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Adaptado do romance do italiano Paolo Cognetti, As Oito Montanhas, dos belgas Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, vencedor do Prémio do Júri no Festival de Cannes, é um daqueles filmes que se tornam cada vez mais raros. Conta uma história que consegue incluir no mesmo abraço – e ao longo de quase duas horas e meia que não se sentem passar – a amizade, a família e o amor, os contrastes entre a cidade e o campo, o montanhismo, o sentimento das raízes e a sua vivência, os conceitos de pertença e de alienação, e a relação diversa das pessoas com a paisagem em que nasceram ou escolheram para passarem parte das suas vidas.
Tudo começa na região montanhosa do Vale de Aosta, em Itália. Os pais de Pietro, de 12 anos, são de Turim, e alugam uma casa para passarem o Verão na aldeia de Grana, que já só tem 14 habitantes. Um deles é Bruno, também de 12 anos, que já não tem mãe e vive com os tios, criadores de gado, enquanto o pai, operário da construção civil, vai trabalhar em França e na Suíça. Os dois rapazes ficam amigos e passam a andar sempre juntos no Verão. Até ao dia em que os pais de Pietro propõem aos tios de Bruno acolherem-no na sua casa em Turim, para que ele possa prosseguir os estudos. O resultado é que o pai de Bruno o leva para fora, para que o rapaz trabalhe com ele, e Pietro fica profundamente zangado com o seu próprio pai.
Pietro e Bruno crescem e só voltam a ver-se uma vez, de raspão, quando adolescentes, no café da aldeia. Onde Pietro não volta mais a passar o Verão com os pais. Os anos passam-se, Pietro e Bruno são agora homens, e quando o pai de Pietro, com o qual ele nunca mais teve uma boa relação, morre subitamente, este regressa um Inverno à aldeia. Lá reencontra Bruno, que lhe revela que desenvolveu uma relação quase filial com o pai dele, tendo subido várias vezes a montanha juntos. E que este sonhava construir um chalé com vista sobre o magnífico vale, sobre as ruínas de um velho abrigo de pastores. Bruno diz então a Pietro que a vai construir com as próprias mãos, e este decide ajudá-lo, para a passarem a partilhar no Verão, quando estiver pronta.
As Oito Montanhas é tanto a história da reconstrução da amizade de infância entre Pietro e Bruno (da qual a casa na montanha é uma metáfora), como também a do amargo reconhecimento, por parte de Pietro, quer do cruel erro que cometeu ao tratar o pai como tratou, quer da importância da sua amizade com Bruno, que interrompeu por uma birra; e que este é talvez uma pessoa mais equilibrada, com maior noção de quem é, de qual é o seu papel no mundo e, de certeza, com um maior sentimento de pertença a um local e a uma paisagem (a montanha onde nasceu, vive e de que tira o sustento) do que ele, que não consegue ter um trabalho certo ou constituir família (uma das amigas que traz de Turim, e de quem gosta, acaba até por casar com Bruno), e não pára de viajar, nomeadamente até ao montanhoso Nepal.
Este filme com a vista cheia de paisagens imponentes, pleno de compreensão pelos seus dois protagonistas e de sabedoria sobre os altos e os baixos, e as alegrias e mágoas das relações familiares e humanas, é sóbria mas expressivamente interpretado por Luca Marinelli e Alessandro Borghi nas encarnações adultas de Pietro e Bruno. E Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch nunca forçam a nota dramática, que o faria cair no sentimentalismo de lenços de papel, nem o gesto visual, que o conduziria à romantização ou ao exibicionismo da magnificência natural do Vale de Aosta (e a propósito de “natureza”, ver a sequência em que Bruno dá uma lição aos visitantes de Turim sobre o conceito, como só um sólido e autêntico homem da montanha poderia). As Oito Montanhas limpa os olhos e toca na alma.