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Eurico de Barros

Eurico de Barros

Articles (510)

Os pecados de ‘O Crime do Padre Amaro’

Os pecados de ‘O Crime do Padre Amaro’

★★☆☆☆ Em 2002, tivemos uma adaptação mexicana ao cinema de O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, atrevidota em termos de sexo. Seguiu-se-lhe, em 2006, outra versão, esta portuguesa, para cinema e televisão, que trazia a história para o nosso tempo, e para um bairro “problemático” de Lisboa, e carregava bastante na tecla erótica. E quando parecia que o único livro de Eça que não envelheceu lá muito bem (sobretudo pelo “realismo de traço grosso”, como notou Machado de Assis à altura da publicação) tinha sido deixado em paz, eis que surge mais uma adaptação de O Crime do Padre Amaro (RTP1. Qua 22.30/RTP Play), para a qual só vemos duas razões. Uma, é o gozo fácil de zupar forte e feio na Igreja; e a outra é o sexo, que até é metido onde não existe no livro (o padre que Amaro vem substituir morre de uma apoplexia após uma ceia de peixe, e não a copular com uma prostituta, como na série). Anticlericalismo crónico e abuso de carnalidade à parte, este novo Crime do Padre Amaro é uma coisa condensada, mastigada e modorrenta, com escassa vivacidade dramática e ainda menos tensão erótica, um Amaro assim para o panão e uma Amélia pãozinho sem sal. O Primo Basílio e A Cidade e as Serras, entretanto, ainda continuam à espera de quem os transforme numa série de televisão catita.

Os filmes em cartaz esta semana, de ‘Batem à Porta’ a ‘Os Espíritos de Inisherin’

Os filmes em cartaz esta semana, de ‘Batem à Porta’ a ‘Os Espíritos de Inisherin’

Tanto cinema, tão pouco tempo. Há filmes em cartaz para todos os gostos e feitios. Das estreias em cinema aos títulos que, semana após semana, continuam a fazer carreira nas salas. O que encontra abaixo é uma selecção dos filmes que pode ver no escurinho do cinema, que isto não dá para tudo (não sobra tempo nem dinheiro). Há que fazer escolhas e assumi-las (coisa que fazemos, com mais profundidade, na nossa página de críticas). Nas semanas em que há estreias importantes de longas-metragens no streaming, também é aqui que as encontra. Bons filmes. Recomendado: As estreias de cinema a não perder nos próximos meses

‘Funny Woman’, ‘The Consultant’ e mais 12 séries a não perder em Fevereiro

‘Funny Woman’, ‘The Consultant’ e mais 12 séries a não perder em Fevereiro

Christoph Waltz, David Tennant e Billy Crudup. É este trio que vamos poder ver na televisão este mês. Cada um na sua série: The Consultant, Litvinenko e Olá, Amanhã!. E cada um no seu serviço de streaming: Amazon Prime Video, Disney+ e Apple TV+, respectivamente. Para todos os efeitos, é um bingo. Para a Netflix fica o regresso de Tu e para a HBO Max uma série documental sobre a produção da primeira temporada de House of The Dragon. Há ainda regressos muito aguardados como os de Operação Maré Negra e Carnival Row. Mas há mais. Estas são as 14 séries que queremos ver em Fevereiro. Recomendado: As séries do momento que estão a colar-nos à televisão

As séries novas da Netflix de que anda à procura

As séries novas da Netflix de que anda à procura

A Netflix é a terra da abundância no que toca ao streaming. Todas as semanas se estreiam mais e mais séries e filmes. É difícil, senão impossível, acompanhar o ritmo. Como escolher o que ver a seguir quando há tantas e tão variadas opções? Aqui concentramos a nossa atenção nas séries disponíveis na Netflix. E nem sequer é em todas séries: aqui olhamos para as novidades. Nada de novas temporadas, reposições, fundo de catálogo, nada disso. Esta é a lista das séries novas da Netflix que valem a pena ver. Recomendado: As 20 melhores séries para ver na Amazon Prime Video

Sete filmes sobre o Dia dos Namorados

Sete filmes sobre o Dia dos Namorados

Nem só de comédias românticas se fazem as fitas dedicadas à data, porque há também dramas indie e até animações com Charlie Brown e Snoopy. Nestes sete filmes sobre o Dia dos Namorados, encontra ainda nomes como Julia Roberts, Bradley Cooper, Anthony Michael Hall, Shirley McLaine, Nia Vardalos ou Ann Hathaway. Prepare-se para uma sessão de cinema no escurinho do quarto ou da sala de estar e para rir, chorar ou comover-se na companhia do seu namorado ou da sua namorada. Para o mood perfeito, o melhor é arranjar umas mantas, umas velas cheirosas e um bom vinho. Recomendado: Bares românticos em Lisboa para impressionar num encontro

As estreias de cinema para ver em Fevereiro, de ‘Tár’ a ‘Império da Luz’

As estreias de cinema para ver em Fevereiro, de ‘Tár’ a ‘Império da Luz’

Com os Óscares no horizonte, o que nos leva às salas é mais do que cinefilia. É FOMO. Queremos ver tudo o que está nomeado para concordar serenamente com a Academia norte-americana de Artes e Ciências Cinematográficas, ou discordar violentamente. Os americanos sabem lá! É tudo político! Etc. (Até sabem, mas nessa versão do mundo as conversas de café são menos vivas e interessantes.) As estreias de cinema para ver em Fevereiro incluem dois dos filmes com mais indicações às estatuetas douradas – Os Espíritos de Inisherin e Tár –, mas não se esgotam aí. Há super-heróis, M. Night Shyamalan, Sam Mendes e Mario Martone. Recomendado: As estreias de cinema a não perder nos próximos meses

‘Not for Resale’, um portal para o mundo dos vídeo-coleccionadores

‘Not for Resale’, um portal para o mundo dos vídeo-coleccionadores

As pessoas são capazes de coleccionar tudo. E o documentário Not for Resale, de Kevin J. James (TVCine Edition), é dedicado aos coleccionadores de jogos de vídeo clássicos. Quando o digital ainda não reinava também neste meio, quando os grandes sucessos se chamavam Pac-Man, Super Mario Bros. ou Kung Fu Master, e quando E.T. the Extraterrestrial, um dos primeiros jogos tirado de um filme, podia ser uma decepção global. James entra no mundo de nicho (mas um nicho considerável) das lojas independentes especializadas e dos youtubers apaixonados, dos coleccionadores metódicos e enciclopédicos (que por vezes acumulam com as duas actividades anteriores), e das convenções; fala com gente de várias gerações e ouve as suas opiniões, motivações, histórias, queixas e recordações, e visita o fascinante Museu Nacional de Jogos de Vídeo, em Frisco, no Texas (também os há na Europa), mostrando que não é só o gosto da acumulação selectiva, a satisfação lúdica dada por este tipo de entretenimento na sua vertente clássica, ou a mera nostalgia, que os impele. É também o prazer de possuir, manejar e preservar o objecto físico em si. Tudo isso faz Not for Resale transcender o seu cantinho específico e conseguir interessar – e emocionar – qualquer coleccionador, que se sentirá entre os seus.

