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Dança Primeiro. Pensa Depois.

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Dança Primeiro. Pensa Depois.
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A Time Out diz

Não é o filme de James Marsh que vai fazer alguma coisa para levar à obra de Samuel Beckett o espectador menos familiarizado com ela.

Desde que passou dos documentários para a ficção que o inglês James Marsh tem mostrado uma forte preferência pelos filmes biográficos. Depois do muito popular A Teoria de Tudo (2014), sobre Stephen Hawking, que valeu o Óscar de Melhor Actor a Eddie Redmayne, e do muito menos visível Com_Paixão (2017), sobre o navegador solitário amador Donald Crowhurst, Marsh decidiu filmar a vida do escritor e dramaturgo Samuel Beckett em Dança Primeiro. Pensa Depois. E faz mais um filme que se curva com deferência e convencionalidade perante a figura do “grande escritor”, sem adiantar nada de significativo em relação à interpretação ou à influência da obra do autor de À Espera de Godot.

O filme começa com Beckett (Gabriel Byrne) chateado que nem um peru e de ar muito recalcitrante na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Literatura em Estocolmo, em 1969. Quando o seu nome é anunciado, murmura “Que catástrofe!” para a sua mulher Suzanne (Sandrine Bonnaire), que está sentada ao lado – e, em vez de se dirigir ao púlpito para discursar, Beckett foge da cerimónia trepando por uma lateral do palco e entrando num túnel que vai dar a uma caverna, onde encontra o seu “duplo” (Byrne de novo), com o qual enceta uma conversa sobre a sua vida (e também sobre o que fazer com o dinheiro do prémio…), que vai enquadrar e orientar todo o filme.

Se exceptuarmos este malabarismo nonsense inicial do argumento de Neil Forsyth, um homem vindo da televisão, o resto de Dança Primeiro. Pensa Depois é um previsível, zeloso e entediante apanhado de momentos e episódios seleccionados e “significativos” da vida do autor e expoente do Modernismo na literatura. Apresentados numa cronologia quase sempre certinha, começando pela infância de um pequeno Beckett com interesses literários precoces e amante de poesia, nascido numa família abastada de Dublin, tiranizado pela mãe e muito ligado ao seu bondoso pai, e que dá o mote para tudo o que virá a seguir (as sequências passadas em França durante a II Guerra Mundial são penosa e estereotipadamente didácticas, saídas de uma série de televisão feita a metro).

É como se James Marsh estivesse a filmar um resumo de uma síntese da página da Wikipedia sobre o escritor, com uma solenidade soturna que nunca desarma, e escassa informação útil e pertinente sobre o que Beckett significou no seu tempo, o que veio trazer de novo, de original ou de arrojado em termos formais ou intelectuais, de linguagem, de ideias e de temas, e de visão do mundo e da existência à literatura do século XX. Da obra, pouco se vê, tirando um rápido excerto de Play, e que Barbara Bray (Maxine Peake), a amante do autor, que liderava o Departamento de Teatro da BBC, resume assim: “Não acontece nada, é uma obra-prima!”.

Marsh e Neil Forsyth retratam Beckett como um homem permanentemente lúgubre e auto-torturado, incapaz de alegria, aborrecido, desligado da ideia de felicidade e sem pinga de sentido de humor, um depressivo ambulante e crónico. Isto é, estenografia visual de escritor “sério”, “profundo” e “importante”, suficiente para, em vez de atrair o espectador menos familiarizado com Samuel Beckett para a leitura da sua obra, o afastar dela num ápice. A literatura e as vidas literárias não costumam dar bom cinema, e não é o letárgico e desinspirado Dança Primeiro. Pensa Depois que vai contrariar esta realidade.

Escrito por
Eurico de Barros
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