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Eurico de Barros

Eurico de Barros

Articles (569)

Um Verão com as bailarinas

Um Verão com as bailarinas

★★★★☆ Sem desmerecer nas suas qualidade próprias, as autoras da sueca Chorus Girls (TV Cine Edition), que também fazem parte do elenco, parecem ter assimilado bem a lição das melhores séries inglesas. Passada nos anos 70, em Estocolmo, ao longo de um Verão, entre as bailarinas do Cirkusrevvyen, uma revista que tem lugar numa grande tenda no mais antigo parque de diversões da cidade, o Dryrhavsbakken (imaginem um cruzamento do Parque Mayer com a Feira Popular, em mais composto), Chorus Girls segue um punhado delas, com idades, personalidades, vidas, problemas sentimentais, experiências profissionais e aspirações diferentes, e que se relacionam entre si criando amizades e simpatias, mas também atritos e conflitos (a série inspira-se em relatos de bailarinas que actuaram no Cirkusrevvyen). Ao realismo da recriação dos ambientes (e que inclui o guarda-roupa piroso e berrante da década de 70), que nunca parece postiço ou muito elaborado, junta-se o sentido das mentalidades, dos modos de ser sociais e dos costumes da época, em particular na atitude para com as mulheres. Mas também destas umas com as outras, com o seu trabalho e as famílias, maridos e namorados, o que permite criar no espectador empatia, interesse e envolvimento com as várias personagens, todas solidamente interpretadas, das bailarinas às figuras secundárias que gravitam em seu redor na estrutura do espectáculo e fora desta.   Chorus Girls é uma série de “colectivo”, funcionando a várias vozes, mas destacam-se, como

Os filmes em cartaz esta semana, de ‘A Terra Prometida’ a ‘O Panda do Kung Fu IV’

Os filmes em cartaz esta semana, de ‘A Terra Prometida’ a ‘O Panda do Kung Fu IV’

Tanto cinema, tão pouco tempo. Há filmes em cartaz para todos os gostos e de todos os feitios. Das estreias em cinema aos títulos que, semana após semana, continuam a fazer carreira nas salas. O que encontra abaixo é uma selecção dos filmes que pode ver no escurinho do cinema, que isto não dá para tudo. Há que fazer escolhas e assumi-las (coisa que fazemos, com mais profundidade nas críticas que pode ler mais abaixo nesta lista). Nas semanas em que há estreias importantes de longas-metragens no streaming, também é aqui que as encontra. Bons filmes. Recomendado: As estreias de cinema a não perder nos próximos meses

Guia TV: a mudança radical em ‘Three Women’ e o thriller de época em ‘Manhunt’

Guia TV: a mudança radical em ‘Three Women’ e o thriller de época em ‘Manhunt’

É certo e sabido que somos adeptos de passeios pela cidade, idas ao cinema e ao teatro, concertos, jantares fora e uns bons copos. Mas às vezes também sabe bem ficar a vegetar, agrafado ao ecrã, no conforto do lar. Para que não desperdice estes valiosos momentos de zapping, damos-lhe as melhores razões para ligar a televisão esta semana. Porque há programas que ainda vale a pena ver em directo e estreias, nos canais tradicionais e nos serviços de streaming, que não vai querer perder. Recomendado: Os filmes originais Netflix que tem de ver

Apocalipse zombie no ‘Big Brother’

Apocalipse zombie no ‘Big Brother’

★★★★☆ Na série inglesa Dead Set (YouTube), a Grã-Bretanha é atingida por um apocalipse zombie. Nada de novo aqui. O que há de novo em Dead Set é que a catástrofe é filmada do ponto de vista dos concorrentes do Big Brother, que estão a preparar-se para a gala semanal em que um deles será expulso, quando aquela acontece. Criada em 2008 por Charlie Brooker, que alguns anos mais tarde faria Black Mirror, Dead Set (que parece, aliás, um episódio longo desta) combina terror gore da modalidade cartoonesca, sátira feroz aos reality shows e comédia muito negra (os concorrentes do Big Brother são quase todos mais burros do que os zombies que os querem devorar – ver em especial a curvilínea e bronca Pippa, que folheia revistas de moda enquanto os zombies espalham o terror no estúdio). O peculiar sentido de humor inglês manifesta-se também no facto de Dead Set ser produzida pelo Channel 4, a estação em que o Big Brother inglês passa, e de contar com alguns participantes do concurso, caso da apresentadora Davina McCall, que se parodia a si mesma gostosamente, e de vários concorrentes da altura. O que nunca veremos suceder na TVI, de certeza. Dead Set já teve uma versão brasileira, Reality Z, e está inédita em Portugal, sendo uma de muitas séries que podemos saborear graças ao YouTube.

As estreias de cinema para ver em Março, de ‘Priscilla’ a ‘Caça-Fantasmas: O Império do Gelo’

As estreias de cinema para ver em Março, de ‘Priscilla’ a ‘Caça-Fantasmas: O Império do Gelo’

Março é o mês dos Óscares. Mas o cinema é um caminho e não se resume a uma gala em Los Angeles. Vamos por etapas. Se ainda estiver a aprender o bê-a-bá da cinefilia, comece pelos clássicos de cinema para totós; se está a aprofundar conhecimentos, certifique-se de que viu os 100 melhores filmes de sempre; se já é um utilizador avançado e é dado a circuitos marginais, não falta cinema alternativo em Lisboa. Mas se tudo o que anda à procura é de um bom filme para ver numa sala de cinema comercial, então aqui encontra as principais estreias de cinema de Março de 2024. Recomendado: As estreias de cinema a não perder nos próximos meses

‘Raël, o Profeta dos Extraterrestres’: óvnis, mentiras, sexo e dinheiro

‘Raël, o Profeta dos Extraterrestres’: óvnis, mentiras, sexo e dinheiro

★★★★☆ Em 1973, um jovem jornalista francês de desportos motorizados e cantor de terceiro plano chamado Claude Vorilhon foi à televisão dizer que, quando um dia passeava no campo perto de Clermont-Ferrand, viu um OVNI. Dele saiu um extraterrestre, que lhe revelou que os humanos tinham sido criados pelo povo galáctico a que pertencia, os Elohim, e lhe chamou Raël, o que significava, segundo ele, “o mensageiro”. Vorilhon poderia ter sido mais um mitómano inofensivo e rapidamente esquecido. Mas em vez de voltar a casa e continuar a procurar óvnis com um par de binóculos, decidiu fundar uma seita para espalhar a mensagem transmitida pelo alienígena, que baptizou de Movimento Raëliano; escrever livros sobre ela; e espalhar uma doutrina feita de lugares-comuns proto-mindfulness e de conversa pseudo-científica, e onde a “libertação sexual” desempenhava uma função muito importante. Bem como o desejo de clonar seres humanos para atingir a imortalidade. Cedo começaram a aparecer histórias e denúncias de enriquecimento pessoal e de uma vida luxuosa por parte da Raël e dos seus mais próximos, bem como de abusos sexuais e de incitação a práticas como o incesto. Entretanto, o líder da seita havia anunciado ser meio-irmão de Jesus Cristo, Maomé e Buda, após um passeio num disco voador dos Elohim em que conversou com aqueles. A série documental francesa Raël, o Profeta dos Extraterrestres (Netflix), de Antoine Baldassari e Alexandre Ifi, passa a pente fino a incrível história do Movimento Raë