‘Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo’ e outras razões para ligar a TV esta semana

‘Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo’ e outras razões para ligar a TV esta semana

É certo e sabido que somos adeptos de passeios pela cidade, idas ao cinema e ao teatro, concertos, jantares fora e uns bons copos. Mas às vezes também sabe bem ficar a vegetar, agrafado ao ecrã, no conforto do lar. Para que não desperdice estes valiosos momentos de zapping, damos-lhe as melhores razões para ligar a televisão esta semana. Porque há programas que ainda vale a pena ver em directo e estreias, nos canais tradicionais e nos serviços de streaming, que não vai querer perder. Recomendado: Os filmes originais Netflix que tem de ver

A baixa finança de Bernie Madoff

A baixa finança de Bernie Madoff

★★★★☆ A grande crise financeira de 2008 faz 15 anos e a série documental Madoff: The Monster of Wall Street (Netflix) cai como sopa no mel, porque foi graças a ela que Bernie Madoff foi preso e se descobriu o colossal e multinacional esquema de Ponzi que montou: não tinha liquidez para pagar a todos os que correram a levantar o seu dinheiro. É uma história de ganância, credulidade, poder e negligência. Em quatro episódios, o realizador Joe Berlinger conta a ascensão, o esplendor e a queda de Madoff com a estaleca de um filme policial, vasculhando toda a sua vida e os negócios. Madoff: The Monster of Wall Street mostra que já desde que era jovem e se lançou no mundo da finança, nos anos 60, que ele era tu cá, tu lá com a ilegalidade; como pessoas de todas as origens sociais lhe confiaram grandes fortunas ou todas as suas economias, sem desconfiarem de nada; ou a abismal negligência das autoridades e do regulador, que apesar dos avisos de dois jornalistas e da tenacidade de um solitário analista financeiro, que detectou a fraude e a denunciou continuamente, pouco ou nada fizeram para o investigar. E entre o crime e o castigo, e a morte de Bernie Madoff na prisão em 2021, ficaram milhares de vidas destruídas, e impunes muitos dos que o ajudaram e sustentaram.

‘Abandonados’, uma série para deixarmos a falar para o boneco

‘Abandonados’, uma série para deixarmos a falar para o boneco

★☆☆☆☆ Recorrer à prata da casa, ou por falta de meios, ou porque se acha que se pode fazer bem com o que está à mão, pode resultar em situações de um ridículo involuntário e embaraçoso, como vemos em Abandonados (RTP1/RTP Play), passada em Timor, em 1942, durante a invasão japonesa. Em vez de ir buscar actores australianos (ou ingleses) para personificarem os militares deste país que estavam na ilha antes da chegada dos nipónicos, os responsáveis pela série puseram actores portugueses a interpretá-los, falando português macarrónico à inglesa. É pura e simplesmente impossível acreditarmos em tal coisa, e sempre que um deles abre a boca largamos a rir, de tão absurdo e caricato. Faz lembrar o agente inglês de Filipe Ferrer no Casino Royal de Herman José, só que este era deliberadamente cómico. Abandonados deve ser também a série mais tagarela da história da televisão nacional. A acção é escassíssima, atabalhoada e raquítica, e as personagens passam o tempo a dar à língua, em longas e chatíssimas sequências de explicação, exposição, descrição ou digressão. A guerra? É algo que acontece quase por acaso nos breves intervalos de tão abundante e supérflua palheta, debitada por actores vácuos de expressão e nulos de convicção. É deixá-los a falar para o boneco.

Os filmes de animação que vamos ver até à Primavera

Os filmes de animação que vamos ver até à Primavera

É com uma nova aventura do urso Ernest e da ratinha Célestine que abre, este mês de Janeiro, a época da animação de 2023 nos cinemas portugueses. Até ao início da Primavera, vão estrear-se ainda longas-metragens com aranhas detectives, múmias do Egipto que visitam Londres, um cão que quer a toda a força ser samurai, e os inseparáveis Mario Bros., do célebre jogo de vídeo, que na versão original contará com um elenco de renome nas vozes – Chris Pratt, Anya Taylor-Joy, Jack Black e Seth Rogen. Estes são os filmes de animação que estamos prestes a ver no cinema. Recomendado: Os filmes de animação na Netflix que não pode perder

‘Crimes Graves’, um caso raro entre spinoffs

‘Crimes Graves’, um caso raro entre spinoffs

★★★☆☆ Quem segue séries policiais conhece The Closer (2005-2012), com Kyra Sedgwick no papel de Branda Johnson, a nada convencional chefe da Brigada Especial de Homicídios da Polícia de Los Angeles. The Closer vivia muito das personagens, já que Johnson liderava uma variada e bem caracterizada equipa, o que fazia da série um modelo de ensemble piece, em que a riqueza do colectivo provinha da individualidade especial de cada membro da unidade. The Closer deixou saudades e um rasto de culto. Por isso, os produtores pegaram na maioria do elenco e foram buscar a personagem da capitã Sharon Raydor, interpretada por Mary McDonnell, que apareceu em vários episódios de The Closer, e puseram-na a chefiar a mesma unidade num spinoff, Crimes Graves (FOX Crime). McDonnell não tem o carisma extravagante de Sedgwick, mas não comete o erro de a tentar imitar: o temperamento de Raydnor está no oposto do de Brenda Johnson, mas partilham a mesma argúcia e atributos intelectuais. O grupo de agentes, entre caras conhecidas e novas aquisições, e com o batido e resmungão tenente Louie Provenza (G.W. Bailey) à frente, e a qualidade dos argumentos, garante que, embora fique um patamar abaixo de The Closer, Crimes Graves seja – caso raro – um digno spinoff. Bom trabalho de equipa.

