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José Margarido

José Margarido

Crítico Comer&Beber

Moço da província, está convencido de que a melhor cozinha é sempre de conforto. Nunca soube escrever bouillabaisse e acredita que a receita da felicidade está inscrita numa açorda: pão, água, azeite e ervas – ser genial com o que se tem à mão.

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Prémios Time Out 2021: os vencedores que nos salvaram o ano

Prémios Time Out 2021: os vencedores que nos salvaram o ano

Dickens é um escritor natalício e a ele devemos parte do nosso imaginário colectivo para a quadra. A ideia de uma família unida, feliz apesar das adversidades, é um legado seu. Mas se o convocamos para aqui não é tanto pelo contributo dado para as celebrações modernas do Natal, é mais pelo início de uma frase que inscreveu na cultura popular a caligrafia vitoriana: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. Ao longo deste século e meio, abundaram oportunidades para o aplicar às mais diversas situações – e 2021 é uma delas. É uma descrição rigorosamente resumida do que vivemos este ano. Começou mal, muito, muito mal, e nunca, até hoje, deixou de ser assombrado pelo espírito do Inverno passado. E no entanto melhorou. Melhorou muito. A reabertura das lojas, dos restaurantes, dos bares, das festas e dos festivais – da vida, enfim – foi num crescendo de entusiasmo e entrega que nos deu a sensação de estarmos a viver o melhor dos tempos. Como na Time Out estamos habituados a deter o olhar no lado positivo das coisas, também o faremos para este ano de experiências polarizadas. É hora de fazer o balanço e celebrar quem se destacou nas áreas que acompanhamos semana após semana, dia após dia. É hora de regressar aos Prémios Time Out, desta feita com 32 categorias. Ora então, os vencedores são…

Tascas abertas em Agosto

Tascas abertas em Agosto

Sente que por estes dias é preciso um curso para ir comer fora? Estamos consigo. Há que saber se precisa de vacina ou tem de pedir uma zaragatoa de entrada, se pode reunir a família ou a tia fica numa mesa à parte, se a máscara é obrigatória para todos ou só para quem mastiga de boca aberta. E o pior é que em Agosto muita coisa fecha e a coisa tende a complicar-se. Perante isto, o melhor é estar atento ao que dizem as autoridades competentes: para saber quais as restrições aplicáveis à data, veja o que diz o Governo; para saber quais as boas mesas disponíveis este mês, veja o que diz a Time Out. Recomendado: As melhores tascas de Lisboa

Comefinamento: Reco Reco, o fast food vagaroso

Comefinamento: Reco Reco, o fast food vagaroso

Comer é um verbo que teimo em conjugar no gerúndio. Gosto muito de comer, evoco a toda a hora o que comi, exalto-me na antecipação do que comerei. Mas o que me enche mesmo as medidas é ir comendo. O gerúndio é o tempo ritual, da memória a acontecer; é o lugar onde o prazer vive e eu faço por demorar-me nele. É sobretudo por isso – e menos por intransigências de um palato pretensioso – que sou avesso à fast food. Raramente encomendo comida que leva tão pouco tempo a fazer quanto a desmilinguir-se. Mas de quando em vez lá cedo à tentação, e o essencial da história repete-se: começa com uma larica de janado e acaba com um remorso de penitente. Penso nisto no momento em que encomendo jantar, num domingo de sornice e indulgência. É a primeira vez que experimento o Reco Reco, serviço de entregas criado pelo Pigmeu, o restaurante de Campo de Ourique que fez fama a trabalhar carne de porco nose to tail, que é a maneira inglesa de dizer que o faz à boa maneira portuguesa, aproveitando toda e cada parte do bicho. A ementa, desenhada para este tempo de confinamento, é feita de gordices suínas, pensadas para criar água na boca e deixar nódoas no sofá. E eu decido empanzinar o serão com três doses para dois. Começamos com um cheese burguer (11,50€). Óptima a carne da Herdade Freixo do Meio, santuário da criação biológica ali nas bandas de Montemor-o-Novo (quem quiser pode encomendá-la, que um dos pontos de entrega em Lisboa é, precisamente, o Pigmeu). Chega entalada num pão de brioche que