‘The Regime’, ‘Such Brave Girls’ e mais séries para ver em Março de 2024

‘The Regime’, ‘Such Brave Girls’ e mais séries para ver em Março de 2024

Com um mapa de estreias tão intenso na televisão – e em particular no streaming – estamos sempre atrás do prejuízo sem nunca chegar ao fim. Já vimos as melhores séries na Netflix? As melhores séries no Disney+? As melhores séries na HBO Max? As melhores séries na Prime Video? Para não irmos mais longe. E no entanto as novidades continuam a cair. E a watchlist aumenta mais um bocadinho. Este mês não é diferente. Pelo contrário: há mesmo 10 séries que queremos ver em Março de 2024. Acção, policial, sátira política, sitcom – há de tudo. Só é preciso começar. Recomendado: As melhores séries do momento

A noite, a neve e o terror. ‘True Detective’ volta a subir de nível

A noite, a neve e o terror. ‘True Detective’ volta a subir de nível

★★★☆☆ O regresso ao sobrenatural na sua quarta temporada, Night Country (HBO Max), fez bem à série antológica True Detective, que depois de uma segunda temporada francamente decepcionante, e uma terceira apenas mediana, volta agora a alçar-se ao nível da primeira, cuja história tem ecos de clássicos da literatura de terror como The King in Yellow, de Robert W. Chambers, ou dos contos de Lord Dunsany. Já as influências de True Detective: Night Country, criada, escrita e realizada pela mexicana Issa López (Nic Pizzolatto, o “pai” da série, foi aqui apenas produtor executivo), autora do tremendo Vuelven (2017), são do lado do cinema e da televisão, nomeadamente David Lynch ou o John Carpenter de The Thing.  Passado na cidade ficcional de Ennis, no Alasca, True Detective: Night Country (é a primeira vez que uma temporada da série tem um subtítulo) centra-se na investigação, pela chefe da polícia local, Liz Danvers (Jodie Foster), e pela agente Evangeline Navarro (Kali Reis), da súbita, estranha e macabra morte de quase todos os membros da equipa de uma moderna estação de investigação científica situada na zona, exceptuando um, que está em coma com lesões horríveis, e outro que desapareceu. Ao mesmo tempo, parte da população local, sobretudo os indígenas, protesta de forma cada vez mais violenta contra a companhia mineira que dá emprego a metade da população de Ennis, mas é também acusada de estar a envenenar as águas, a inquinar o solo e a dizimar os animais, e fazer com que as m

Os melhores filmes com Michael Caine

Os melhores filmes com Michael Caine

Sir Michael Caine, nascido Maurice Micklewhite em Londres, filho de uma cozinheira e de um vendedor de peixe, tem 90 anos e decidiu pôr ponto final numa longa, distinta e prestigiada carreira, que fez dele um dos maiores, mais característicos e mais bem-amados actores britânicos, de enorme projecção internacional. O filme de despedida de Michael Caine (também autor de vários livros de memórias, de um sobre o ofício de actor e, recentemente, de um thriller policial) é A Última Evasão em que interpreta um veterano da II Guerra Mundial que foge do lar em que vive em Inglaterra para ir assistir às cerimónias dos 70 anos do Dia-D em França, e estreia-se em Portugal a 7 de Março. Assinalando a sua saída de cena e o seu derradeiro papel, escolhemos 12 filmes imprescindíveis de Michael Caine. Recomendado: Os 100 melhores filmes de sempre

‘Mestres do Ar’, uma missão mal cumprida

‘Mestres do Ar’, uma missão mal cumprida

★★☆☆☆ Em 1990, o realizador inglês Michael Caton-Jones assinou A Bela Memphis, um filme baseado em factos reais, que recria a última e acidentada missão sobre a Alemanha do bombardeiro B-17 com o nome do título, em 1943, antes do regresso aos EUA da sua tripulação. Embora muito bem feito (a produção pôs a voar vários aviões da época, incluindo dois B-17), A Bela Memphis apresenta, mesmo assim, toda uma série de situações feitas, personagens tipificadas e estereótipos de acção militar dos filmes de aviação da II Guerra Mundial que o antecederam. Mais de 30 anos depois, reencontramos todo este arsenal de clichés do género, agora reciclados na série Mestres do Ar (Apple TV+), produzida por Steven Spielberg e Tom Hanks, tal como as anteriores Irmãos de Armas e O Pacífico, e que é a pior das três. Sobretudo pelo fraco realismo e clara artificialidade visual das sequências aéreas e de combate, agora totalmente dependentes dos efeitos digitais (quer por razões de orçamento, quer pela enorme dificuldade logística de pôr no ar as raras máquinas da altura ainda existentes), e que dão menos a sensação de estarmos no interior de um B-17 sob fogo inimigo e prestes a lançar as bombas, do que perante um elaborado jogo de vídeo. Mestres do Ar fica bastante aquém da missão que se propôs cumprir.

Dez filmes eróticos e de SM a sério

Dez filmes eróticos e de SM a sério

Já se fez muito bom cinema erótico. O Porteiro da Noite, de Liliana Cavani, História de O, de Just Jaeckin, ou A Pianista, de Michael Haneke, foram rodados entre os anos 70 e o início do século XXI, e são alguns dos filmes eróticos e de temática sadomasoquista que entraram para a história do cinema pela sua ousadia e qualidade. Mas não são os únicos. Com argumentos originais ou baseados em livros, com uma pitada de realidade ou fruto do génio criativo, mais e menos polémicos, eis dez filmes eróticos e de sadomasoquismo indispensáveis. Recomendado: Sete filmes mais românticos que os filmes românticos

