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Esporão no Porto
O Esporão no Porto é um restaurante, com pratos portugueses e sazonais, mas também é uma loja e um espaço para workshops e provas de vinhos e azeites. A carta tem a assinatura do chef Carlos Teixeira e e a decoração, de Christian Haas. Crítica Escrevo este texto em stress, de ritmo cardíaco elevado, nada atlético, com vontade de arrancar meia dúzia de brancas das têmporas e de chorar, sem ninguém ver, um bocadinho sobre o teclado. É assim quando se gosta: entra-se na pele de um fedelho que escreve uma carta apaixonada, e que sabe que nunca nada será suficientemente bom ou digno do objecto amado. Esta crítica é o reflexo desse drama pueril. A editora da revista liga-me pela terceira vez: “Como é Ricardo, isso sai ou não?”. A minha mulher chama-me para jantar, mas eu só consigo pensar naquele azeite que abriu a refeição. Um Cordovil da Herdade do Esporão feito com azeitonas verdes de sabor amargo, picante e evidentemente trufado, que tingia de dourado vivo o pão feito com massa mãe, levedado lentamente, com muito ar, acidez e crosta crocante, da padaria local Masseira. Sobre um prato de cortiça do Alentejo (abro aqui um parêntesis para referir a bonita decoração do espaço, orgânica, de linhas suaves e mesas comunitárias), umas tiras da escura, densa e agridoce broa de Avintes compunham o simples e despretensioso couvert (3,50€). Para entradas pedimos a tentadora empada de rabo de boi (7,50€) e um escabeche de coelho com pão torrado (6€). Um golpe de faca na massa sedosa da prim
Kind kitchen
Há cada vez mais restaurantes veganos na cidade e o Kind Kitchen, um projecto de duas irmãs que praticam este tipo de alimentação, é um dos mais recentes. Há falafel, bowls e saladas, mas também há hambúrgueres, nachos e outra junk food onde a proteína animal não entra. Crítica Dizer-me que estou a ficar gordo é prática corrente cá por casa, isto enquanto me afaga os desmaiados abdominais, agora sob uma leve camada adiposa, na tentativa de diminuir o rombo que a observação fez na minha auto-estima. Não acho que fosse caso para tanto. Ainda tento argumentar que carrego umas belas love handles para ela apertar, mas a Rita não está para gracinhas. Finda a depreciação, o meu ego está achincalhado e ela suspira pelos cantos. Sugeri-lhe uma visita ao Kind Kitchen, um restaurante vegan com comida feita de raiz e ingredientes vindos de produtores locais, segundo anunciam as duas irmãs, Ana e Eva, à frente do projecto na Rua do Bonjardim. Depois da sobejidão de peixe, carne e doces, deglutidos freneticamente durante as festas, uma refeição sem animais à mistura até cairia bem. Mas o cheiro do molho das bifanas da Conga, a dois passos da porta de entrada deste paraíso verde – com uma cozinha aberta e o tecto cheio de desenhos – quase me fez vacilar. Mas permaneci estóico. Pela Rita e pelos meus abdominais desalentados. Primeiro, falafel (3,50€). Estas bolinhas do Médio Oriente (na street food de todo o lado) chegaram quentes e estaladiças, com uma boa consistência e com um twist que fu
Flor de Lis
Depois de oito anos ao leme da cozinha do restaurante Palco, no Hotel Teatro, na Baixa, o chef Arnaldo Azevedo fez-se ao mar (e ao que dele vem), na Foz. É, desde Maio de 2019, o comandante dos dois restaurantes do Vila Foz, hotel num palacete do final do século XIX em plena Avenida Montevideu. O Flor de Lis (a figura heráldica está presente em alguns elementos decorativos originais da mansão) tem 55 lugares e uma carta com pratos de época e forte influência portuguesa, a preços mais acessíveis. “É um restaurante para o cliente do dia-a-dia”, explica o chef. Crítica Às vezes tenho uma grande urgência em comer. Em comer pratos bons, consistentes, bem pensados e estruturados, com bons produtos frescos, que sejam de fácil digestão e com uma longa perduração na memória. Estava curioso em relação aos restaurantes do Vila Foz Hotel & Spa (o Flor de Lis e o Vila Foz), com o chef Arnaldo Azevedo na cozinha de ambos. Depois de oito anos no restaurante Palco, do Hotel Teatro, Arnaldo (a meu ver) parece ter sido seduzido com a promessa de lhe darem tudo quanto precisasse para conquistar uma estrela Michelin para este novo empreendimento hoteleiro, instalado à beira-mar. Não faltou nada nesta refeição, é certo, que só não chegou à quinta estrela da minha parte por um bocadinho de nada: senti falta de arrojo e surpresa. Fica para a próxima. Num sábado à noite peguei na minha mulher e fomos jantar. Quando os portões e a fachada do Vila Foz Hotel surgiram no pára-brisas, começaram as recrim
