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A Última Noite em Milão

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A Última Noite em Milão
Loris T. ZambelliA Última Noite em Milão
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Aplausos para o policial nocturno, agitado e fatalista escrito e realizado por Andrea Di Stefano, com mais uma belíssima interpretação de Pierfrancesco Favino.

Fernando Di Leo foi um argumentista e realizador italiano activo entre os anos 60 e 80, e conhecido pelos seus policiais de acção puros e duros de série B, rodados em cidades como Nápoles, Roma e sobretudo Milão, alguns dos quais se estrearam em Portugal, caso de Calibre 9 (1972), O Patrão (1973) ou Pronto a Disparar (1975). Apesar de A Última Noite em Milão ser o primeiro filme que roda em Itália, e apenas a sua terceira longa-metragem, o actor e realizador Andrea Di Stefano, que também a escreveu, mostra-se um digno herdeiro de Fernando Di Leo, da garra visual ao sentido da acção, acrescentando-lhes segurança narrativa, sofisticação cinematográfica (ver o elegante plano aéreo inicial sobre a cidade) e sabor contemporâneo (a máfia chinesa instalada em Milão está a comer as papas na cabeça à italiana).

Franco Amore (Pierfrancesco Favino) é tenente da polícia de Milão há 35 anos e tem uma folha de serviços irrepreensível. Para ganhar algum dinheiro por fora, Franco costuma acompanhar, nas suas rondas, Cosimo, primo da sua mulher, que vende jóias e relógios de luxo a futebolistas, e tem aspirações a ser joalheiro, servindo-lhe de guarda-costas informalmente. Pouco tempo antes de entrar na reforma, Franco acode a um telefonema de Cosimo, que lhe pede ajuda porque um grande e idoso empresário chinês, Bao Zhang, teve um colapso no seu apartamento, quando estavam acompanhados por prostitutas.

Franco salva a vida do homem e, dias depois, este convida-o e à mulher, Viviana, para vir a sua casa, para agradecer por lhe ter salvado a vida e apresentar-lhe a família. E convida-o para ser o seu chefe da segurança, assim que entrar na reforma, oferecendo-lhe uma gorda remuneração. O polícia hesita e põe algumas condições, porque é óbvio que nem todos os negócios de Bao Zhang são legais. Mas acaba por aceitar, convidando depois o colega e grande amigo Dino para o coadjuvar na nova actividade. E na noite do seu último dia de trabalho, quando a mulher e os amigos lhe fazem uma festa-surpresa, Franco recebe um telefonema do seu comissário. Dino foi morto durante um assalto num túnel rodoviário, e houve outras vítimas, chineses e polícias.

A Última Noite em Milão é um filme que começa de forma convencional, e a certa altura dá uma grande reviravolta. Stefano Di Leo leva a sua avante com uma história que combina a acção policial e o drama familiar através de um enredo de corrupção e traição em que o suspense, o dinamismo e a interacção das personagens são rigorosamente administrados, e o sumo emotivo é espremido até à última gota. Exemplo disso são as duas longas sequências passadas no túnel rodoviário de Milão, a primeira durante o assalto, a segunda após o mesmo. O melhor elogio que lhes podemos fazer é que podiam ter saído de um filme de Michael Mann (uma palavra para a fotografia de Guido Michelotti, cujo polimento visual e sentido dramático das paisagens urbanas nocturnas conhecemos de títulos como Suburra, e de séries como Gomorra ou ZeroZeroZero). 

Pierfrancesco Favino é, mais uma vez, excelente, no papel de Franco Amore, o polícia consistentemente honesto e frustrado por essa honestidade nunca lhe ter valido nada em termos profissionais. O seu aspecto compacto e intimidante não o impede de ser um actor capaz de enorme subtileza e de sugestão. A partir de certa altura, em A Última Noite em Milão, ele traz à personagem um fatalismo resignado, que colide com os esforços de Viviana (Linda Caridi, muito bem) para encontrar uma linha de fuga da situação em que se viram metidos. É que Franco percebe perfeitamente como tudo vai acabar, não quer deixar nenhuma ponta solta, e Andrea Di Stefano anuncia esse fim inescapável mesmo no último plano do filme, que deixaria Fernando Di Leo orgulhoso por ter um herdeiro assim.

Escrito por
Eurico de Barros
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