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Oh! Lacerda

Oh! Lacerda

3 out of 5 stars

O ponto de exclamação é como uma especiaria: pede mão certeira e moderação. Usado a preceito, pode dar sabor de espanto, susto, admiração, indignação, raiva, exaltação, entusiasmo ou excitação. Em excesso, dá gritaria. Penso nisto à mesa do Oh Lacerda!, enquanto tento interpretar aquele nome pontuado. Pergunto-me se a ideia é chamar pelo Lacerda, aclamar o Lacerda, ou mesmo derreter-me com o Lacerda – como aquela senhora que exclamava “bravo!” sempre que o Ambrósio lhe dava uma guloseima. Veremos. À porta, há selos de recomendação da Time Out que não se renovaram com o tempo. Já era tempo de tirar de novo o pulso à instituição. A casa remonta a 1947 e começou por ser um talho. O nome completo do lugar mantém-se, aliás, Restaurante Cortador Oh Lacerda!, e houve tempos em que as carnes se exibiam e insinuavam, penduradas na sala de jantar. Nas paredes, há fotografias a evocar essa memória de açougue, misturadas com cornos, chocalhos, barros do Redondo e loiças das Caldas, mais uma farta colecção de notas e moedas em vitrines emolduradas. Uma parafernália de referências castiças sem geografia certa, coisa típica de lugar algum, mas que resulta num conjunto acolhedor e estranhamente familiar.  A clientela é, também ela, familiar. Estreio-me ao almoço, dia de semana e sala cheia. Pelos salamaleques, noto que é tudo clientela habitual, menos eu e a minha companhia. Noto também que toda esta gente partilha o mesmo nome: doutor. Vamos mordendo o ambiente, umas boas azeitonas galegas

Popular do Capelo

Popular do Capelo

3 out of 5 stars

Chego lançado com fome e invisto na carne. Peço o bife de touro frito, trazem-me um bitoque de vaca grelhado. Ansiava eu por um naco sanguinolento, sai-me uma chicha ressequida. Fico como quem fosse ver uma corrida na Monumental de Las Ventas e acabasse numa garraiada em Vendas Novas. Ainda ponho os óculos – que sem eles não vejo um boi – mas confirma-se o engano, que o empregado, com a altivez de um forcado do Aposento da Moita, só a custo admite.  A casa diz-se popular e com razão. Está sempre ao barrote, clientela indígena, sem sinal de nómadas, o ecrã na CMTV, a actualidade comentada em directo no balcão de inox. A carta faz-se de grelhados, comida de tacho e peixe frito, umas coisas melhores que outras, mas tudo com razoável apuro e preços em conta. Ora isso vale muito nesta geografia de 10 mil euros o metro quadrado. E é isso que me tem feito regressar sempre que por aqui ando. Já aqui comi boas favas e bom cozido, já almocei mediania, mas nunca saí com azia. Na investida anterior, por exemplo, fui nos filetes com arroz de tomate. O arrozinho malandro, bago firme, saboroso apesar do travo de tomate enlatado, e o filete panado, bem frito, louro, uniforme, enxuto, bom tempero. Ao lado uma salada triste e esmorecida, como é tradição nacional.  Uma semana antes, fui num lombo no forno e também não me saí mal. O suíno fatiado, cozinhado com paciência, a laranja a cortar a gordura, a batata frita de boa estirpe (pena o óleo saturado), umas boas migas verdes a dar contraste àq