VietView
Gostava de experimentar a comida vietnamita sem ter que sair do Porto? Agora já é possível. Onde? No VietView, o primeiro restaurante vietnamita da cidade, onde é possível experimentar alguns dos mais típicos pratos deste país asiático. Crítica A viagem ao vietname borregou. Era preciso comprar uma máquina de lavar roupa nova e substituir o chão da varanda que ficou destruído depois das obras de revestimento a capoto do prédio. Acabámos, portanto, por ir de férias para o meio do Alentejo (também ele tomado de assalto pelos turistas); a dormir numa rulote cheia de entradas de ar e vespas asiáticas na casa de banho; e a atolar o carro num banco de areia mal chegámos ao alojamento. Se a minha mulher já estava descontente com a mudança de planos, ainda mais ficou. E ninguém quer, a bem da boa convivência planetária, que a Rita se aborreça. Sugeri-lhe, em compensação, sob o incrível céu estrelado alentejano (até saquei uma app com as constelações e tudo), irmos ao novo Viet View, em Cedofeita, o primeiro restaurante no Porto dedicado à gastronomia daquele país. Um gajo tenta. Mas fiquei com a sensação de que a emenda foi pior do que o soneto. Logo a abrir a refeição gastámos 8,50€ em entradas que não me levaram nem a Hanói, nem a Ho Chi Minh, mas sim ao AKI (com esse dinheiro podia ter comprado um suporte novo para o chuveiro, que todos os dias ameaça despenhar-se lá do alto, pensei). O edamame (3€), umas vagens de soja ainda verdes, chegaram numa tacinha. Os feijões tinham uma
Elemento
O primeiro restaurante de fine dining do país onde se cozinha exclusivamente com o fogo abriu no Porto. À frente do projecto está o chef Ricardo Dias Ferreira, que trabalhou durante vários anos em restaurantes de topo na Austrália. Com produtos quase 100% portugueses e, sempre que possíveis, de pequenos produtores, este restaurante é um daqueles que vale a pena conhecer. Crítica Há muito que os restaurantes deixaram de servir apenas para comer. Tornaram-se experiências gastronómicas onde todos os detalhes contam. Do serviço à decoração. Da garrafeira ao que vem no prato. O Elemento tem tudo isto. E quer tudo isto. Que a refeição perdure, muito depois da digestão, na memória de quem lá vai. A cozinha, aberta sobre um balcão de mármore branco, curvo e convidativo, cheio de turistas, exala um cheiro a madeira queimada que se propaga pelas paredes graníticas e pelo chão de cimento afagado. Ao fundo, um pequeno terraço com uma oliveira e, antes dele, a garrafeira debaixo de uma arcada, compõem o espaço. É de lá que vem o vinho com o qual iniciamos a refeição. Um Beyra, da Beira Interior, muito fresco e com um toque mineral, resultado da uva ter crescido num solo xistoso. Para quem gosta de vinhos salgados, a saber a maresia, é uma boa escolha. O pão de azeitonas do couvert chega à mesa ainda morno, com uma boa crosta, muito ar e uma ligeira acidez da fermentação. Acompanha-o uma manteiga cítrica aromatizada com cebolinho e alecrim. A meio do jantar pedimos uma segunda dose. O pri
Bollywood
Como transformar um buraco escuro e pequeno numa coisa maravilhosa? Quando se deparar com um impasse de bricolage, peça ajuda a Atul Parbudas, o dono deste novo restaurante de street food indiana na Baixa (e também do Portugandhi, no Marquês). Este Bollywood não vai constar em nenhum catálogo de ideias para a casa, é certo, mas é genuíno, a começar pela decoração: cadeiras de madeira coloridas, mesas pequenas onde só cabem 20 pessoas no total, um banco corrido com uma almofada comprida forrada a tecido de estofo de automóvel dos anos 80, e dezenas de fotografias de celebridades cinematográficas de Bollywood espalhadas pelas paredes. Genuína é também a comida que aqui se faz. E a conjugação destes dois factores resultam num espaço (outrora irrelevante) que se assemelha agora a um gabinete terapêutico. Porque cuidar do estômago é cuidar da alma – teoria que defendo com convicção. Mas vamos ao que interessa. Papadoms salgadinhos e estaladiços e chutneys doces e picantes (1€), e um cesto de bom pão naan com queijo e alho (3,50€), muito guloso, para começar. Depois, chamuças, obviamente (4€/2 uni.). A massa estaladiça e fininha e com uma boa fritura estava merecedora de umas cinco estrelas, tal como os recheios saborosos. Um de carne com açafrão e outro de legumes e especiarias várias. Dois lassis, um de manga e outro de coco, ambos a 2,50€ e muito doces (nada a apontar), cumpriram bem a função de cortar o picante das asinhas de frango (7€), tenras e tostadinhas na grelha, com