‘Veterinário de Província’, um remake surpreendentemente competente

‘Veterinário de Província’, um remake surpreendentemente competente

★★★☆☆ Muita gente em Inglaterra (e não apenas lá) ficou de pé atrás quando se soube que ia ser feito um remake de Veterinário de Província (1978-1990), uma das séries mais populares e aclamadas de sempre da história da BBC. A história é baseada nos livros de memórias do cirurgião veterinário Alf Wight, escritos sob o pseudónimo de James Herriot, que exerceu clínica na região do Yorkshire entre as décadas de 30 e 50, e best-sellers crónicos, do primeiro, editado em 1970, ao último, saído em 1992. O amor e a preocupação com os animais, as dificuldades e alegrias da profissão nesses tempos, a variada e castiça componente humana e a genuinidade das histórias, dos ambientes e das gentes, sem falar nas magníficas interpretações de Christopher Timothy (na figura de Herriot), Robert Hardy (no seu colega e depois sócio de clínica Siegfried Farnon), Peter Davison (Tristan, o irmão mais novo deste e também ele veterinário), Carol Drinkwater (Helen, a mulher de James Herriot) e Mary Hignett (a Sra. Hall, governanta da casa), fizeram o imenso sucesso nacional e internacional de Veterinário de Província (ganhou, por exemplo, um Prémio Peabody nos EUA) e garantiram a sua intemporalidade. Sem conseguir ombrear com a série original, em boa parte porque os seus intérpretes, embora bons, não têm o grau de presença nem de carisma caloroso dos daquela (em especial do trio Timothy-Hardy-Davison), esta nova incarnação de Veterinário de Província (RTP Play), agora produzida pelo Channel Five, é surp

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O Rapaz e a Garça

O Rapaz e a Garça

3 out of 5 stars

Vencedor do Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação, O Rapaz e a Garça, de Hayao Miyazaki, regressa agora às salas. E não deverá ser a última longa-metragem de animação do realizador, como tinha sido anunciado. Este filme visualmente sumptuoso e cerradamente imaginativo, que começa no Japão em plena II Guerra Mundial e passa depois para um mundo paralelo mágico e onírico, está repleto de referências autobiográficas, bem como de reflexões e interrogações de Miyazaki sobre a sua arte e o acervo que deixa no cinema de animação. O herói é Mahito, um rapazinho filho de uma enfermeira e de um empresário que fabrica componentes para aviões de guerra, e que perde a mãe no bombardeamento do hospital onde esta trabalhava em Tóquio. Algum tempo depois, com o pai agora casado com a cunhada, que espera um bebé, Mahito vai viver com esta para uma grande casa de família no interior do país, e lá vê-se alvo das atenções de uma garça (que não é apenas um pássaro) que lhe diz que a mãe está viva. E que para a ver, o rapaz deve acompanhá-la a uma torre abandonada na qual desapareceu, muitos anos antes, o seu erudito tio-avô, que lá tinha a sua biblioteca. O Rapaz e a Garça é um filme tão opaco, falho de linearidade narrativa e desconcertante, como inventivo deslumbrante e mirabolante, e que apesar de alguns pontos de contacto, contrasta de forma radical com o anterior, e superior, As Asas do Vento. Mas se podemos pôr algumas reticências ao fundo de O Rapaz e a Garça, a forma, essa, é Miyazak

Vermin – A Praga

Vermin – A Praga

3 out of 5 stars

Foi em 1955 que Jack Arnold, o autor de clássicos do cinema fantástico e de ficção científica como O Monstro da Lagoa Negra e Os Sentenciados, realizou aquele que é um dos melhores filmes de terror com insectos de sempre, e o “pai” das fitas do subgénero envolvendo aracnídeos: Tarântula, a Aranha Gigante. Nele, uma tarântula que está a ser objecto de experiências com hormonas de crescimento num laboratório no deserto do Arizona, cresce até atingir um tamanho descomunal, foge e começa a matar o gado dos habitantes locais e a espalhar o medo na região, obrigando a uma intervenção militar. Desde aí, e com raras excepções, como é o caso de Aracnofobia, de Frank Marshall (1990), ou de Arac Attack – Tarados de Oito Patas, de Ellory Elkayem (2002), não houve mais spider horror movies dignos de relevo. A oferta ficou-se por títulos das séries B a Z, incluindo neles algumas curiosidades. É caso de O Reino das Tarântulas, de John “Bud” Cardos (1977), com um William Shatner pós-O Caminho das Estrelas e o “fordiano” Woody Strode; do divertido (como em: tão mau que é bom) Arachnid, de Jack Sholder (2001); ou também de Perigo Escondido, de Micah Gallo (2019), onde uma força sobrenatural que vive numa velha casa toma a forma de uma enorme aranha para aterrorizar os novos inquilinos. Todas estas fitas confiam no medo e na repugnância ancestrais que a humanidade tem em relação às aranhas (e aos insectos de toda a sorte em geral) para assentar e desenvolver os seus efeitos de terror, e agora é

A Última Evasão

A Última Evasão

4 out of 5 stars

“Old soldiers never die, they simply fade away”, diz a velha canção militar inglesa. Bernard Jordan (Michael Caine), o veterano marinheiro protagonista de A Última Evasão, de Oliver Parker, baseado numa história real, não quer desaparecer sem ir às comemorações, em França, do 70.º aniversário do Dia D (a história passou-se em 2014). Só que não conseguiu arranjar lugar na excursão oficial de veteranos britânicos, e vai ter que ficar a ver as cerimónias na televisão, no lar de idosos de Hove onde mora com a mulher, a vivaça, espirituosa e sarcástica Rene (Glenda Jackson, no seu último papel antes de morrer, e que com a sua interpretação faz com que o filme seja tanto sobre a sua personagem como a de Caine), com a qual está casado precisamente desde a II Guerra Mundial. Só que Bernard tem mesmo que ir à Normandia estar presente nas cerimónias do desembarque, porque de certeza não poderá ir às dos 80 anos, e ainda por outra razão, mais secreta, que o filme desvendará lá para a frente. Por isso, com toda a cumplicidade de Rene, o veterano marinheiro escapa-se do lar bem cedo na manhã do dia 6 de Junho e mete-se no ferry boat para o outro lado do Canal da Mancha. A bordo, Bernard conhece Arthur (John Standing), um ex-piloto da RAF que o convida para se integrar no seu grupo de ex-combatentes, e lhe oferece também alojamento no hotel onde se vão hospedar, vendo que ele vem sozinho e que não tem onde ficar. Além do quarto, Bernard e Arthur vão ainda partilhar histórias de guerra, bem

