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Don Juan

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O realizador francês Serge Bozon faz uma releitura prosaica, pobremente fantasista e com momentos de ridículo voluntário, da personagem e do mito de Don Juan.

Serge Bozon, o realizador de Don Juan, deu a volta, no seu filme anterior, Madame Hyde, à história clássica de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, pondo Isabelle Huppert no papel de uma professora de liceu desconsiderada quer pelos alunos, quer pelos colegas, e que se transfigura depois de certa noite de tempestade ter sido atingida por um raio. Passa a ser uma professora exemplar, e a relacionar-se muito bem com os alunos e o corpo docente, sendo alcunhada de Madame Hyde devido a tão grande e súbita transformação, e vendo mesmo a vida sexual com o marido, que era inexistente, melhorar imensamente.

Depois da narrativa fantástica de Robert Louis Stevenson, Bozon pega agora, para também o desassossegar, em Don Juan, na personagem homónima do lendário sedutor, e no respectivo mito, ambos já ampla e diversamente abordados, comentados, glosados e mesmo subvertidos na cultura ocidental (inclusivamente em Portugal, por Guerra Junqueiro e José Saramago), sem esquecer o cinema, em que passou por múltiplas incarnações. O realizador francês dá-lhe os traços de Tahar Rahim e faz dele um actor chamado Laurent, que está precisamente a ensaiar a peça Don Juan, de Molière (a primeira após a original do espanhol Tirso de Molina, criador da personagem).

Este Don Juan do século XXI, revisto para os nossos tempos do neo-feminismo assanhado, da “masculinidade tóxica” e da misandria militante, pouco mais é do que um pião das nicas, um desamparado loser do amor. Laurent foi abandonado pela noiva, Julie (Virginie Efira), no dia em que se iam casar. A partir daí vê-a em todas as mulheres que encontra, e que em geral repelem os seus avanços pateticamente desastrados, por vezes de forma violenta. Quando a actriz que lhe dá réplica na peça abandona o espectáculo, incompatibilizada com ele, Laurent descobre que a substituta contratada à última da hora é Julie.

Esta releitura perpetrada por Serge Bozon (que também assina o argumento, com Axelle Ropert) é, além de prosaica, pobremente fantasista (as personagens desatam a cantar de quando em quando, como num mau pastiche de um filme de Jacques Demy, não se percebendo qual o critério para a introdução destes momentos musicais, que parecem completamente arbitrários), e nunca consegue encontrar o registo adequado, já que não tem vocação para ser uma comédia satírica, nem arcaboiço para aspirar sequer a uma dimensão trágica. Tudo pelo contrário, dada a quantidade de momentos involuntariamente ridículos ou embaraçosos (ver as referidas sequências cantadas, ou as danças tontas na festa de casamento).

A realização de Bozon é lassa, quase desleixada, sem graça quando a quer ter e incapaz de gravidade quando a pretende introduzir, Tahar Rahim está lá fisicamente, mas parece que tem a cabeça noutro lugar, e Virginie Efira é lamentavelmente desperdiçada (e não merecia que a pusessem a cantar a inenarrável canção do camião). No final de Don Juan, só nos apetece dizer: coitado do sedutor.

Escrito por
Eurico de Barros
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