Solar do Kadete

Solar do Kadete

3 out of 5 stars

A forma mais fácil de topar um robalo é pela coluna central do bicho – se for escura, provavelmente é de aquário; a forma mais eficiente é pela coluna direita da ementa – se disser 10 euros, certamente não é de mar. Discuto isto com a minha amiga à mesa do Solar do Kadete, restaurante ali no Cais do Sodré, enquanto lamentamos a dificuldade de matar saudades de peixe grelhado nesta cidade. Lisboa, concordamos, mantém esta estranha relação com o mar: a água é já ali, mas são raros os sítios de peixe fresco, descomplicado e a preços honestos. E isso deixa-nos escamados. Voltemos aos robalos. No menu há um exemplar a 30 euros e outro a um terço do preço. O primeiro serve dois e pode ser escalado, o segundo alimenta um e deve ter feito escala. O mais certo, comento, é vir da Grécia, maior produtor mundial da espécie, o que significa que o pobre animal ficaria mais perto de casa se acabasse numa grelha em Teerão.  Pedir robalo num restaurante em Lisboa é, por princípio, uma decisão parva. Mas pela boca morre o peixe e eu hoje estou de ressaca. Um lombo branquinho, meio adocicado e sem irregularidades de sabor, da cabeça ao rabo, é receita infalível para a minha carência de açúcar (e é, já agora, a melhor forma de topar um robalo engordado a farinha).  O peixe chega no ponto, lourinho, braseado, intocado pelo fogo. E eis aqui o maior elogio que faço ao Kadete: a grelha é de um esmero inatacável, razão bastante para fazer a casa figurar numa lista de bons sítios para comer peixe, num

Tascardoso

Tascardoso

3 out of 5 stars

Entre um cabrito e um cabrão há uma diferença de idade. Já entre um cabritinho e um cabrito há mais do que isso. Se nos falam em cabritinho, imaginamos uma carne deleitosa, não necessariamente um bicho mais jovem do que o costume. Sabemos, claro está, que se lhe dermos tempo o cabritinho passará a cabrito e, eventualmente, a cabrão, duro que nem cornos, que a idade é uma cabra e não poupa ninguém. Mas o sentido profundo daquele -inho é certificar o grau de maciez da chicha. Na língua, na boca e na cabeça de um português, os sufixos têm um valor próprio quando se fala de comida. E o diminutivo é sinónimo de coisinha fofa.   Discuto isto com a minha amiga minhota à mesa do Tascardoso, enquanto dividimos um cabritinho no forno e um arroz de pato. Concordamos que ambos os pratos estão bons, mas sobra-nos a dúvida se algum deles merece sufixo. O cabritinho, concluímos, é na verdade cabrito. Bem feitinho, saboroso, tostadinho sem estar seco, mas já a pedir o esforço de uma dentição adulta. Boa batata, arroz de miúdos um nadinho seco, uns poucos grelos a emprestar amargo ao conjunto. Tudo certo sem deslumbrar. O mesmo se dirá do arroz de pato, farto em lascas de ave e em rodelas de suíno (banal, industrial, tostadinho), mas o bago seco e sem vida – e se há coisa que uma minhota não perdoa é que não lhe dêem o arroz em condições. “Falta aquela gordurinha, sabes?” Sei. Concluímos que não falaríamos daquele arroz como arrozinho, que é a forma portuguesa de referir um arroz memorável. 

Recanto Serrano

Recanto Serrano

4 out of 5 stars

Hoje falamos de carqueja. A carqueja é um arbusto selvagem, embora a maioria apenas a conheça como medida cronológica. É uma daquelas referências maravilhosamente portuguesas, vagas e certeiras ao mesmo tempo. Se eu disser que nasci em mil nove e carqueja, forneço o essencial da minha idade (já sou antigo), sem revelar a minha lonjura exacta (serei qualquer coisa entre um adulto viçoso e uma carcaça centenária). A carqueja é uma unidade padrão de incerteza, que está para os anos como os picos estão para as horas. Para fugir ao rigor dos números, o português costuma tornar-se silvestre. É desta espécie de giesta, muito usada para fins terapêuticos, que quero falar. A carqueja é boa para o fígado, para combater os diabetes, para reduzir o colesterol. Mas é sobretudo boa para o arroz. E foi por ela que trepei a Ajuda para me estrear no Recanto Serrano. A última vez que comi arroz de carqueja terá sido em dois mil e picos (poucos picos, não sei precisar quantos – se soubesse não seriam picos) e guardo uma excelente memória do acontecimento. Foi lá na Serra. Era arroz simples, sem outros acrescentos, feito para escoltar um belíssimo cabrito no forno, daqueles que nos deixam incapazes de rever o Bambi sem nos mortificarmos de culpa. Havia, portanto, uma memória perfeita a ameaçar esta experiência. E este preâmbulo serve para caucionar a seguinte afirmação: o arroz de carqueja do Recanto Serrano é muito bom. Chega servido num tachinho de ferro, o carolino bem humedecido no caldo, ma