Priscilla

Priscilla

3 out of 5 stars

O novo filme de Sofia Coppola sobre Priscilla Presley, baseado no livro de memórias desta, Elvis and Me, pode ser visto como o reverso do Elvis de Baz Luhrmann. Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny, Melhor Actriz no Festival de Veneza), filha de um militar colocado na Alemanha na década de 50, tinha 14 anos e conheceu e começou a namorar com Elvis Presley quando este fazia ali a tropa, casando-se com ele em 1967. Divorciaram-se em 1973. Rodado sempre do ponto de vista dela, Priscilla foge a mostrar Elvis em palco ou a fazer filmes, preferindo detalhar a existência de luxo e conforto, mas também de solidão, tédio e frustração da retratada, que ficava em Graceland com os familiares do marido, que eram também seus empregados. Priscilla vivia como um pássaro numa enorme gaiola de ouro em que a porta não estava fechada, embora carregada de restrições. Sofia Coppola não nega que Elvis Presley (permanentemente rodeado de uma corte de amigos e sicofantas incapazes de lhe dizerem “não” ou de o contrariar) a amava e se preocupava com ela, mas tratava-a como uma boneca que cobria de presentes para a manter satisfeita, a sua Barbie de carne e osso, que queria também obediente e sem o incomodar. E filma-os como namorados, e depois numa vida conjugal e familiar crescentemente instável e insatisfatória para Priscilla, sem sensacionalismos dramáticos ou fogo de vista cinematográfico, nem vitimizações “feministas” fáceis. A recriação das décadas de 50, 60 e 70 através das modas e das roupas, dos

Milagre

Milagre

4 out of 5 stars

A julgar pelo cinema que vem de lá, a Roménia, tal como Portugal, é um daqueles países em que as pessoas nunca estão contentes com o que têm e passam o tempo a queixar-se de tudo e mais alguma coisa, da mais banal à mais abstracta. Milagre, de Bogdan George Apetri, não foge a esta regra. Um médico queixa-se de um taxista amigo não desligar o contador do carro e dar-lhe uma viagem de borla; o taxista queixa-se de já não poder fazer coisas dessas porque há regulamentos e pode ser multado e perder a licença; outro médico queixa-se que o mundo enlouqueceu; um polícia queixa-se a um inspector que a sua profissão o faz ver coisas cada vez mais horríveis e incompreensíveis, e que as pessoas parecem ter-se transformado em selvagens. No centro de Milagre, cuja história se divide em dois actos, está uma dessas acções de selvajaria aleatória. Cristina (Ioana Bugarin), noviça num convento, vai a uma consulta na cidade, no táxi do irmão de outra freira. Uma vez no hospital, percebemos que a consulta a que ela foi introduz um novo dado dramático na história. À volta, Cristina perde a hora que tinha combinado com o taxista amigo para se encontrarem e ele a reconduzir ao convento, e apanha um outro carro de praça. A meio do caminho, o taxista espanca-a e viola-a, numa sequência em que Apetri desvia a câmara, dá ao som a tarefa de sugerir a brutalidade e o horror do que está a acontecer, e fá-la descrever, lentamente, um círculo completo, até regressar ao local do crime a tempo de ver o viola

A Sala de Professores

A Sala de Professores

4 out of 5 stars

Concorrendo pela Alemanha ao Óscar de Melhor Filme Internacional, A Sala de Professores, de Ilker Çatak, segue Carla Nowak (excelente Leonie Benesch), uma jovem professora idealista que inicia a sua carreira docente como substituta numa escola secundária. Quando ali se dão uma série de roubos de que um dos seus alunos é o suspeito, e ela própria é roubada, Carla decide investigar e faz uma descoberta chocante, que vai lançar a escola no caos e comprometê-la perante colegas, alunos e pais, por fazer o que a consciência lhe dita e defender os seus discentes mesmo contra os seus próprios interesses. Servindo-se do roubo como mero pretexto para desencadear os acontecimentos e expôr o que lhe interessa, e adoptando a cadência em crescendo de um filme de acção, Çatak retrata a escola como um lugar de tensão constante, de fricção contínua e de combate permanente, envolvendo os alunos entre eles e com os professores, estes entre si, e os progenitores e os docentes. E sugere também que o excesso de abertura aos alunos e de “democracia” no funcionamento dos estabelecimentos de ensino como o do filme, na Alemanha, pode ter consequências muito graves, e que os jovens não devem ser tratados como adultos, dando-lhes demasiada voz, poder e autonomia para o exercer, em especial na escola. Como a própria Carla, tão conscienciosa como ingénua, descobre a certa altura de A Sala de Professores.

Quatro Filhas

Quatro Filhas

3 out of 5 stars

Em meados da década passada, os media deram bastante atenção à história de uma mulher tunisina chamada Olfa Hamrouni. Divorciada de um marido que não a tratava bem, Olfa viu duas das suas quatro filhas, as mais velhas, desaparecerem de casa e deixarem o país após terem sido radicalizadas, e juntarem-se às forças do Estado Islâmico (EI). Uma delas casou-se com um dirigente desta organização, depois morto em combate, e teve uma filha dele. As duas raparigas acabaram por ser presas pelos militares da Líbia que lutavam contra o EI e estão presas neste país, juntamente com a criança. Olfa e as outras duas filhas esperam que elas possam um dia ser extraditadas para a Tunísia. A cineasta tunisina Kaouther Ben-Hania queria rodar um documentário sobre Olfa Hamrouni e as suas filhas, mas furtando-se às convenções e rotinas do formato, bem como àquilo que considerava ser o “condicionamento” da mulher pelos jornalistas com quem tinha já contactado e a quem tinha dado entrevistas. O seu filme Quatro Filhas é, por isso, um arriscado híbrido de realidade, ficção e reconstituição dramatizada, em que Olfa participa, assim como uma actriz que a interpreta. As suas duas filhas mais novas também aparecem, e as duas mais velhas que estão presas na Líbia são também, pelo seu lado, personificadas por duas actrizes muito parecidas com elas. Temos assim que além do elemento documental propriamente dito, Quatro Filhas (candidato ao Óscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem) mostra também as três

Os Excluídos

Os Excluídos

4 out of 5 stars

Em 1970, num exclusivo colégio privado da Nova Inglaterra, um professor rabugento, sarcástico, exigente e de quem ninguém gosta, nem alunos nem colegas, tem que ficar no período do Natal e do Ano Novo na escola, a tomar conta de um aluno inteligente mas rebelde e amargo que os pais não levaram nas férias, juntamente com a cozinheira-chefe, que perdeu há pouco o filho, um antigo aluno, no Vietname. Escrita por David Hemingson e realizada por Alexander Payne, Os Excluídos é uma comédia dramática sobre três solitários que representam outras tantas formas pessoais de infelicidade, e que vão ter que achar a maneira de se relacionarem nos dias penosos que têm que passar juntos num enorme edifício vazio e em plena época de alegria festiva e convívio familiar. Payne recria a época com discreta exactidão (a certa altura, aluno e professor vão ao cinema ver O Pequeno Grande Homem, de Arthur Penn, e toda a gente está a fumar no cinema; e numa sequência passada num restaurante, a empregada recusa servir ao rapaz uma sobremesa que inclui uma bebida alcoólica, porque ele é menor), não força qualquer nota sentimental ou efeito narrativo e consegue um filme pleno de observação e calor humano, humor seco e irónico, e drama tocante sem sombra de pieguice. O sempre notável Paul Giamatti, no professor Paul Hunham; Dominic Sessa, no jovem Angus Tully; e Da’Vine Joy Randolph, na cozinheira Mary Lamb, trazem graça, emoção e uma imediata e profunda verdade humana às suas respectivas personagens, cad