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Ennio, o Maestro

Ennio, o Maestro

4 out of 5 stars

Na primeira vez que Pier Paolo Pasolini e Ennio Morricone colaboraram, o realizador informou o compositor que ia utilizar Bach em toda a banda sonora do filme. “Então não estou aqui a fazer nada!”, disparou-lhe Morricone, e foi-se embora. Pasolini abdicou de Bach e deu carta branca a Morricone para compor a banda sonora como quisesse. Esta é apenas uma das muitas histórias contadas pelos muitos entrevistados do longuíssimo documentário de Giuseppe Tornatore sobre o seu muito prolífico compatriota, Ennio, o Maestro, que impressiona não só pela duração (duas horas e meia), como pela quantidade e qualidade de informação sobre o biografado (que também participa, numa grande entrevista que atravessa todo o filme, feita pouco tempo antes da sua morte, em 2020), pelos nomes da música e do cinema que aparecem a incensá-lo, pela variedade das imagens de arquivo usadas, e ainda da música composta por Morricone ao longo da sua abundantíssima carreira (só bandas sonoras, foram mais de 500). Se há um reparo que podemos fazer a Ennio, o Maestro, é passar em branco as dezenas e dezenas de bandas sonoras “alimentares” e repetitivas que fez para outros tantos filmes menores, esquecidos ou muito maus, embora um dos seus colegas italianos refira de passagem que, a dado momento, Morricone andava a compor música para westerns spaghetti a mais, e que era toda igual. De resto, Tornatore praticamente não deixa nada por dizer, a começar na infância musical do compositor (o pai era trompetista e queri

Batem à Porta

Batem à Porta

2 out of 5 stars

Em vez de filmar um argumento original, M. Night Shyamalan adapta aqui o premiado livro The Cabin at the End of the World, de Paul Tremblay. Dois gays e a sua pequena filha adoptiva vêem a sua cabana de férias, isolada num bosque, invadida por um quarteto de estranhos que empunham armas artesanais. São manietados e dizem-lhes que se não escolherem um deles para ser morto em sacrifício por um dos outros dois, o Apocalipse cairá sobre a humanidade. Em Batem à Porta, a surpresa, revelação ou twist final característicos dos filmes de Shyamalan tomam a forma de uma dúvida: será que os quatro invasores dizem a verdade e o mundo pode mesmo acabar se a pequena família não sacrificar um dos seus membros, ou são fanáticos criminosos? O enredo daria um bom episódio de The Twilight Zone, mas é muito “esticado”, o que atenua o suspense e aligeira a tensão, há flashbacks a mais, as interpretações são quase todas muito más, os efeitos digitais toscos, e o desenlace é mais convencional e menos drástico que o do livro, embora não seja preciso tê-lo lido para não ficarmos convencidos e impressionados. Não é com Batem à Porta que M. Night Shyamalan vai voltar à mó de cima do cinema fantástico e de terror.

Amadeo

Amadeo

2 out of 5 stars

Depois de Florbela (2012) e Al Berto (2017), Amadeo, dedicado ao pintor Amadeo de Souza-Cardoso, é o terceiro filme de Vicente Alves do Ó sobre artistas portugueses, e o menos conseguido dos três. O realizador tem os actores (Rafael Morais é um sóbrio Amadeo), tem as paisagens, tem uma boa recriação de época e execução cinematográfica, mas falta-lhe um ponto de vista sobre o artista e uma âncora narrativa. O filme abre nos anos finais da vida de Amadeo, quando o eclodir da I Guerra Mundial o afastou e à mulher, Lucie, de Paris, e os confinou à casa da família em Amarante; tem alguns flashbacks pelo meio e conclui-se com a morte do artista, de gripe pneumónica, em 1918, com apenas 30 anos. Amadeo não tem quase nada de consistente, relevante ou comunicativo para dar ao espectador sobre a biografia, as relações com os artistas seus contemporâneos, as opiniões estéticas e a pintura do seu protagonista, e toda a última parte é ocupada, arrastada e lugubremente, com os padecimentos dos familiares de Amadeo atingidos pela pneumónica. É verdade que o facto de o pintor ser de uma família abastada, nunca ter conhecido dificuldades financeiras, ter tido uma vida sentimental estável e feliz e gozado de algum reconhecimento (sobretudo internacional) ainda em vida, reduz bastante as hipóteses de dramatização da sua curta existência – cuja única grande tragédia foi, precisamente, a morte prematura.

O Filho

O Filho

2 out of 5 stars

Depois do oscarizado O Pai (2020), com Anthony Hopkins no papel de um homem cuja doença degenerativa lhe está a baralhar a percepção da realidade, o dramaturgo e realizador francês Florian Zeller filma, em O Filho, outra das suas peças de teatro dedicadas à família, voltando a assinar o argumento com o seu colega inglês Christopher Hampton. Hugh Jackman interpreta Peter Miller, um bem-sucedido advogado nova-iorquino que se prepara para iniciar uma carreira na política. Peter está divorciado da primeira mulher, Kate (Laura Dern), de quem tem um filho com 17 anos, Nicholas (Zen McGrath). Entretanto, casou-se de novo, com Beth (Vanessa Kirby) e tiveram um bebé. Quando tudo parece ir de vento em popa, Kate entra em contacto com o ex-marido e diz-lhe que Nicholas anda a faltar às aulas, está profundamente deprimido, quase não fala com ela e só sente hostilidade da parte do rapaz, pedindo a Peter que o receba em casa por algum tempo. Este não pode recusar, tal como a mulher não lhe pode dizer que não, e Nicholas instala-se com o pai, a madrasta e o meio-irmão. Mas apesar da mudança de ambiente e de companhia, o rapaz continua sorumbático, ensimesmado, monossilábico e esquivo, e quando o pai lhe pergunta o que é que ele tem, Nicholas só responde que está “a sofrer”. E o ambiente vai ficando cada vez mais pesado. Em O Pai, Florian Zeller instalava-nos no ponto de vista da personagem de Anthony Hopkins e tirava o máximo partido emocional dessa partilha, mostrando-nos quer a aflição e

