariscador, restaurante que residiu neste mesmo avançado do Campo Pequeno (como ainda atestam os talheres). Os bagos de arroz gordos e gostosos, o molho aveludado e gomoso ao jeito do risoto, tudo no ponto, da cozedura ao vinagre, da doçura ao sal. A fasquia baixou com o entrecosto. Falhar um entrecosto é difícil. Basta tempo a cozinhar e temos comida boa. Este, longe de estar falhado, não era brilhante, expectativa legítima num restaurante que promete o melhor da gastronomia portuguesa.

Comer em tempo de Covid: Mattë

Comer em tempo de Covid: Mattë

Andava há muito para fazer esta prova: mostrar aos meus filhos adolescentes que o salmão que eles comem enrolado em arroz com queijo creme nos buffets chineses da cidade não é sushi. Fiz-lhes muitas vezes a conversa. Sushi é algo delicado, complexo, elegante. É preciso saber do melhor peixe, da época dele, do corte perfeito, da temperatura. É preciso saber do arroz. A tudo isso eles respondiam com a arma do costume: “Pai, és um snob preconceituoso. Devias provar os rolinhos com maionese do Yokohama.” Eis então o momento da verdade. Antes de fazer o pedido, fui ao balcão olhar os peixes. Tudo com excelente aspecto. Lombos brilhantes e gordos. Na ponta, um enorme pedaço de chu-toro de atum rabilho, ligeiramente marmoreado. “Este é que os vai convencer.” O processo foi gradual. Primeiro, veio o hamachi de lírio. Os miúdos rejubilaram logo com as lâminas marinadas em molho ponzu, yuzu e óleo de trufa – clássico guloso que o chef Habner Gomes trouxe do Hikidashi, restaurante de Campo de Ourique onde esteve antes de aqui residir. Depois, subiu-se de nível para um sashimi clássico: atum, dourada, pregado e salmão. Peixes fresquíssimos, cortados na perfeição. “O pregado é muito bom”, disse a mais velha. “Este salmão não tem nada a ver”, deliciou-se o mais novo. Por fim, a pièce de résistance, a mais notável proteína crua que um humano pode levar à boca. A maior bomba de umami inventada pelos japoneses. Se os garotos ficassem indiferentes aos niguiri de chu-toro teria de os deserdar.

Comer em tempo de Covid: Patuá

Comer em tempo de Covid: Patuá

Faria sentido que Lisboa tivesse uns quantos bons restaurantes de cozinha macaense. A cozinha macaense será, com a de Goa, uma das mais originais fusões culinárias onde os portugueses participaram. Sucede que restaurantes goeses em Lisboa há uma boa meia dúzia, macaenses nem por isso. Nem em Portugal, nem em Macau. Os chineses de Macau borrifam-se para a herança lusa e os portugueses de Macau ficam encostados a ver a história passar. Há ainda algum folclore imposto por meia dúzia de regras definidas na transição do território para a alçada da China, como as fardas da PSP e os nomes das ruas em português, mas a comidinha é toda chinesa, com excepção do extraordinário Riquexó, a tasquinha da dona Aida Jesus, anciã com 104 anos. Mariana Valle Lima Em boa hora, por isso, nasceu uma tasca macaense na fronteira entre os Anjos e a Penha de França. (Sim, outra vez a Penha de França. Viva a Penha de França. A Penha de França é, porventura, o bairro que melhores surpresas me tem dado nos últimos meses. Uma tasca macaense na Penha de França é uma coisa bela.) À frente dos fogões está “o Xico”, contou quem serviu à mesa. Xico é filho de mãe macaense e tem avó chinesa. A fiscalização familiar do receituário é apertada. “Muitas vezes vai às compras e telefona à mãe e às tias para esclarecer dúvidas”, detalhou. Xico tem o prazer das suas origens (Patuá é uma referência ao crioulo macaense) e tem mais, porque domina outros territórios e é livre. Tanto toca a música da sopa tom yum tailande