Vidas Passadas

Vidas Passadas

3 out of 5 stars

Vidas Passadas é a primeira longa-metragem da sul-coreana Celine Song, que também o escreveu. É um filme tão composto, tão recatado, tão bem arrumado e tão certinho, até mesmo nos saltos temporais que a história dá, que há alturas em que sentimos vontade de lhe dar um abanão, e aos protagonistas, para que haja um sobressalto narrativo, dramático, emocional, e as coisas não corram como tudo indica que vão acontecer (e acontecem mesmo), e haja pelo menos uma surpresa. Mas essa não parece ser a índole da realizadora, nem é a sua intenção aqui, e há assim que lhe dar a devida consideração. (A fita está nomeada aos Óscares de Melhor Filme e Argumento.) Vidas Passadas é um filme sobre sentimentos fortes de infância não recuperados, amores passados perdidos para sempre, vidas que podiam ter sido mas não foram; sobre se o destino existe e estamos submetidos a ele, ou se somos nós que o controlamos e fazemos; e também sobre o que fica em nós dos países que deixamos por outros, e o que estes nos dão e como modificam a nossa identidade, e o nosso modo de ser e de olhar para as nossas vidas. A história começa nos EUA, num bar de Nova Iorque, nos nossos dias, para depois recuar 24 anos para Seul, na Coreia do Sul. Na-young e Hae-sung têm ambos 12 anos, andam na mesma escola, competem pela obtenção das melhores notas, são grandes amigos e até têm um fraquinho um pelo outro. Quando os pais da rapariga decidem emigrar para o Canadá, o rapaz, que mais do que a sua colega e amiga tem o sentime

Anatomia de uma Queda

Anatomia de uma Queda

4 out of 5 stars

Palma de Ouro do Festival de Cannes, Anatomia de uma Queda põe em cena um casal de escritores, Sandra, alemã, que publica com sucesso, e Samuel, francês, também professor universitário, que sofre de um frustrante bloqueio criativo, e o seu filho de 11 anos, Daniel, que tem graves problemas de visão após ter sido atropelado por uma moto e precisa de um cão-guia. A família vive num chalé na montanha, perto de Grenoble, e um dia, Samuel é encontrado morto pelo filho, aparentemente após ter caído de uma janela abaixo ou então cometido suicídio. Mas a polícia põe a possibilidade de ter havido homicídio, e Sandra é a principal suspeita, acabando por ser formalmente acusada e levada a julgamento. Anatomia de uma Queda tem a estrutura, os tiques e as características narrativas de um policial jurídico clássico, embora Justine Triet se demore mais do que é habitual a descrever e desvendar, com paciência e minúcia, o background humano, doméstico, emocional e psicológico do caso, esmiuçando a tensão e a crescente degradação das relações entre marido e mulher e o seu impacto no filho, alternando constantemente de ponto de vista e mantendo-nos na dúvida sobre o que realmente aconteceu quase mesmo até ao fim (e talvez mesmo após o fim). Sandra Hüller, para a qual Triet e o seu parceiro de argumento Samuel Harari, escreveram expressamente o filme, é óptima, ainda mais porque tem que alternar entre duas línguas na sua interpretação, uma das quais a personagem não domina bem, mas não esqueçamo

Pobres Criaturas

Pobres Criaturas

1 out of 5 stars

A nova bizarrice do grego Yorgos Lanthimos, autor de Dentes e A Lagosta, é esta fantasia neo-frankensteiniana, cyberpunk e a armar ao pingarelho de feminista, passada num mundo vitoriano alternativo. Emma Stone é Bella Baxter, uma jovem grávida salva do suicídio por afogamento por um cirurgião desfigurado, Godwin Baxter (Willem Dafoe), que lhe troca o cérebro pelo do seu bebé não-nascido e a transforma numa criança mimada e colérica, mas de vasto apetite sexual, e cujo rápido desenvolvimento o seu salvador e guardião segue cuidadosamente. Um dia, Bella quer ir conhecer o mundo do qual Godwin a quer resguardar, e acaba, depois de esgotar sexual e financeiramente o seu amante (Mark Ruffalo), a prostituir-se num bordel de Paris. É difícil dizer o que é mais lamentável em Pobres Criaturas: se o infantilismo pseudo-“transgressor”, raso e cansativo da história, se os maneirismos visuais da realização, se os tratos de polé a que Lanthimos submete a pobre Emma Stone, muito convencida que está a interpretar um papel de grande substância dramática e “significado” profundo. A fita está nomeada para 11 Óscares, e é caso para dizer que os Óscares já não são o que eram.

O Plano de Reforma

O Plano de Reforma

2 out of 5 stars

Só no ano passado, Nicolas Cage entrou em seis filmes. Ainda vamos apenas em Janeiro do corrente ano, e o actor já tem quatro filmes acrescentados ao currículo, completados, e em pré ou pós-produção. Cage é, neste momento, o actor que filma mais rápido do que a sua sombra, acumulando título atrás de título desde que ficou financeiramente arrombado por ter confiado o seu dinheiro ao fraudulento investidor Bernie Madoff. A maior parte destas fitas é ou péssima ou descartável. De vez em quando, calha uma ser boa (caso de Renfield e, dizem, de O Homem dos Teus Sonhos, ainda não estreada em Portugal). E depois, há as assim-assim. É o caso de O Plano de Reforma, escrito e realizado por Tim Brown. Cage interpreta Matt Greene, pai de Ashley, que não vê há muitos anos e cuja neta Sarah não conhece. Ashley é casada com um malfeitorzeco, Jimmy, que rouba ao seu patrão, Donnie, uma pen cheia de material sensível. Antes de ser capturada pelos homens daquele, Ashley consegue meter a filha num avião para as Ilhas Caimão, onde o pai vive à beira de uma praia, e enfiar-lhe a pen na mochila. Lá chegada, Sarah conhece o avô e diz-lhe suspeitar que o pai e a mãe estão metidos num sarilho muito grave. Ashley chega então às Caimão, acompanhada por três homens de Donnie, entre os quais Bobo, o seu lugar-tenente, e depois de uma confusão em que Matt (que não é um velho bêbado, mas sim um antigo agente das operações especiais da CIA) mata dois daqueles, Sarah fica refém de Bobo. O elenco de O Plano d

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O Pátio das Antigas: Quando os Correios tinham ambulâncias