Kaia Kahina

Kaia Kahina

4 out of 5 stars

Os cominhos são como os pontos de exclamação. Exigem parcimónia e rigor. Na conta, são insubstituíveis, dão a entoação certa, um sabor único; em exagero, são insuportáveis, falam por cima de tudo, enjoam. Tenho a sensação de que há cada vez menos gente a saber usar a especiaria e cada vez mais gente a abusar da pontuação. É por isso com cuidadosa ponderação que teço o seguinte comentário ao prato central desta refeição: mas que belo sarapatel! O sarapatel é uma espécie de filme de terror de série B. Fígados, rins, pulmões, corações, orelhas e pescoços golpeados, tudo ao molho numa tachada de vísceras e sangue coagulado. É uma barbaridade que, em diferentes versões, se encontra no Norte do Alentejo, no Minho, no Nordeste do Brasil, em Goa, em Moçambique. As carnes vão variando – porco, cabrito, borrego –, o jogo das especiarias também, mas duas coisas são constantes em todas as latitudes: o sangue e os cominhos, dois ingredientes com uma amizade antiga, testemunhada em morcelas, sarrabulhos e cabidelas. Aliás, é sabido, os cominhos são bons para o sangue – o nosso – pela riqueza em vitaminas e ferro. Já li que também são bons para a digestão, para a memória e para mais umas coisas de que agora não me lembro. Estou à mesa do Kaia Kahina, restaurante moçambicano escondido numa praceta tranquila da Parede, concelho de Cascais. Uma sala discreta, algures entre a simplicidade de um refeitório e o aconchego modesto de uma casa familiar, a que se chega por uma porta secundária, passa

Colina

Colina

3 out of 5 stars

Rissol é nome de coisa feliz. Tem alegria inscrita na fonética. Tanto que, mesmo cedilhada, a palavra continua luminosa – riçol. Riçol é sinónimo de redanho, outro nome para a gordura que envolve os intestinos do porco; donde, o torresmo do riçol. Reparem como o som muda tudo: riçol é nome de iguaria que se agarra com dois dedinhos, redanho soa a porcaria que se agarra debaixo das unhas. Redanho, já agora, é também nome para uma rede de pesca que serve para apanhar camarão, que por sua vez serve para enfiar no rissol – mas isso já é ir para fora de pé. Voltemos ao início. Rissol é nome de coisa feliz. É por isso especialmente triste encontrar tanto mau rissol, desgraçadamente industrializado, recheio processado, óleo saturado. É também por isso que continua a valer a pena regressar ao Colina, restaurante que por vários anos figurou no Guia de Restaurantes Time Out, sempre com o mesmo recado: “obrigatório provar os rissóis de camarão”. Por aí, nada mudou. Esta refeição começa com um exemplar perfeito, que me reconcilia com a alegria do rissol e redime anos de azias sofridas com meias luas molengas e gordurosas. É pequeno mas bojudo, chega acabadinho de fritar, massa firme e enxuta, recheio cremoso a envolver um só camarão inteiro, grande e carnudo. Uma felicidade. São 20.30 de uma segunda-feira à noite e a casa está à pinha. É um bom indicador de consistência para um restaurante clássico de bairro. Vejo muitos estrangeiros encaminhados por concierge de hotel, é certo, mas muit

Das Flores

Das Flores

5 out of 5 stars

A iminente construção de um hotel no prédio do restaurante Das Flores, no Chiado, fez anunciar o fecho de uma das tascas mais concorridas e amadas do Chiado. Mas o Sr. José Fernandes por lá continua, forte, a abrir só aos almoços. Às terças, sextas e sábados há croquetes com arroz de tomate (imperdíveis, também estão disponíveis como couvert). As iscas e os pastéis de bacalhau, agora só às quintas, são outros pratos obrigatórios. Tudo caseiro e em doses generosas.   Crítica Desafiaram-me a regressar ao Das Flores. A princípio, não vi a finalidade. Há anos que isto é o segredo mais mal guardado do Chiado, refúgio de boa comida caseira a preços de antigamente, numa zona onde não abunda uma coisa nem outra. Vai daí, fui tirar medidas às bocas do povo. Eis as queixas que identifiquei em 40 comentários de Zomato e outros tantos de Tripadvisor e que levaram muitos utilizadores a subtrair uma estrelinha ou duas à avaliação final: 1) está sempre cheio; 2) só abre para almoços; 3) fecha ao domingo. Por mim, aproveitava a boleia desta rapaziada e tinha o texto feito. O número 1 diz-me que a qualidade da casa não esmoreceu e esta continua a ser uma das melhores tascas de Lisboa. E aos números 2 e 3 bastará acrescentar morada e número de telefone para termos a infoline completa. Maneira que é isto. Muito obrigado a todos, voltem sempre, mas não se esqueçam de reservar. Acontece que há muito que aqui não vinha e uma boa amiga minha insistia que queria voltar comigo onde