Porquinha

Porquinha

3 out of 5 stars

Diz o ditado que “Gordura é formosura”. Para a adolescente e anafada Sara (Laura Galán), a protagonista de Porquinha, de Carlota Pereda, é um inferno. É Verão, um Verão muito quente na aldeia onde ela vive com os pais, que têm um talho, e o irmão mais novo. Além dos complexos por causa da obesidade, de uma mãe controladora que parece estar sempre zangada com ela, e de um irmãozinho embirrante, Sara sofre com a troça permanente das raparigas populares locais, que a insultam e humilham nas redes sociais, em especial o trio formado por Maca, Roci e Claudia. Esta última é a sua única amiga, mas não tem coragem para a defender nem dizer às outras que deixem Sara em paz. Nem os rapazes a poupam. Mesmo quando vai dar um mergulho na piscina fluvial da aldeia, pela hora de maior calor para que ninguém a veja, Sara não tem paz. Vendo-a na água, Maca e Roci vão buscar uma rede de limpeza da piscina e quase afogam a “porquinha”, como elas a chamam, roubando-lhe depois a roupa e a mochila e deixando-a de biquíni. Mas quando Sara regressa a casa, chorosa, envergonhada e enraivecida, por um caminho secundário, passa por ela uma carrinha. Dentro da qual Sara vê o seu trio de atormentadoras a pedirem socorro. Elas acabam de ser raptadas por um estranho que rondava na vila. Este pára a carrinha, olha para Sara e devolve-lhe a toalha e a roupa em troca do seu silêncio. A rapariga encontra a aldeia em desassossego com o desaparecimento das jovens, e o assassínio do salva-vidas e da empregada da

Babylon

Babylon

1 out of 5 stars

Passado entre 1926 e 1932, abrangendo o final do mudo e o advento do sonoro, o novo filme de Damien Chazelle apresenta-se, em simultâneo, como uma sátira dramática e uma celebração dos “anos loucos” de Hollywood e do pioneirismo do cinema americano. Só que Babylon é, por um lado, de um reducionismo primário e historicamente falso na sua representação da indústria cinematográfica da altura (orgias demenciais à noite e filmagens a mata-cavalos de dia), ignorando qualquer envolvência comercial, política ou social (não há qualquer menção ao funcionamento interno dos estúdios ou à Grande Depressão, por exemplo). Pelo outro, é dominado pelo estereótipo da histeria desbragada em todos os aspectos. O que Chazelle recria não é a Hollywood daquela era, mas sim uma Hollywood revisitada pelos clichés boçais e excessivos do cinema nosso tempo, como se estivéssemos numa comédia de Adam Sandler transposta para as décadas de 20 e 30, e que atinge até as personagens (ver a insofrível Nellie de Margot Robbie). As referências a Serenata à Chuva são uma ofensa à memória da era de ouro do musical de Hollywood e a invocação final do lugar-comum da “magia do cinema” é cínica e postiça. No papel de uma grande e afável estrela do mudo que é posta de parte com o sonoro, o pobre Brad Pitt anda por ali perdido, entre elefantes a defecar em jorro, starlets a urinar sobre produtores gordos, paradas de aberrações plebiscitadas por gangsters histriónicos e cenas de vómito projectado que fariam corar o Sr. C

A Noiva

A Noiva

2 out of 5 stars

O novo filme do português Sérgio Tréfaut, A Noiva, rodado no Iraque, começou por ser sobre um jovem jihadista português de origem africana que é convertido ao islamismo por extremistas paquistaneses em Londres e vai combater nas fileiras do Estado Islâmico (EI). O realizador foi colher inspiração na figura de Fábio Poças, que aspirava ser jogador de futebol como o seu ídolo, Cristiano Ronaldo, e se gabava de matar “qualquer um que lute contra o Islão” (acabou morto em combate). Ao tomar mais tarde contacto com as imagens das mulheres, viúvas e órfãos dos combatentes do EI nos campos de prisioneiros sírios e iraquianos, Tréfaut decidiu mudar o filme e centrá-lo numa dessas “noivas da Jihad” de origem ocidental. A jovem Barbara (Joana Bernardo) é uma delas. Nascida em França mas originária da imigração portuguesa, a protagonista de A Noiva é viúva de um combatente francês do EI fuzilado pelos militares iraquianos (o filme abre com a execução do marido, e de outros como ele). Barbara tem dois filhos pequenos e está grávida de um terceiro. Encontra-se detida num precário campo de prisioneiros no Iraque, com outras mulheres como ela e várias crianças, e aguarda julgamento para saber qual será o seu destino: a morte ou o encarceramento, já que a França não aceita a deportação de “noivas da Jihad” ali nascidas. Sérgio Tréfaut filma Barbara, deliberadamente, como um ponto de interrogação, um mistério vivo, e com secura descritiva, sem a procurar analisar ou explicar. Ela tanto ouve m

Maigret e a Rapariga Morta

Maigret e a Rapariga Morta

4 out of 5 stars

Gérard Depardieu estreia-se auspiciosamente na pele do inspector Maigret neste filme de Patrice Leconte em que a personagem de Georges Simenon sofre em silêncio por estar proibido pelo médico de fumar o seu fiel cachimbo, enquanto tenta resolver o assassínio de uma jovem com ar modesto que apareceu morta numa praça de Paris, sem identificação e usando um dispendioso vestido de marca. Leconte recria com fidelidade e detalhe o pequeno mundo profissional, pessoal e familiar deste polícia que prefere “investigar em vez de julgar”, respeitando a psicologia e a reserva emocional da personagem, numa Paris do pós-guerra anónima, invernosa e cheia de recantos inesperados; e Depardieu faz um Maigret adequadíssimo, lacónico, observador e arguto, calcorreando a cidade no decurso das suas investigações e pensando enquanto o faz, sempre atento às falhas, aos pecadilhos e aos podres da natureza humana, e saboreando pequenos prazeres como um copo de vinho, uma “imperial” ao balcão de um bistrot ou uma refeição cozinhada pela Sra. Maigret. E, não contente com isto, basta a Maigret e a Rapariga Morta a canónica hora e meia para contar, e bem, a sua história.