O Pátio das Antigas: Quando os Correios tinham ambulâncias

Nada de confusões: as ambulâncias dos CTT não levavam carteiros nem outros empregados dos Correios feridos ou doentes. Este era o nome que se dava, primeiro às carruagens de processamento e recolha de correspondência que faziam parte dos comboios em Portugal desde 1866; e depois, bastantes décadas mais tarde, às carrinhas (também chamadas auto-ambulâncias postais) que começaram a circular pelo país, permanentemente a partir de 1952. Nos caminhos-de-ferro, as carruagens-correio (ou carruagens ambulâncias postais) permitiam a execução do serviço postal durante o trajecto, transportando uma equipa que podia ser até de sete funcionários dos CTT, e que recolhiam, manuseavam e processavam a correspondência. Os correios chegaram a ter cerca de 30 destas carruagens, cada vez mais modernas, práticas e confortáveis para os que nela viajavam a trabalhar, de dia e de noite. O serviço de auto-ambulâncias postais surgiu em 1951, com bases em Lisboa e no Porto, para servir em especial (mas não só) zonas do interior do país em que não havia estações do correio, ou que o comboio ainda não atingia. Eram verdadeiras estações do correio sobre rodas, nas quais, além de entregar e receber correspondência, as pessoas podiam telefonar e enviar telegramas e aerogramas. Na foto desta página, podem ver-se algumas destas auto-ambulâncias junto aos Correios do Terreiro do Paço, na década de 50. Como se lia num dos folhetos então lançados pelos CTT para informação dos utentes, elas representavam “O Correi

O Pátio das Antigas: Quando os padeiros levavam o pão a casa

O Pátio das Antigas: Quando os padeiros levavam o pão a casa

Já há bastantes anos que os padeiros que vinham entregar o pão a casa das pessoas em Lisboa passaram para o rol das profissões desaparecidas. Durante muitas décadas, os padeiros, tal como as leiteiras, eram as primeiras pessoas que muitos alfacinhas viam de manhã, quando os atendiam à porta para poderem ter o leite e o pão fresco para o pequeno-almoço, antes de saírem para o trabalho ou para a escola.  A capital era, nessa altura, nas palavras do jornalista e ilustre olisipógrafo Norberto de Araújo, “como uma aldeia grande, uma aldeia de bairros”. E cada bairro tinha uma padaria ou mais, que abasteciam os moradores. Estes ou iam lá comunicar a quantidade de pão de que precisavam para a semana, ou então deixavam um bilhetinho com a mesma escrita, no saco do pão que era pendurado à porta de casa: tantas carcaças, ou papos-secos, às vezes um pão de forma, tudo estaladiço ou mesmo ainda quentinho, se se morasse perto da padaria. Os padeiros circulavam quase sempre a pé, embora alguns preferissem a bicicleta, levando ao ombro com desenvoltura os seus grandes sacos de verga cobertos por um pano branco, para que o pão não ficasse com pó ou fosse tocado pelo sol e pela chuva. Outro adereço indispensável do padeiro era o saco a tiracolo (ver a fotografia nesta página), com o dinheiro para os trocos do cliente que pagava ao dia, ou regularizava a conta da semana à sexta-feira ou ao sábado (ao domingo não havia distribuição, era dia de torradas). Com a multiplicação dos supermercados, a

O Pátio das Antigas: O Viaduto de Duarte Pacheco em estaleiro

O Pátio das Antigas: O Viaduto de Duarte Pacheco em estaleiro

“No dia 19 de Fevereiro de 1939, foi adjudicada a uma firma de empreitadas de obras públicas a construção do viaduto que está sendo lançado sobre o Vale de Alcântara, entre os Sete Moinhos e a fronteira encosta de Monsanto e que servirá para lançar a entrada de acesso à auto-estrada Lisboa-Cascais. A obra foi adjudicada por 9796 contos (…).” Assim foi então anunciada na imprensa a construção do Viaduto de Duarte Pacheco, um projecto do engenheiro João Alberto Barbosa Carmona, baptizado com o nome do dinâmico ministro das Obras Públicas e Comunicações do Estado Novo, que morreria a 16 de Novembro de 1943, num acidente de viação. A obra, mostrada ainda em estaleiro na fotografia desta página, acabou por custar 16.691 contos e foi inaugurada a 28 de Maio de 1944, já após o desaparecimento do engenheiro Duarte Pacheco. Inaugurou-se ao mesmo tempo a auto-estrada Lisboa-Estádio Nacional, futura Lisboa-Cascais, com dois quilómetros de extensão. O Viaduto de Duarte Pacheco mobilizou 4100 operários e era, à altura, um dos maiores da Europa, com 471 metros de comprimento, 24 de largura e 27 de altura. Tinha duas faixas de rodagem, de sete metros e meio de largura cada uma, separadas por uma faixa arrelvada de três metros, e ainda dois passeios laterais, também de três metros cada. Em 1965, foram feitas algumas alterações à estrutura, entre elas a eliminação do separador central. Coisas e loisas de outras eras + O Salão de Outono da revista ‘Voga’ + Modelos, “soirées” e chás dançantes n

O Pátio das Antigas: O Salão de Outono da revista ‘Voga’

O Pátio das Antigas: O Salão de Outono da revista ‘Voga’

A Voga foi uma revista feminina portuguesa moldada à imagem da célebre Vogue americana, lançada em Outubro de 1927 pela Aillaud & Bertrand. Subintitulada Semanário Ilustrado da Mulher Portuguesa, a Voga organizou, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, em Novembro de 1928, o I Salão de Outono da Elegância Feminina & Artes Decorativas, prometendo “20 dias de festas permanentes”, com muito “luxo e elegância e em que os artigos da especialidade são expostos pelas casas mais categorizadas de Portugal, Espanha e França”. Esta iniciativa tomou, na verdade, a forma de um grande salão industrial e comercial que não se dirigia apenas a um público essencialmente feminino, já que entre as dezenas de expositores, e para além das marcas ligadas aos sectores da moda, da beleza e da cosmética, da culinária, dos electrodomésticos, da decoração ou dos artigos para o lar, havia muitos outros de âmbito geral. Foi o caso da estatal Companhia dos Telefones (que aproveitou para apresentar os mais recentes modelos de aparelhos), de fabricantes de automóveis como a Lancia, a Mercedes-Benz, a Citroën ou a Willis Knight, das Companhias Reunidas do Gás e da Electricidade (que instalaram uma moderna “cozinha eléctrica ideal”, em que um especialista estrangeiro em culinária fazia demonstrações para o público), ou da Companhia Industrial Portuguesa, especializada em vidros artísticos. Para além de actuações de vários artistas e da presença de uma orquestra-jazz a tocar em permanência no Salão de