Zé Varunca

Zé Varunca

5 out of 5 stars

Antes de chegar ao Bairro Alto, Zé Varunca chegou a Oeiras. A família saiu de Estremoz para a Parede em 2002 e dois anos depois instalou a sua cozinha regional com as loiças de barro pintadas a condizer no centro da vila. Desde Dezembro de 2021, estão numa nova morada, na Avenida Engenheiro Bonneville Franco, em Paço de Arcos, mas a comida é a mesma de sempre: cozido de grão com vagens, sopa de cação, açordas, sopa de tomate, ensopado de borrego, pezinhos de coentrada e por aí fora em doses que alimentam uma família. No final, desça até à praia para fazer aquela caminhada que sempre ajuda à digestão. CríticaSuspeito que o segredo é porco. Ninguém me diz, também não pergunto. Há por aí quem finja alternativas com manteiga – banha da cobra, digo-vos eu! A melhor doçaria tradicional portuguesa tem algo de porco. Dos coscorões aos pitos de Santa Luzia, tudo porco. E os conventuais, abençoados sejam, são os que mais dão no toucinho. É o caso do tecolameco, uma tarte achatada à base de amêndoa. Neste regresso ao novo Zé Varunca, o meu amigo e eu fechamos o almoço com esta preciosidade conventual. É o meu sonho húmido de sobremesa e o pesadelo de um vegan circuncidado: ovos às dúzias e um naco de banha. Mas é, sobretudo, o final exemplar para uma refeição que, das entradas ao digestivo religioso apuro o melhor cânone da cozinha alentejana. O almoço esteve quase a ir com os porcos. Sexta-feira, 12.45, já se recusa clientela. Sem reserva, nada feito (fica o aviso). Por sorte, resta um

Imperial de Ourique

Imperial de Ourique

4 out of 5 stars

Não se pode dizer que seja um segredo, ou não tivesse esta casa uma imagem gigante de uma francesinha na vitrina, com a afirmação de que ali se faz “provavelmente a melhor francesinha de Lisboa”. No entanto, quem conhece a Imperial de Ourique (quase) prefere não partilhar o lugar. Compreende-se: o espaço é pequeno, com menos de 20 lugares, quase tudo habitués. Há sempre alguém a comer francesinha, mas na carta há pratos do dia em conta, dois de peixe e dois de carne – no dia em que por lá passámos sem aviso havia, por exemplo, bacalhau à Brás (7,50€) e feijoada à transmontana (7€). A francesinha é feita à moda do Porto, picante como dita a tradição, com bife, linguiça e salsicha, queijo com fartura e ovo. Na carta, a Imperial de Ourique (não confundir com a Imperial de Campo de Ourique) distingue entre a francesinha com bife (8€) e a francesinha com bife à casa (9,50€), que leva acrescento de bacon e presunto, explicam-nos. Há ainda variações como a francesinha com hambúrguer (7,80€) ou a francesinha com bife de peru ou bifana (8€). A batata, em palitos sem medida certa, é caseira, como se quer.   Crítica Todas as pistas servem para farejar tascas. Menus à entrada, gente à porta, sinais de fumo e cheiros exauridos, comentários de amigos, bocas de desconhecidos. Por vezes, imagine-se, até coisas escritas na Time Out. Dá-se o caso. Dizem-me estes senhores, em edição recente, que na Imperial de Ourique se come uma francesinha a preceito e em conta. Ora, talvez não saibam, tampou