Semea by Euskalduna
A menina tinha razão. O raio do vinho era bom. Um Aventura branco de 2017, um regional alentejano resultado de uma mistura de castas que deixava um arrasto mineral e perfumado na boca e dava vontade de soltar estalidos com a língua e sonoros “ahhhhs” no fim. Depois, o barulho da crosta do pão caseiro, feito a partir de massa mãe, a ceder à pressão aplicada pelos indicadores e polegares. Com muito ar, uma leve acidez, pedia para ser barrado com o paté de abacate e poejo que o acompanhava. Lá fora chovia, as bátegas contra a vidraça. O riso dela. Tudo isto era música para os meus ouvidos. Houve tempos em que o meu Id e o meu Ego entravam em conflito em restaurantes. Se o primeiro, inato, não suporta uma data de coisas – como favas e ervilhas murchas, mel, cenoura cozida... – o outro usa toda a sua diplomacia para o convencer a experimentar, com o objectivo de me tornar num homem mais erudito gastronomicamente, menos abrutalhado, menos esquisitinho. Mas, verdade seja dita, isto só acaba bem quando se confia no chef. E ao Vasco Coelho Santos eu deixava que ele me alimentasse a favas e cenouras cozidas. Por isso, à confiança, pedi a cabeça de xara (7€), um paté feito com as partes moles da cabeça do porco, como a língua, a pele, as cartilagens. Acalmo o pânico instalado no rosto da minha companhia e o prato é devorado por ambos em segundos: um paralelepípedo de carne fumada crocante, ligeiramente tostado por fora e muito húmido e cheio de sucos por dentro Por cima, pickles de c
Casario
Corro o risco de ser preso, de ficar com um termo de identidade e residência, com uma pulseira electrónica no pé, ou pior, de levar com uma medida cautelar de afastamento e de me ver obrigado a dar uma distância mínima de 500 metros sempre que passar por um dos seus restaurantes. O chef Miguel Castro e Silva não sabe, mas tem um stalker, vai já para muitos anos. Dos tempos do Bull & Bear, aqui no Porto, onde fui quando era ainda um jovem de barba rala, aos seus espaços em Lisboa, já com uma pilosidade facial mais aceitável no mundo dos negócios, segui-o. Foi ele que me fez gostar de favas e cheguei a levar para casa algumas das suas criações em vácuo cozinhadas a baixa temperatura, das quais foi pioneiro em Portugal. Por isso, se o Miguel tivesse uma banda, eu era uma groupie e pedia-lhe para me fazer um filho. Quando me avisaram que voltava à Invicta, emocionei-me. Fiz o favor de esperar os três meses da praxe para que um restaurante ponha a sua máquina bem oleada e fiz-me ao caminho. Neste novo projecto na Ribeira, com vista para o Douro, numa guest house do grupo de vinhos Gran Cruz – com quem também colabora no seu DeCastro Gaia – aliou-se a José Miguel Guedes, o chef que comandou esta belíssima refeição. Pedimos o menu de degustação Casario com sete momentos (58€) e uma harmonização de cinco vinhos reserva (22€). Há na comida do Miguel um cunho muito próprio, muito autêntico: o de cozinhar com produtos locais e sazonais, com sabores reminiscentes mas técnicas de alta
A Brasileira
Cresci no meio de peças de teatro. Li e vi muito. De Sófocles a Federico García Lorca. De Shakespeare a Anton Tchékov. Posso afirmar com um bocadinho de bazófia que de teatro até percebo um pouco. Contudo, não estava à espera de espectáculo quando fui almoçar com a minha mulher ao restaurante A Brasileira, recentemente integrado no hotel de cinco estrelas do grupo Pestana, que recuperou este emblemático edifício no coração do Porto. E até o La Féria lá estava com a sua comitiva. Através da janela, uma lona sobre a fachada do Teatro Sá da Bandeira anunciava que o encenador se preparava para apresentar Eu saio na próxima, e você?, uma peça com a Marina Mota e o João Baião. La Féria, soubesse eu, teria feito o mesmo. Ao todo, contando com mais um casal que entretanto chegara, éramos oito pessoas num espaço onde caberiam pelo menos 