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Anjos na Terra

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Anjos na Terra
Allen Fraser/LionsgateHilary Swank em ‘Anjos na Terra’
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A Time Out diz

3/5 estrelas

Hilary Swank é a força por trás de ‘Anjos na Terra’, um melodrama baseado em factos reais como o cinema americano já faz poucos.

Um bom melodrama, daqueles como se faziam na Idade de Ouro de Hollywood, de fazer chorar as pedras da calçada, de gastar uma caixa de lenços de papel inteira, de pôr a fungar até o crítico de cinema mais batido cínico, é hoje tão raro no cinema americano como uma comédia sofisticada ou um western sem má consciência. É por isso que os apreciadores do género devem acarinhar Anjos na Terra, de Jon Gunn, que ainda por cima foi tirado da vida real, ao basear-se (com algumas liberdades ficcionais para fins de eficácia narrativa) em factos ocorridos nos anos 90, em Louisville, no Kentucky, envolvendo os membros de uma família operária.

O filme começa com Theresa Schmitt a ter a segunda filha do casal, Michelle, que se vai juntar à irmã, Ashley. Jon Gunn dá logo a seguir um salto de cinco anos, e encontramos Theresa a morrer no hospital. O marido, Ed Schmitt (Alan Ritchson, da série Reacher), fica assim sozinho a criar as duas filhas, apenas com a ajuda da mãe. Ed é um operário especializado em revestimentos de telhados que se mata a trabalhar, e não só está ainda a pagar a enorme conta de hospital deixada pela mulher, como também tem que desviar boa parte do que ganha todos os meses para os cuidados de saúde de Michelle. A menina sofre de uma doença rara e está numa lista de espera para o transplante de fígado essencial à sua sobrevivência.

O dinheiro que vai todos os meses para casa dos Schmitt não chega nem por sombras para cobrir todas as despesas, e as contas e os últimos avisos de pagamento acumulam-se. Entra então em cena Sharon Stevens (Hilary Swank), uma cabeleireira que bebe demais e se recusa a ir aos Alcoólicos Anónimos; que teve uma infância infeliz e foi mãe muito cedo, de um filho que não lhe responde às mensagens que ela lhe deixa no telefone, de tal forma está ressentido por a mãe lhe ter dado uma infância tão má como a dela. Sharon lê no jornal local uma notícia sobre o estado da pequena Michelle, condói-se da menina e, num repente, decide fazer tudo o que puder por ela, também como forma de dar uma volta à sua vida, numa espécie de impulso altruístico que cobre um interesse próprio.

Para espanto – e algum incómodo – de Ed (mas não da mãe, que simpatiza de imediato com Sharon), esta estranha algo espalhafatosa e muito faladora irrompe na vida dos Schmitt. E vai mover montanhas, mexer mundos e fundos, angariar dinheiro, gerir a contabilidade da família, ajudar Ed a conseguir mais e melhores trabalhos e até mesmo o perdão de dívidas pesadíssimas (não sei se os autores do filme se esticaram demais, ou se Sharon conseguiu mesmo que o hospital privado onde Theresa esteve internada e morreu anulou uma conta quase meio milhão de dólares. Mas Hilary Swank consegue convencer-nos que sim).

Anjos da Terra mostra como é que pessoas comuns conseguem fazer coisas extraordinárias em prol do seu próximo, e elogia o altruísmo quotidiano, bem como a capacidade de uma comunidade mobilizar esforços, meios e de se unir pelo bem de um dos seus membros (ver o final durante a tempestade de neve). Mas o filme não conseguiria ser o que é, não fora a presença formidável de Hilary Swank como Sharon. Mostrando porque é que tem dois Óscares em casa, Swank interpreta o “anjo comum” (para nos referirmos ao título original da fita) que toma conta dos Schmitt com uma convicção, um optimismo e uma energia que levam tudo à frente. Sem escamotear os defeitos e os falhanços da personagem (mãe falhada e alcoólica crónica, que age também para tentar compensar os seus defeitos e redimir-se deles) no meio das suas qualidades e sucessos de obreira de milagres “civil”. É caso para dizer, e parafraseando o anúncio, quem tem Hilary Swank tem tudo.

Swank é bem coadjuvada por Alan Ritchson no lacónico e relutante Ed, um papel nos antípodas do seu Jack Reacher da série homónima, e apesar de accionarem todos as engrenagens do mecanismo sentimental do melodrama, e visarem inegavelmente um intenso e edificante efeito feel good final, Jon Gunn e os argumentistas Meg Tilly (sim, a actriz) e Kelly Fremon Craig evitam quer o excesso de sacarina e de melaço, quer o erro do abuso de exposição e demonstração no contar da história, e na forma como as personagens são caracterizadas e se relacionam (e a “mensagem” cristã vem embutida com discrição no enredo). Anjos na Terra é, de alto a baixo, e de onde quer que olhemos para ele, um título totalmente atípico na produção americana corrente. Além de demonstrar que, (muito) de vez em quando, os bons sentimentos podem dar bons filmes – e sem forçarem demasiado os sacos lacrimais.

Escrito por
Eurico de Barros
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