Moisés

Moisés

3 out of 5 stars

Diz-se clássico do que resiste ao tempo e serve de modelo; diz-se também do que é sóbrio, do que é tradicional ou do que é apurado; diz-se ainda do que é regular e habitual. E tudo isso se pode dizer do Moisés, casa já antiga do Saldanha, onde só agora me estreio. Mas enfim, também se diz que nunca é tarde para descobrir os clássicos. Dou por mim neste esforço lexicológico enquanto me decido entre as pataniscas com arroz de feijão (9,20€) e o steak au poivre (18.95€). Estou numa das mesas da sala sobrecomprida e vou tirando a pinta à freguesia, com uma certa inveja dos lugares ao balcão de inox. Dou um trago no tinto da casa, limpo os beiços a um guardanapo de pano branco imaculado e concluo que um restaurante clássico é mais ou menos isto: uma carta tradicional com opções de cozinha internacional, um certo afã de cervejaria, um toque de elegância antiga, escolhas para almoço diário ou jantar especial, uma clientela que trata o empregado pelo nome e se despede até amanhã. Vou nas pataniscas. Percebo que são prato do dia à terça-feira, numa carta onde conto umas trinta entradas, variando umas cinco a seis por cada dia da semana. A massa não tem mais de um dedo, quase estaladiça, enxuta q.b. e bem temperada, e faz-se acompanhar por um arroz de feijão simpático, caldoso sem ser malandro, com alguma batota de porco a dar gosto. Na mesma refeição, provam-se umas lulas grelhadas, que não são frescas, mas cuidadosamente descongeladas, chegam no ponto de grelha, regadas com um molho

Casa da Índia

Casa da Índia

3 out of 5 stars

Leio o comentário de um estrangeiro sobre a Casa da Índia. Diz ele: “The name doesn’t really fit the place since it’s proper Portuguese food and not Indian.” Solto um suspiro, enfadado com um mundo cada vez mais literal, de traduções instantâneas e contextos preguiçosos. Quem deduz que a Casa se diz da Índia por ser indiana, suponho, é bem capaz de entrar na Casa dos Passarinhos à procura de periquitos. E nem imagino o que espera encontrar na Casa dos Bicos. Na verdade, o nome assenta bem. A Casa da Índia é um lugar indeciso, qualquer coisa entre um restaurante e uma marisqueira, meio tasca, meio churrasqueira, onde há sempre gente a chegar, travessas a sair e coisas a acontecer, numa algazarra de sons, cores e cheiros. E esse charivari cola bem ao imaginário de comércio portuário que o nome evoca. Prossegue o gringo, com a mania que é a Time Out: “Go for the grilled octopus with potatoes”. E aqui fico com a leve suspeita de que o rapaz não é parvo de todo. Porque a grelha é, de facto, um dos pontos fortes da casa, mais consistente que a comida de tacho, e o polvo na brasa (12€) é uma das apostas seguras (chega bem grelhado, quase já ressequido por fora, tenro e húmido ao centro), assim como o frango assado é o bicho com mais saída (meio a 7,5€, inteiro a 14€). Nestas minhas últimas incursões, porém, escolhi outros caminhos. Primeiro, num almoço, sábado, duas da tarde, casa apinhada num glorioso escarcéu pré-Covid. Libertador. A ementa do dia, como em qualquer outro, alonga-s

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Comefinamento: O Velho Eurico

Comefinamento: O Velho Eurico

Esta refeição custou-me três chamadas, um e-mail, mensagens em duas redes sociais e uma pungente sensação de que começo a ficar fora de prazo. No fim, ainda tive de cozinhar. Mesmo assim, garanto-me capaz de repetir tudo de novo. Mas voltemos ao princípio. O Velho Eurico conta uma história que nos reconcilia com a Lisboa modernaça, essa cidade que florescia inexoravelmente no limiar de 2020, no tempo em que a palavra “pandemia” talvez passasse por uma delicatésse feita à base de massa-mãe. É a história de uma boa tasca de antanho ressuscitada por uma falange de gaiatos talentosos, que enxertaram técnica na cozinha e cuidado na ementa, sempre com sentido telúrico, inspiração tradicional e exaltação taberneira, e que com tudo isso montaram uma mesa que é toda ela Lisboa. Uma história, de resto, já bem contada. Há precisamente um ano, depois de ter sido feliz nas traseiras de São Cristóvão, o mestre Alfredo Lacerda – que uma vez mais cito sem mandato – descreveu certeiramente o boteco como um “exemplar da neo-bistronomie tuga”. É para ler como elogio. Ora, quando soube que o Velho Eurico mantinha a cozinha aberta, apressei-me a mandar vir. E se eu mandei vir! Uma hora e picos após ter decidido a encomenda ainda tentava consumá-la, já numa impaciência asneirenta, e por pouco não mandei o Velho para o mais-velho. Liguei para o restaurante, ninguém atendeu; enviei mail, ninguém respondeu; fui ao Facebook, ninguém deu a cara; dirigi-me ao Instagram da casa, ninguém contestou. Por úl