Os Fabelmans

Os Fabelmans

4 out of 5 stars

Steven Spielberg realizou finalmente o filme autobiográfico sobre a sua infância e juventude, a sua família e o traumático divórcio dos pais, que planeava há muitos anos e que chegou a chamar-se I’ll Be Home e a ter um argumento escrito por uma das suas irmãs (Spielberg acabou por assinar Os Fabelmans com o dramaturgo e argumentista Tony Kushner). O alter ego de Spielberg é aqui o pequeno Sammy Fabelman, que vive com a mãe, pianista, o pai, engenheiro electrotécnico e três irmãs, e que acompanhamos entre os sete e os 18 anos, até à ruptura entre os pais e à separação da família, descobrindo de onde lhe vem a paixão pelo cinema, que mais do que um hobby, ele encara como uma carreira futura. O trabalho do pai leva os Fabelman da Costa Leste à Costa Oeste dos EUA ao longo de mais de uma década, e durante esse tempo, Sammy vai dominando cada vez mais a técnica cinematográfica e fazendo pequenos filmes cada vez mais elaborados. Através de um segredo que o rapaz descobre nos filmes feitos durante as viagens de campismo da família, e que vai alterar drasticamente a relação dele com a mãe, Spielberg mostra que o cinema não é só prazer, entusiasmo e encantamento: pode ser também fonte de tristeza, dor e decepção. Depois de uma abertura sob o signo de Cecil B. DeMille, Os Fabelmans fecha com a presença de John Ford, num encontro inesquecível para o então já adolescente Sammy/Steven. Um dos melhores filmes do ano.

Broker – Intermediários

Broker – Intermediários

4 out of 5 stars

Chove torrencialmente em Busan, na Coreia do Sul. As ruas estão vazias, salvo por uma jovem, So-young, que caminha lentamente. Chegada ao pé de uma igreja, deposita o bebé que traz consigo num receptáculo que ali existe para esse fim. Só que os dois homens que estão encarregues da recolha das crianças abandonadas, Sang-hyeon e Dong-soo, costumam desviar bebés para os vender a casais que pretendem adoptar e não o querem fazer pela via oficial, e ficam com este. Mas a mãe muda de ideias, consegue descobrir o paradeiro do duo, e quando estes lhe acenam com a soma que poderão obter com a venda da criança, ela junta-se a eles, assim como um menino do orfanato onde Dong-soo, também abandonado quando era pequeno, foi criado. Entretanto, são todos vigiados por duas agentes da polícia que seguem Sang-hyeon e Dong-soo há meses e esperam apanhá-los em flagrante para os prender. É assim que começa Broker – Intermediários, o novo filme do japonês Hirokazu Kore-eda, desta feita rodado na Coreia do Sul, e no qual o realizador de Ninguém Sabe, Tal Pai, Tal Filho e Shoplifters – Uma Família de Pequenos Ladrões, continua a explorar os temas das relações entre pais e filhos, do significado da filiação e do que é que constitui uma família. E aqui fá-lo através de um conjunto de personagens que são, à primeira vista, desumanas, desprezíveis e condenáveis. Mas que pouco a pouco, e à medida que So-young, Sang-hyeon, Dong-Soo e o pequeno órfão se metem à estrada numa carrinha para irem ao encontro d

O Natal do Bruno Aleixo

O Natal do Bruno Aleixo

3 out of 5 stars

Filmes de Natal, há-os para todos os paladares e feitios, desde os institucionais e fofinhos (De Ilusão Também se Vive, Natal Branco, Uma História de Natal, Sozinho em Casa, a série dos Santa Cláusula) até aos anti-convencionais dos mais diversos matizes, e que vão de O Apartamento, Pai Natal: Sarilhos, Assalto ao Arranha-Céus, Um Vizinho a Apagar ou O Nosso Natal, a títulos bem mais radicais como Férias Assombradas, Rare Exports ou Krampus: O Lado Negro do Natal. Há ainda aqueles de que toda a gente gosta, como Do Céu Caiu uma Estrela e O Estranho Mundo de Jack. E não esquecer as fabulosas aberrações, caso de Santa Claus Conquers the Martians ou Pai Natal: O Filme. E depois há os OCNNI: Objectos Cinematográficos Natalícios Não Identificados, como é o caso de O Natal do Bruno Aleixo, de João Moreira e Pedro Santo, que já em 2019 haviam perpetrado O Filme do Bruno Aleixo e com ele passado o dito Aleixo da televisão para as telas. O Natal do Bruno Aleixo é assim como que uma versão completamente esgazeada e descompensada de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, com o telhudo e refilão urso Aleixo no papel daquilo que pode ser definido como uma versão portuguesa, animal e com características antropomórficas de Scrooge, com o qual tem em comum o ódio ao Natal. Passa-se então que, em plena quadra natalícia, Bruno Aleixo vai de carro com o Homem do Bussaco e têm um acidente (culpa deles, claro). Enquanto este é mandado para casa depois de fazer alguns exames e se ter constatado qu

Avatar: O Caminho da Água

Avatar: O Caminho da Água

2 out of 5 stars

Quase 15 anos após Avatar, James Cameron volta ao planeta Pandora, onde Jake Sully constituiu família com Neytiri, tiveram filhos e adoptaram uma criança. Vivem felizes entre os Na’vi, até ao reaparecimento de um velho e cruel inimigo que assumiu uma nova e inesperada forma, e do qual têm de fugir para a zona dos oceanos do planeta, pedindo asilo ao clã local. Visualmente sumptuoso e tecnologicamente à altura da reputação inovadora e perfeccionista de Cameron (este é um daqueles invulgares casos em que o 3D resulta bem), Avatar: O Caminho da Água tem o mesmo problema do primeiro filme: é ficção científica simplista, com uma história previsível, esquemática, solene até ao ridículo, crivada de clichés e ajoujada ao peso de uma mochila de conversa fiada de espiritualismo New Age, e “mensagem” ambientalista gasosa. Uma pena, porque o autor de Aliens e Titanic é um dos raros realizadores que ainda sabe filmar acção como deve ser, e não como vemos nas fitas de super-heróis.

News (294)

O Pátio das Antigas: A esquina das tabacarias clássicas

O Pátio das Antigas: A esquina das tabacarias clássicas

“Artigos de phantasia para chá, retratos em todos os géneros, vistas photográphicas do Paíz, chromos para felicitações”. Estas eram algumas das coisas que se vendiam na Tabacaria Costa, situada na esquina da Rua do Ouro com o Rossio, conforme se lia numa publicidade ao estabelecimento, fundado no princípio da última década do século XIX por um cambista e negociante chamado Egydio C. da Costa. A Tabacaria Costa foi a primeira das duas tabacarias clássicas daquela zona da Baixa a ocupar a esquina em questão, e comercializava também tabaco, charuteiras, cigarreiras, cachimbos e boquilhas, e carteiras para homem e senhora, bem como colecções de postais temáticos. Era ponto de encontro de elegantes, políticos, escritores e artistas, que se postavam à porta a fumar, conversar ou a trocar indiscrições. A Tabacaria Costa fechou no final da década de 30 do século passado. Mas logo em 1940, instalou-se no mesmo espaço um novo estabelecimento do mesmo ramo, a Tabacaria Rossio (na foto), propriedade um grupo de sócios galegos, que deram uma nova e mais moderna fachada ao estabelecimento – além de uma alegria aos clientes da finada Tabacaria Costa. Lá se vendiam ainda relógios, isqueiros, canetas e outros artigos de escrita. Ao mesmo tempo, aqueles abriram, na esquina oposta, a Tabacaria Caravela. Esta fechou em 2005, mas a Rossio ainda se mantém firme na sua esquina. Coisas e loisas de outras eras: + As três vidas de um teatro + A discoteca que também vendia frigoríficos + A breve vida d