O Pátio das Antigas: Modelos, “soirées” e chás dançantes no Arcádia

O Pátio das Antigas: Modelos, “soirées” e chás dançantes no Arcádia

O Palácio Povolide, na Rua das Portas de Santo Antão, onde se encontra o Ateneu Comercial de Lisboa, teve lá instalado, entre as décadas de 30 e 50, um dos bares mais famosos, versáteis e luxuosos de Lisboa: o Arcádia. Inaugurado faz agora 92 anos, em Fevereiro de 1932, quando a rua se chamava ainda de Eugénio dos Santos, o Arcádia abriu não como uma festa mundana mas sim com um chá dançante, cujas receitas reverteram para o combate à tuberculose, através da Assistência Nacional aos Tuberculosos. Até fechar as portas, 20 anos mais tarde, em Dezembro de 1952, o Arcádia serviu com excelência a sua vocação original de bar, restaurante e dancing. Mas distinguiu-se também por organizar os chás dançantes de fim de tarde mais falados e concorridos da capital, e por receber iniciativas então ainda bastante raras, como passagens de modelos (ver a foto desta página) ou o lançamento de revistas. O estabelecimento promovia também as suas muito faladas soirées semanais elegantes, em que se tinha de trajar a rigor e havia surpresas, como sorteios e prémios para o melhor casal na pista de dança.  Numa altura em que era normal as casas de espectáculos, de diversões nocturnas e mesmo os restaurantes terem orquestra própria, o Arcádia chegou a ter duas, uma para os chás dançantes e as referidas soirées, e outra para o período nocturno. Em 1943, a casa foi totalmente remodelada, reabrindo ainda mais luxuosa. Dois anos depois de o Arcádia ter encerrado, pouco antes do Natal de 1954, o seu espaço

Vida, música e morte de Bob Marley

Vida, música e morte de Bob Marley

No dia 3 de Dezembro de 1976, Bob Marley, a sua mulher Rita e o seu empresário Don Taylor foram vítimas de um ataque em sua casa em Kingston, na Jamaica, por homens armados. Rita Marley e Don Taylor ficaram feridos com alguma gravidade, ao contrário do músico. Marley ia tocar, dentro de dois dias, num concerto promovido por Michael Manley, o primeiro-ministro jamaicano, para tentar acalmar os problemas e a violência entre dois partidos políticos rivais. Nunca se conseguiram saber bem quais as razões do ataque, mas terá sido por motivos políticos e não para roubar, já que o ícone da música reggae supostamente apoiava Manley e os opositores deste não gostavam disso. Mesmo assim, o concerto foi para a frente com Bob Marley em palco. Este acto de violência está no centro de Bob Marley: One Love, o filme biográfico de Reinaldo Marcus Green (Top Boy, King Richard: Além do Jogo) que se estreia em Portugal esta quinta-feira, 14 de Fevereiro. Além de contar a história da vida de Bob Marley, a sua ascensão à fama, e de destacar a projecção internacional que ele deu ao reggae, o filme recria também a sua participação no concerto One Love Peace Concert, realizado em Kingston, em 1978, e que, tal como o de 1976, visava reconciliar os dois maiores partidos políticos jamaicanos, o Partido Trabalhista e o Partido Nacional do Povo. Bob Marley: One Love foi feito com o consentimento e a colaboração plena da família Marley, tendo a sua mulher Rita e os filhos Ziggy e Cedella tido funções de pro

O Pátio das Antigas: A Bijou chique da Avenida da Liberdade

O Pátio das Antigas: A Bijou chique da Avenida da Liberdade

Nas primeiras décadas do século XX, um dos lugares mais chiques para se lanchar em Lisboa era a Pastelaria Bijou, situada na esquina da Avenida da Liberdade com a ruazinha ascendente que vai dar à Praça da Alegria, e a que alguns então chamavam “A rampa da Bijou”. A Bijou, também referida como “Pâtisserie Bijou des Avenues”, ou ainda “Bijou des Gourmets”) era um dos estabelecimentos da sua especialidade mais bem considerados de Lisboa, com os seus empregados fardados a rigor, calças escuras, jaqueta branca e gravata, e uma pequena esplanada que funcionava na Primavera e no Verão, e onde se serviam gelados “à italiana” muito elogiados à altura. A Bijou abriu as portas perto do Natal de 1889, tendo como dono António José Alves. Num anúncio publicado na imprensa lisboeta, lia-se que tinha “variado sortimento de pastéis feitos à franceza, para o que contratou um bom artista francez”, e que se tratava de um estabelecimento “montado de fórma a competir com as melhores casas d’este género”. Outra publicidade frisava a qualidade dos “lunches” e dos “serviços de ‘soirées’”. Em 1907, devido a problemas com o senhorio, causados, ao que parece, por obras feitas sem a autorização deste, a Bijou teve que fechar e que se mudar para um prédio no outro lado da Avenida de Liberdade, reabrindo um ano depois com instalações igualmente requintadas. A Pastelaria Bijou ainda festejou o seu centenário, para fechar já no nosso século. Coisas e loisas de outras eras + O complexo Concha à beira-mar + O

‘Duna: Parte Dois’. O regresso a Arrakis será “um épico de guerra”

‘Duna: Parte Dois’. O regresso a Arrakis será “um épico de guerra”

Apesar de muitas contrariedades de produção, bem como outras subsequentes à estreia, David Lynch conseguiu condensar o alegadamente “infilmável” Duna de Frank Herbert num só filme, em 1984. Denis Villeneuve, pelo contrário, sempre quis que a sua versão cinematográfica daquele clássico da literatura de ficção científica fosse dividida em duas fitas, devido à sua complexidade e à abundância em pormenores importantes. Para Villeneuve, uma só não faria, de modo algum, a devida justiça ao livro de Herbert, ao mundo do futuro em que decorre e às suas peculiares características, da estruturação política aos ambientes planetários em que a história se passa. No entanto, a Warner Bros., distribuidora de Duna, pôs como condição para a produção do segundo filme que o primeiro fizesse uma boa bilheteira, mas também que tivesse bons números quando fosse exibido na HBO Max, em estreia simultânea com os cinemas. Perante os bons resultados quer da exibição cinematográfica, quer daquela plataforma de streaming, a Warner deu autorização para que Duna: Parte Dois entrasse em pré-produção. Denis Villeneuve conseguiu também que, ao contrário do que tinha acontecido com a primeira fita, esta se estreasse primeiro em sala e só algum tempo depois (um mês e meio foi o prazo acordado) começasse a ser rentabilizada noutros meios, nomeadamente em streaming. DR A rodagem de Duna: Parte Dois começou em Itália, no Verão de 2022, e terminou nos últimos dias desse ano, em Abu Dhabi. No enredo, Paul Atreides