Comefinamento: Taberna da Rua das Flores

Comefinamento: Taberna da Rua das Flores

Diz-se que o tempo faz ao vinho o mesmo que aos homens: apura os bons, azeda os maus. É um belo rifão que se pode aplicar também à comida. Não falo do tempo como condimento, das virtudes do lume brando ou dos milagres do vagar na cozinha. Falo da esperança média de vida de um prato depois de feito. É esse tempo que me importa cronometrar quando encomendo comida.Penso nisto dois dias depois de a Taberna da Rua das Flores me ter trazido o jantar a casa. Recordo que nesse anteontem me tinha esquecido de almoçar e, em retrospectiva, encontro aí a razão de me ter alambazado na encomenda e estar agora a tentar reanimar dois amorosos fígados de pato que sobraram. Bastam três minutos de fogo e as glândulas ressuscitam, tenras e suculentas como as descobri 48 horas antes, num suave dégradé de cozedura interior. Junto-lhe um ovo estrelado, em escrupulosa observação da lei universal dos pratos reaquecidos, e quase grasno de alegria.Dir-me-ão: “Oh Zé, pá, mas nem toda a comida aguenta de um dia para o outro!” Bom, antes de mais, folgo em saber que já temos à-vontade suficiente para me tratarem por Zé. E depois respondo-vos que sim, bem sei, nem todos os pratos têm a mesma longevidade. Mas a questão é esta: na comida, a resiliência é sempre medida de qualidade. Uma pizza, como há dias o mestre Alfredo Lacerda bem pregava nesta crónica, é para comer acabadinha de fazer, o que faz dela um potencial disparate do delivery. Mas mesmo em rigor mortis é possível a avaliação: se a pizza for boa,

Comefinamento: Tasquinha do Lagarto

Comefinamento: Tasquinha do Lagarto

Os diminutivos são uma das grandes invenções portuguesas. Servem-nos para tudo e para o seu contrário – sobretudo à mesa. Um diminutivo é capaz de domesticar uma contrariedade (“vai demorar um bocadinho”), almofadar uma má notícia (“aqui tem a continha”), ou até prevenir queimaduras de segundo grau (“ainda está um bocadinho quente”). A guarnição de um sufixozinho tem também o dom de subverter qualquer noção de escala e fazer uma alarvidade passar por uma délicatesse. Teria uns 15 anos quando pela primeira vez li um texto do Miguel Esteves Cardoso a teorizar sobre a prodigiosa relação entre tachos e sufixos. Explicava ele que “um ‘arrozinho’ deixa de ser um ‘mero arroz’ só quando a capacidade da panela, e o corpo de baile de lagostins, ultrapassa a lotação média do São Luiz”.Reencontro-me com esse texto, “Almoço”, folheando As 100 Melhores Crónicas (livrinho de 364 páginas), no exacto dia em que encomendo o jantar na Tasquinha do Lagarto. Sorrio da coincidência que me veio dar uma ajudinha para arrancar a prosa. E depois penso que há três décadas que o cânone de MEC ajuda gerações inteiras a escrever, incluindo muita gente que nem se dá conta disso. DR       Tasquinha é, em si, um belo exemplar de diminutivo. Em tempo de paz, o sufixo acomoda uma sala de 90 lugares sempre ao barrote e faz as honras da casa: sim, tem qualquer coisa de tasca, na cozinha de tradição popular e nos decibéis do convívio, mas os guardanapos são de pano (amorosos, com um lagartinho bordado). De rest