O Pátio das Antigas: As três vidas de um teatro

O Pátio das Antigas: As três vidas de um teatro

Foi lá que Ivone Silva pisou as tábuas de um palco pela última vez, em 1987, numa revista em que contracenou com Camilo de Oliveira; ou que Jacinto Ramos e Glória de Matos protagonizaram uma célebre encenação de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee, entre outros espectáculos. O Teatro Laura Alves foi inaugurado a 29 de Dezembro de 1968 na Rua da Palma, por iniciativa de Vasco Morgado, que o baptizou com o nome da sua mulher e grande actriz. Laura Alves que, no entanto, não entrou na peça de abertura da sala, O Jovem Mentiroso, de Keith Waterhouse e Wallis Hall, com direcção e encenação de Jacinto Ramos e interpretações de Rui de Carvalho, Brunilde Júdice, Manuela Maria e, em estreia no palco, Vasco Morgado Júnior, filho do empresário e de Laura Alves. Mas antes de ser teatro, o edifício da Rua da Palma tinha albergado, entre 1936 e 1968, um cinema, o popular Cine-Rex, onde existiu também um grande espaço em que se faziam festas de passagem de ano e de Carnaval, e que chegou ainda a acolher sessões especiais de fados do Retiro da Severa. E antes disso, o prédio havia sido, desde 1929, a sede da Fundação Espírita Portuguesa, depois proibida pelo Estado Novo. O Teatro Laura Alves fechou já depois do 25 de Abril, em Dezembro de 1987, um ano após a morte da bem-amada actriz. Esteve lá instalada a seguir uma residencial, até o prédio arder em 2012. Coisas e loisas de outras eras: + A discoteca que também vendia frigoríficos + A breve vida do Theatro Moderno + Quando a

O Pátio das Antigas: A festa da Volta nas ruas da cidade

O Pátio das Antigas: A festa da Volta nas ruas da cidade

Desde 1927, ano da sua primeira edição, e durante muitas décadas do século passado, a Volta a Portugal em Bicicleta era um dos acontecimentos que mais lisboetas atraía às ruas da cidade. As pessoas vinham aos milhares assistir à partida e à chegada, aplaudir os seus ídolos do pedal e até mesmo acompanhá-los durante algum tempo, correndo nos passeios ao seu lado e incentivando-os. Havia até locais que se tornaram lendários para ir ver os ciclistas. É o caso, na última etapa, da exigente Calçada do Carriche, um calvário para os participantes, e um troço que era sempre acompanhado por milhares de adeptos do ciclismo e tinha honras de “directos” por parte das rádios e da televisão, quase desde que a RTP começou as suas emissões.   Houve vários anos em que a Volta a Portugal em Bicicleta não se realizou, devido a grandes conflitos como a Guerra Civil de Espanha (em 1936 e 1937) e a II Guerra Mundial (entre 1942 e 1945), ou ainda por falta de quem a organizasse (a última vez em que tal aconteceu foi em 1953). A foto desta página foi tirada na partida, em Lisboa, da edição de 1946 da Volta a Portugal em Bicicleta, quando a corrida voltou a realizar-se após quatro anos de suspensão causados pelo segundo conflito mundial, organizada pelo Diário de Notícias e por O Mundo Desportivo. Foi, por isso, uma das partidas mais concorridas de sempre em termos de público. Coisas e loisas de outras eras: + A rua que desapareceu no Saldanha + A breve vida do Theatro Moderno + Quando a Avenida do A

O Pátio das Antigas: A discoteca que também vendia frigoríficos

O Pátio das Antigas: A discoteca que também vendia frigoríficos

Discos à venda ao lado de frigoríficos, ventoinhas, aspiradores, secadores e outros electrodomésticos? Era isto que o transeunte que passasse na Rua do Carmo via na ampla montra da Discoteca Universal, inaugurada em 1957, e uma das várias lojas do ramo que podia ser encontrada naquela artéria da Baixa, juntamente com a Discoteca do Carmo ou a Discoteca Melodia (que, além de discos, vendiam também instrumentos musicais e pautas de música, e por aí se ficavam). Isto explica-se porque os proprietários da Discoteca Universal decidiram que a sua loja não ia limitar-se a comercializar discos em vinil, como era normal neste tipo de estabelecimentos. E além destes, e de gira-discos, rádios e gravadores, teria também disponíveis para a clientela frigoríficos, aspiradores, batedeiras, ferros de engomar eléctricos e máquinas de lavar roupa, entre outros.   No entanto, nas suas publicidades e nos anúncios que publicavam na imprensa, os responsáveis pela Discoteca Universal gostavam de salientar que a primeira vocação da loja era a venda de discos, e que era “o mais moderno estabelecimento de discos de Lisboa”, como se lê num daqueles. Os cheques-discos para oferta eram também outros dos destaques da Discoteca Universal. Fechou em 1970 e foi trespassada, passando então a vender só discos. Em Agosto de 1988 desapareceu de vez, quando do grande incêndio do Chiado. Coisas e loisas de outras eras: + A breve vida do Theatro Moderno + Quando a Avenida do Aeroporto não tinha nome + A história do