Comer em tempo de Covid: Café Mortara

Comer em tempo de Covid: Café Mortara

A Lena D'Água tinha acabado de tocar no Maria Matos e eu chorei como uma criança a quem caiu o gelado no chão. Pode ter sido da emoção de voltar a uma comunhão artística, depois do início da pandemia. Pode ter sido daquela mulher ali, regressada dos confins da desolação, erguida por uma banda de jovens frescos e felizes. Pode ter sido de “A Culpa é da Vontade”, do Variações, ter tido a melhor interpretação de sempre. Chorei. Chorei muito. Chorei feliz. Chorei tanto que, no fim, só me apetecia beber uma cerveja. Duas, três. Era assim que fazíamos antigamente. Íamos a um concerto e depois bebíamos umas cervejas. E agora eu precisava de repetir o ritual, mas não havia nada aberto. De repente, já a chegar ao lugar do carro, eis uma porta aberta, eis duas mesinhas em frente a uma loja, eis duas pessoas a beber uma cerveja. Não era bem um café, não era bem um restaurante. Era uma lojinha mínima sem fogão, com uma mesa lá dentro e duas cá fora. E bebida. E comida. “Estamos mesmo a fechar, mas se quiserem beber alguma coisa ou comer ainda dá”, disse Vítor Mortara, responsável do Café Mortara juntamente com Letícia Mendes, sua companheira. Ou comer! Comer o quê? Os concertos não dão só sede, também dão fome. “Temos massas frescas”, esclareceu Mortara, um brasileiro de São Paulo com ascendência italiana e bigodinho hipster. Massas frescas e cervejas artesanais num cafezinho do Bairro das Estacas, nas traseiras da Avenida de Roma. Depois de um concerto. Maravilha. Gabriell Vieira Ness

Comer em tempo de Covid: The Art Gate

Comer em tempo de Covid: The Art Gate

A porta da rua está fechada. Nenhuma tabuleta, nada que indique um hotel ou um restaurante ou uma galeria de arte – tudo o que o The Art Gate anuncia ser. Recorro ao Google e certifico-me então da morada completa. É mesmo aqui. Toco à campainha e subimos ao 1º esquerdo. Mandam-nos aguardar numa sala/recepção, acompanhados por um quadro de José Pedro Croft. O meu amigo, conhecedor do mercado da arte, atira: “Custa mais do que a minha casa.” A espera tem a ver com “a preparação do primeiro momento”, na galeria ao lado, e faz-se com outros comensais, também com reserva para a mesma hora. Há um certo desconforto nessa pausa, mas eis que chega um dos cozinheiros para nos guiar. O périplo pelo menu de degustação de 17 pratos – única modalidade disponível (90€) – inicia-se pela galeria. Explica-se o conceito, explica-se o que se vai comer, explica-se como devemos proceder. Explica-se muito. Os primeiros quatro aperitivos são tomados de pé em modo de cocktail volante, tudo bom, destaque para uma espuma de chá com pó de hibiscos e sumo de frutos vermelhos. Passamos depois pela sala de comer, apenas com uma mesa comunitária, mas que mesa: uma roda de madeira pesada e larga da autoria do romeno Mircea Anghel. Em redor cabem meia-dúzia de pessoas com distância Covid e cabe mais arte e design: por cima candeeiro Tom Dixon, nas paredes fotografias de Daniel Blaufuks. Eu e o meu amigo seguimos para a chef’s table, na própria cozinha, um balcão onde vemos os fogões e a mise en place. Estamos

Comer em tempo de Covid: A’paranza Tasca Italiana

Comer em tempo de Covid: A’paranza Tasca Italiana

Tenho comido algumas massas com anchovas, mas nenhuma se comparou à deste A’paranza. A pasta é dura, bem mais do que o al dente tuga, dura mesmo, dura de Nápoles, região de origem dos donos. E o molho de anchovas e tomate cereja tem o balanço perfeito de gordura e doce, tudo envolvido já na mesa em burrata, uma decadência cremosa e escorregadia como o soalho do ClubJenna, uma das melhores coisas que podemos comer nesta cidade por 12 euros. Fosse só isto e era muito bom, mas houve mais coisas notáveis. No A’paranza estamos na Itália do Sul e do mar, com pescado das lotas de Sesimbra e Peniche. Uma Itália que tem petinga e lulas fritas embrulhadas em papel. E tem pacheri, massa antiga de sêmola de trigo duro, como um macarrão grande, aqui com espadarte, tomate cereja e beringela. E tem fettuce com ovas de tainha secas (petisco raro em Portugal, mas célebre no Sul da Itália, onde são conhecidas como bottarga). Numa das visitas, andámos pelos anti-pasti e quase ficámos por aí, tantas eram as atracções. Mexilhões abertos em limão e pimenta, cozinhados no ponto, tenros e suculentos. Polipetti affogati, polvinhos guisados, mesmo inhos, profundos no molho escuro de tomatada e vinho. Outra coisa boa é que este italiano é franco e permite partilhar – longe dessas reminiscências dos anos 90, casas forradas a marcas importadas DOP disto e daquilo, com hidratos de carbono ao preço de carabineiros. Éramos cinco, pedimos quatro entradas e três pastas, sugestão da casa. No início, achei curt