40. Ainda assim, o serviço foi lento e pesaroso. Cheio de formalidades e de olhares reprovadores sempre que algum aprendiz levantava um prato ou talher na altura indevida. Bocejante. Sem falar da primeira abordagem em inglês. “Ah, pensei que eram estrangeiros.” Bem sei, menina, que pareço um deus grego e a minha esposa uma princesa nórdica mas, vá lá, já estávamos há dez minutos sentados e ela falou que se desunhou. Valeu-nos uma espanhola bêbada que começou a cantar em frente ao espelho e animou uma refeição desoladora. Mas vamos ao que interessa. Julguei não ouvir lá muito bem quando descreveram o couvert. Como assim, manteiga com sabor a gomas? Ine
Apego
Não foi preciso estar com muita atenção para perceber que nos últimos anos a cena gastronómica portuense mudou. E muito. E no meio de nascimentos quase espontâneos de dezenas de restaurantes e espaços de restauração, bons e maus, todos os meses, há alguns que desafiam a norma e chegam a bom porto pelo caminho mais arriscado – tal e qual os salmões do Norte que sobem os rios contra a corrente e proporcionam, a quem vê, um bonito espectáculo da natureza. É a esses restaurantes que mais atenção gostamos de dar. Não só porque exploram novos produtos ou técnicas, mas porque nos divertem à mesa, nos dão experiências e nos criam memórias. E comer, nos dias que correm, é muito feito disso. Assim foi no Apego, um restaurante no topo da Rua de Santa Catarina, na parte mais deserta daquela que é a artéria mais movimentada da cidade. Obviamente que um trocadilho com o nome não podia faltar, mas a verdade é uma, volta e meia criamos apego às coisas e é chato vê-las partir. Por isso, subam um pouco mais a rua. Afastem-se dos turistas, das compras, dos homens-estátua e entrem no bonito espaço que Aurora Goy, a chef de 29 anos, filha de mãe portuguesa e pai francês, decorou para nos receber. As paredes em pedra, as mesas em madeira, o sofá corrido, os tons quentes e o serviço atencioso. É fácil sentirmo-nos bem por lá, especialmente se a isto juntarmos uma carta curta e um menu de degustação de seis pratos, bonitos e bem feitos, muito em conta (30€). Não digam que não vos avisámos. Não chore
Cozinha da Amélia
Uma má companhia pode deitar tudo a perder. E a História faz questão de nos atirar isso à cara. Atentemos no que aconteceu a Adão e Eva, que acabaram expulsos do Paraíso; à conta de Dalila, Sansão perdeu a força e ficou sem as tranças; e a vida pouco recomendável de Clyde atirou Bonnie para um fim trágico. Se tivéssemos que contar a história deste restaurante apenas do ponto de vista dos protagonistas, dispensando os actores secundários, este teria chegado sem dificuldade às cinco estrelas. Ainda assim, nada foi tão dramático como os exemplos supracitados. Ninguém nos convidou a sair, mantivemos todo o cabelo na cabeça e dali fomos para casa e não desta para melhor. Mas vamos ao que interessa. A dona Amélia tinha um restaurante na Ramada Alta, mas mudou-se para o Campo Alegre onde continua a fazer felizes os seus clientes de sempre. E para sempre. Estou seguro de que irá demorar até voltar a comer umas amêijoas à Bulhão Pato tão boas como as desse dia. Grandes e gordas, com as conchas abertas, provocadoras, e a carne levemente cozinhada, vinham num molho límpido e salgado na dose certa, a saber bem a limão, alho e coentros, onde mergulhámos todo o pão que nos serviram. O decoro impediu-nos, contudo, de o beber à colherada. No fim, quando a conversa já era possível – até ali a boca abria-se apenas e só para ingestão – percebemos que éramos uns sortudos. Seguiram-se umas gambas ao alho, que em contacto com o molho quente (ligeiramente diferente e quase tão bom), cozinharam um
Casa Beira Alta
Falaram-me bem deste despretensioso restaurante na Boavista, portanto, meti o estômago a caminho. A refeição começou com um atendimento atencioso, se bem que um pouco exagerado, ao qual se seguiu um croquete saboroso, um rissol com um grande camarão, um bom bolinho de bacalhau e uma patanisca cheia deste peixe. Continuou com uns filetes de peixe branco (a precisar de mais tempero e mais tempo a escorrer) e com uns belíssimos rojões, muito tenros e saborosos, a especialidade da casa. Tudo rematado por uma das melhores fatias de bolo de bolacha que comi nos últimos tempos. *As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.