O Pátio das Antigas: A rua que desapareceu no Saldanha

O Pátio das Antigas: A rua que desapareceu no Saldanha

As ruas das cidades não só mudam de nome como também desaparecem, de vez em quando. A artéria desta foto, a Rua das Picoas, antes Estrada das Picoas, ao Saldanha, foi um desses casos, arrasada para sobre ela ser erguido o majestoso Cine-Teatro Monumental, em 1951 – também ele hoje já só uma memória de Lisboa. Um dos edifícios que então desapareceram igualmente foi o do Colégio Normal de Lisboa, visto à direita, que se situava nos frondosos jardins do Palácio Camarido, propriedade da Condessa de Camarido. No século XIX, esses jardins prolongavam-se até ao Campo Pequeno, antes de lá serem abertas a Avenida da República (que começou por se denominar Ressano Garcia, tendo sido alterada após a queda da monarquia e a implantação da república, em 1910) e as Avenidas Novas. O prédio que se vê ao fundo, à esquerda, ainda está de pé e nele moraram Laura Alves e o seu marido, o empresário teatral Vasco Morgado, que explorava o Teatro Monumental. A designação “Picoas” terá tido origem no apelido “Picão” de duas irmãs que tinham uma quinta que havia ali. O povo chamava-lhes “as Picôas” e o nome passou para o local, também conhecido como Sítio das Picoas. A pequena e discreta Rua das Picoas que ainda hoje existe perto do Saldanha e que desemboca na Avenida Praia da Vitória, é o derradeiro resto da velhinha Estrada das Picoas, que hoje vive apenas num punhado de fotografias. Coisas e loisas de outras eras: + A breve vida do Theatro Moderno + Quando a Avenida do Aeroporto não tinha nome + A

O Pátio das Antigas: Peças e fitas no Teatro Phantástico

O Pátio das Antigas: Peças e fitas no Teatro Phantástico

Também conhecido por Salão Phantástico, o Teatro Phantástico, que abriu as portas em Março de 1908 na Rua Jardim do Regedor, foi assim chamado por causa de uma decoração que lhe dava uma atmosfera especial, algo “fantástica”, segundo os critérios da época. Isto porque a iluminação escolhida e as estalactites e estalagmites de pasta de papel, que pendiam do tecto e se erguiam no átrio, davam ao espectador a impressão de estar dentro de uma enorme caverna assim que lá entrava. A publicidade aos espectáculos que punha em cena e aos filmes que lá passavam insistia, naturalmente, na frase: “É phantástico!”. E o público e a imprensa concordavam. O Teatro Phantástico foi um dos primeiros animatógrafos de Lisboa, alternando a exibição de fitas com a apresentação de peças de teatro, revistas, operetas e outros espectáculos musicais, alguns mesmo contratados no estrangeiro. Infelizmente, a gestão da sala não era “fantástica”, e em 1915, apenas sete anos após a sua inauguração, o Teatro Phantástico mudou de donos e de nome, passando a chamar-se Paradis, para voltar a ser vendido e tornar-se em Salão Rubi no ano seguinte. Em 1917, passou a ter exclusivamente teatro e voltou a chamar-se Phantástico, talvez numa tentativa de voltar a seduzir o público que o frequentava nos primeiros anos de vida. A ideia não resultou e a sala acabou por fechar de vez em 1918.   Coisas e loisas de outras eras: + A ribeira de Alcântara a céu aberto + A grande Exposição Henriquina em Belém + Era chique ir ao

O Pátio das Antigas: A ribeira de Alcântara a céu aberto

O Pátio das Antigas: A ribeira de Alcântara a céu aberto

Foi no século XIX que começou, de forma incipiente, o encanamento da ribeira de Alcântara, que nasce na Brandoa, no concelho da Amadora, para ir desaguar no Tejo, na zona da freguesia de Alcântara, altura em que foi também construída a Estação de Alcântara-Terra, em 1887. Mas na altura em que foi tirada a fotografia acima, na segunda década do século passado, grande parte da ribeira – uma das muitas que existiam em Lisboa e que foram entretanto cobertas, tal como foram aterrados leitos de rios antigos – ainda corria a céu aberto, e havia quem morasse perto que fosse lá lavar a roupa e molhar os pés nos dias de Verão.  Foi no final de 1944 que se lançaram as obras de encanamento definitivo deste curso de água, visando a futura urbanização do Vale de Alcântara e a construção da Avenida de Ceuta. Devido à falta de cimento que se seguiu ao fim da II Guerra Mundial, os trabalhos de betonagem só começaram alguns meses mais tarde, no Verão de 1945, atingindo um ritmo regular no princípio do ano seguinte. Em 1967, 33 anos depois de terem sido iniciados, foram enfim dados por concluídos os trabalhos de encanamento deste curso de água, que está coberto em toda a extensão do concelho de Lisboa. Há prédios construídos na zona de Alcântara na década de 70, em cujas caves funcionam em permanência bombas de extracção de águas associadas à ribeira que outrora corria livremente. Coisas e loisas de outras eras: + A grande Exposição Henriquina em Belém + Era chique ir ao Old England + Queres be

O Pátio das Antigas: Vida dura no Pátio do Biagi

O Pátio das Antigas: Vida dura no Pátio do Biagi

Em Lisboa, chamavam-se “pátios” aos bairros populares, construídos originalmente para alojar operários e as suas famílias, sobretudo no século XIX, com o aparecimento de várias indústrias na capital. Eram bairros pobres, com poucas ou nenhumas condições de sanidade básica e cujo número, no início do século XX, ultrapassava os 200. Neles se aglomeravam mais de 10 mil pessoas, em casas que tanto podiam ter sido construídas de raiz como já existentes (e as mais das vezes bastante degradadas) ou então improvisadas pelos seus moradores. Um dos maiores – talvez mesmo o maior – desses pátios era o Pátio do Biagi, que tinha o nome do seu fundador e proprietário, situado na zona das Amoreiras e também conhecido por “Quinta do Biagi”. Era, na sua origem, uma grande quinta em que se ergueu um complexo de habitações para trabalhadores. Lá viviam mais de 100 famílias. José de Leite de Vasconcelos, citado pelo blogue Lisboa de Antigamente, descreve o Pátio do Biagi, no seu livro Etnografia Portuguesa, como tendo “várias ruas, anónimas, dois largos, uma taberna (indispensável!) e um lugar de hortaliça. Quasi um bairro”. E destaca ainda a “miséria extrema” do local, onde se viam “por toda a parte inúmeras crianças”. O Pátio do Biagi foi demolido em 1940, para dar lugar a um grande prédio de habitação em 1953, e em 1982, ao parque desportivo do Ginásio Clube Português. Coisas e loisas de outras eras: + Era chique ir ao Old England + Queres bengalas? Vai ao Costa + O café que era a “Catedral d