O Pátio das Antigas: O complexo Concha à beira-mar

O Pátio das Antigas: O complexo Concha à beira-mar

Uma piscina para crianças e outra para adultos, ambas oceânicas; um restaurante e bar com dancing, salão de chá e esplanadas, com vista para o mar; campos de ténis. Parece a descrição de um conjunto balnear e de lazer dos nossos tempos, mas este foi inaugurado no Verão de 1956 na Praia das Maçãs, em Sintra, e era bem arrojado para a altura. Chamou-se Concha, teve projecto a cargo dos arquitectos Faria da Costa (que, quatro anos antes, tinha ganho o Prémio Valmor), e Raúl Francisco Tojal (que projectou o Hotel-Estoril Sol), e foi uma iniciativa de Eusébio Delisle, um empreendedor de grande visão, que se inspirou em conjuntos semelhantes vistos em praias de outros países europeus. Os habitantes da zona, bem como muitos lisboetas, fizeram do Concha ponto de encontro e de convívio, centrado nas piscinas e no restaurante-bar, amplo, cheio de luz e com uma longa varanda onde se podia também comer. O Restaurante Concha incluía ainda uma zona de snack-bar e ficava aberto após as piscinas fecharem, servindo ceias já de madrugada. Tinha uma banda própria, o Conjunto Eugénio Pepe, acolhendo também outros grupos musicais, cantores e cantoras, actuações de bailado e sessões de fado. Após o 25 de Abril, o restaurante foi uma boîte e depois uma discoteca, e o complexo Concha sofreu várias modificações. Hoje estão lá apartamentos turísticos, mantendo-se as duas piscinas. Coisas e loisas de outras eras + O luxuoso (e escandaloso) Restaurant Club + Quando Cottinelli Telmo trabalhou para a Fiat

O Pátio das Antigas: Perus nas ruas

O Pátio das Antigas: Perus nas ruas

A tradição de vender perus nas ruas de Lisboa na época do Natal durou pelo menos até às primeiras décadas do século XX. No início de Dezembro, começavam a aparecer os saloios a tanger bandos de perus pela zona da Baixa, do Camões até ao Rossio e aos Restauradores, apregoando bem alto os méritos das aves. A foto desta página foi tirada na primeira década do século passado, no Largo Trindade Coelho, outra das zonas onde se concentravam os mercadores de perus, brandindo as suas longas canas. Por vezes, um animal era esmagado por uma carroça, um automóvel ou um transporte público, entre gritaria e gargalhadas. Um dos pregões mais comuns era: “Peru saloio! É sa-loooooio!”. Conta quem ainda assistiu a estas cenas que entre os gritos dos vendedores e a chinfrineira feita pelas aves, era por vezes difícil entabular conversa e regatear o preço. Segundo os conhecedores, os perus mais tenros e suculentos eram os mais teimosos e renitentes. À força de terem levado com a cana, tinham ficado com a carne mais mole e mais gostosa. Eram esses que deviam ser comprados, levados para casa e depois embebedados com bagaço, degolados, limpos e cuidadosamente cozinhados, garantindo um magnífico jantar natalício. Os regulamentos municipais de higiene pública e o comércio de porta aberta acabaram com esta tradição natalícia. Coisas e loisas da Lisboa de outras eras + O dia dos brinquedos de Natal + O café do grande letreiro + Os Olivais em construção

O Pátio das Antigas: O luxuoso (e escandaloso) Restaurant Club

O Pátio das Antigas: O luxuoso (e escandaloso) Restaurant Club

No tempo em que os restaurantes em Lisboa ainda se confundiam com as casas de pasto, o Restaurant Club, inaugurado em Dezembro de 1874 no Chiado (então o centro da vida social, comercial, cultural e boémia de Lisboa) pelo chef José António da Silva, foi um dos primeiros verdadeiros restaurantes de luxo da capital. Chamavam-lhe também o “Restaurant Silva”, e para os habitués e os amigos e íntimos do proprietário, era apenas “O Silva”. Sabemos pela imprensa da época que a inauguração constituiu um grande sucesso, e que da ementa constavam pratos como a Potage Perles de Nizan, os Filets de Veau à Milanaise ou a Charlotte Russe. Isto porque na época (e não apenas em Portugal), o costume nos restaurantes mais selectos era apresentar o menu em francês. Frequentado pelas melhores famílias da capital, por aristocratas, empresários, artistas, escritores (caso de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão), jornalistas e boémios em geral, o Restaurant Club apresentava ainda a particularidade de ter requintados gabinetes privados, nos quais, e por exemplo, se fazia o célebre “sorteio da cocotte”, em que os comensais mais endinheirados sorteavam entre si a prostituta de luxo mais bonita e cobiçada de Lisboa. Nesses mesmos gabinetes com perfume de escândalo para os mais facilmente chocados, foi também criado e escrito um semanário humorístico muito popular na altura, a Gazeta do Chiado.  O chef José António da Silva morreu em 1892 e o Restaurant Club esteve fechado a seguir durante algum tempo, rea

O Pátio das Antigas: Quando Cottinelli Telmo trabalhou para a Fiat

O Pátio das Antigas: Quando Cottinelli Telmo trabalhou para a Fiat

Foi em 1928, poucos anos antes de realizar A Canção de Lisboa, que Cottinelli Telmo concebeu a sede da Fiat em Lisboa, que levaria o nome de Motor Palace Fiat, situada na Avenida da Liberdade e inaugurada no dia 20 de Julho de 1929 pelo Presidente da República, o general Óscar Carmona. O arquitecto, cineasta, escritor, pintor e autor de banda desenhada projectou um edifício funcional, amplo e de janelas bem rasgadas para deixar entrar a luz, e para que os transeuntes vissem bem os carros em exposição. O efeito do Motor Palace Fiat iluminado de noite era também particularmente impressionante. Escreveu-se na altura da inauguração, no vespertino Diário de Lisboa, citado pelo blogue Restos de Colecção: “O Palácio, que é uma esplêndida representação da indústria italiana de automóveis, oferece, às 16 horas, um belo aspecto”. E continua no mesmo tom, destacando a troca de brindes, com champanhe, entre o general Carmona e o ministro de Itália que marcou presença no acontecimento. O jornal não refere o trabalho de Cottinelli Telmo, nem se este esteve também presente na cerimónia de abertura do Motor Palace Fiat, mencionando apenas que ali acorreram “centenas de pessoas de distinção, nos nossos meios industriais e automobilísticos”. Cottinelli morreria prematuramente, em 1948, com apenas 50 anos, num acidente de pesca desportiva em Cascais. Não assistiria à demolição do edifício do Motor Palace Fiat, em 1955. No seu lugar, seria ali construída a sede da Shell. Coisas e loisas de outra