O Pátio das Antigas: A grande Exposição Henriquina em Belém

O Pátio das Antigas: A grande Exposição Henriquina em Belém

Foi a 9 de Agosto de 1960, data da inauguração da Exposição Henriquina no Museu de Arte Popular em Belém, a propósito dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique, que se inaugurou também o Padrão dos Descobrimentos na sua segunda e definitiva manifestação. Concebido por Cottinelli Telmo, Leopoldo de Almeida e Leitão de Barros, o monumento havia sido erguido em materiais perecíveis para a Exposição do Mundo Português, em 1940, depois desmontado em 1958 e reconstruído em betão e pedra de lioz dois anos mais tarde, precisamente para coincidir com a realização da Exposição Henriquina. Contando, na direcção e realização, com a participação de arquitectos e artistas como Frederico George, Daciano Costa ou Manuel Lapa, a Exposição Henriquina foi uma grande celebração da figura do Infante D. Henrique e da saga dos Descobrimentos portugueses. Nas salas e corredores do Museu de Arte Popular, os visitantes puderam admirar, além de uma das Tapeçarias de Pastrana, vindas de Espanha propositadamente para esta exposição, toda uma série de mapas, portulanos e instrumentos de navegação, cartas estrangeiras de antes e depois dos Descobrimentos, as obras completas de Pedro Nunes, os quatro volumes, recentemente editados, da obra Portugaliae Monumenta Cartographica, de Armando Cortesão e Teixeira da Mota, ou ainda, em especial destaque, o testamento do Infante D. Henrique. Coisas e loisas de outras eras: + Era chique ir ao Old England + Queres bengalas? Vai ao Costa + O café que era a “Catedral

O Pátio das Antigas: Era chique ir ao Old England

O Pátio das Antigas: Era chique ir ao Old England

“Toda a elegância se curva diante do rei da elegância”. Era assim, com toda a a convicção e sem a menor modéstia, que o Old England, de seu nome completo Old England Grandes Armazéns Internacionais, inaugurado em 1905 na esquina da Rua Augusta com a Rua de São Nicolau, na Baixa, anunciava na imprensa da capital. O Old England foi uma das maiores e mais prestigiadas lojas de confecções para homem, senhora e criança de Lisboa, a cuja abertura da estação acorriam centenas de pessoas. Gabava-se de oferecer, nos seus artigos, a mesma qualidade dos ingleses, graças à presença de um mestre alfaiate formado em Londres no seu quadro de empregados (o respectivo diploma estava exposto numa das vitrinas do estabelecimento). E anunciava: “Experimentem n’esta casa os fatos sem prova e poderão vêr como aqui se trabalha por forma a egualar o melhor que no género se faz em Paris e Londres”. Era chique lá ir. Desde os então tradicionais fatinhos de marujo para as crianças até aos trajes de cerimónia para homens, passando pelos vestidos de senhora, tudo o Old England propunha aos clientes nos cinco andares do prédio em que estava instalado, e que dispunha de “ascensor eléctrico”. Entre outras, havia secções de camisaria, chapelaria, luvaria, gravataria, sapataria ou artigos de viagem. A casa não sobreviveu à decadência da Baixa após o incêndio do Chiado, tendo fechado na década de 90. Coisas e loisas de outras eras: + Queres bengalas? Vai ao Costa + O café que era a “Catedral do Fado” + O resta

O Pátio das Antigas: Queres bengalas? Vai ao Costa

O Pátio das Antigas: Queres bengalas? Vai ao Costa

No tempo em que os cavalheiros usavam todos chapéu e bengala (o primeiro tirava-se às senhoras na rua, a segunda aplicava-se na cabeça ou nos costados dos malcriados e dos adversários políticos), um dos endereços privilegiados para a compra daquelas era a Casa das Bengalas, propriedade de António da Costa & Costa (Filho), com porta aberta na Baixa, mas precisamente na Rua da Prata, 87 a 91, desde o início do século XX. Quem entrava no estabelecimento, deparava com uma abundantíssima e variadíssima oferta de bengalas, desde as mais simples, modestas e baratas, até às muito caras e de fantasia, com castões em prata e ouro cuidadosamente decorados, muitas delas importadas de países como a França e a Inglaterra. Não admira que em Lisboa se dissesse na altura: “Queres bengalas? Vai ao Costa”. E as bengalas do Costa eram mesmo para todas as bolsas. Os donos da Casa das Bengalas começaram por ter uma ourivesaria e relojoaria na mesma Rua da Prata, que fecharam quando inauguraram aquela, exactamente no mesmo edifício, transferindo para a mesma boa parte do negócio original. Ou seja, a Casa das Bengalas vendia também jóias, relógios, pratas e outros artigos do mesmo ramo, embora as bengalas estivessem em maioria. Foram sendo cada vez menos usadas, acabando por ficar completamente fora de moda. E a Casa das Bengalas acabou por fechar, nos finais dos anos 60.  Coisas e loisas de outras eras: + O café que era a “Catedral do Fado” + O restaurante chique à beira-mar + Tenor Romão, o grand

O Pátio das Antigas: O café que era a “Catedral do Fado”

O Pátio das Antigas: O café que era a “Catedral do Fado”

Foi em 1927, na Avenida da Liberdade, mesmo ao pé do Parque Mayer, ainda não existia mais acima o Cinema São Jorge, que abriu as portas o Café Luso, que desde o início se dedicou a “cultivar o fado”, como então se dizia, e logo se transformou num sítio de referência para turistas e alfacinhas irem ouvir a canção nacional, tornando-se conhecido como “A Catedral do Fado”. Além de lá terem actuado alguns dos maiores nomes do fado, de Amália Rodrigues a Alfredo Marceneiro, de Alberto Ribeiro a Lucília do Carmo, o Luso ficou também célebre por dar lugar à juventude, através da organização de concursos de jovens talentos. E ao fado juntaram-se depois os espectáculos de variedades e os bailes, tal era a popularidade do Luso, conhecido igualmente por ser um lugar onde se servia boa comida portuguesa, e até tarde da noite. No início de 1941, por precisar de mais espaço, o Café Luso mudou-se da Avenida da Liberdade para o Bairro Alto, mais precisamente para a Travessa da Queimada, instalando-se nas antigas adegas e cavalariças do Palácio de São Roque. Foi lá que, em Dezembro de 1955, Amália Rodrigues gravou o lendário disco Amália no Café Luso. É a sua gravação ao vivo mais antiga conhecida, correspondendo a um espectáculo integral da altura em que era lá “artista residente”. Sujeito a obras de modernização na década de 90, o Café Luso continua hoje a funcionar. Coisas e loisas de outras eras: + O restaurante chique à beira-mar + Tenor Romão, o grande excêntrico + A breve vida do Theat

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