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Dune

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Dune
Photograph: Chia Bella James
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A Time Out diz

3/5 estrelas

Ficámos moderadamente impressionados com a primeira parte de ‘Duna’, de Dennis Villeneuve, que perde em muitos aspectos para a versão de David Lynch.

Editado em 1965, após ter sido pré-publicado em partes em vários números da revista Analog entre 1963 e 1965, Duna, de Frank Herbert, primeiro livro de uma saga de seis, é um daqueles clássicos absolutos da ficção científica ao qual, pela sua densidade narrativa e pormenorização na construção de um mundo futuro uno e internamente coerente, nenhum filme conseguirá alguma vez fazer inteira justiça. David Lynch conseguiu uma aproximação na sua adaptação barroca e brutalista de 1984, comercialmente falhada mas que tem muitos defensores acérrimos (nos quais se inclui o autor destas linhas).

Duna está repleto de influências e referências, desde a figura de T.E. Lawrence e do filme Lawrence da Arábia de David Lean até à cultura árabe, à religião islâmica e ao budismo, da matéria arturiana à história do feudalismo ocidental, ao declínio dos impérios e ao mito do herói dotado de poderes superiores, a que se juntam as preocupações ecológicas do seu autor (a especiaria captada no planeta Arrakis é uma metáfora para o petróleo, um recurso finito e o tema da escassez de água é constante na saga), que Frank Herbert conseguiu aglomerar, moldar e articular numa narrativa épica interplanetária.

Esta segunda versão para cinema de Duna realizada por Denis Villeneuve, que também escreveu o argumento com Eric Roth e Jon Spaihts, está dividida em dois filmes (o primeiro só abrange o primeiro terço da obra), e tal como a de David Lynch, procura sintetizar de forma legível o intrincado enredo do livro. Villeneuve marca pontos na visualização do mundo futuro e dos planetas em que a acção decorre, sobretudo no desértico Arrakis em que a valiosa especiaria, que permite também as viagens espaciais, é recolhida, bem como da sua tecnologia (os magníficos ornitópteros com as hélices que imitam o bater das asas dos insectos “roubam” o filme neste departamento). E ao contrário do que fez Lynch, os Fremen de Arrakis são apresentados como um povo de características árabes (Herbert inspirou-se nos beduínos do deserto para os criar).

Compreende-se que o realizador tenha sempre resistido, durante a pandemia, a apresentar o filme numa plataforma de streaming. Duna foi feito com uma ideia de cinema de vistas largas e grande fôlego visual a orientá-lo, e é numa sala de cinema com condições técnicas óptimas que deve ser visto. Mas na inevitável comparação com a fita de David Lynch, o Duna de Villeneuve fica a perder. Primeiro, porque o vigor e o dinamismo que aquele injectou na sua imponente versão dão lugar, nesta, também ela inegavelmente grandiosa, a um tom ponderoso e a uma solenidade que prejudicam o fluir do enredo. E não é por falta de dedo de Villeneuve para a acção, como fica provado em várias sequências, sejam de batalha aberta, sejam de combates envolvendo menor número de intervenientes ou de perseguição.

Depois, o elenco deste Duna não chega aos pés do da adaptação de Lynch, e tem vários papéis mal entregues, a começar logo pelo do herói, o jovem Paul Atreides. Onde, no Duna de David Lynch, Kyle McLachlan escamoteava o facto de ser bastante mais velho do que a personagem com uma interpretação plena de convicção e de entusiasmo, que nos fazia acreditar que ele era mesmo o Eleito dos Fremen, o Muad’Dib ou Kwisatz Haderach, possuidor de poderes mentais únicos, nesta nova versão ele é personificado pelo baço e linfático canastrãozinho Timothée Chalamet, que nem por um momento consegue transmitir a nobreza intrínseca à personagem, os seus dilemas interiores ou a imanência da sua condição heróica.

A apagada Chani de Zendaya nem por um momento faz esquecer a de Sean Young no filme de 1984, e apenas Rebecca Ferguson, em Lady Jessica, Charlotte Rampling, na Reverenda Mãe das Bene Gesserit, e Stellan Skarsgard, num Barão Harkonnen onde a gordura é tanta como a crueldade, se apresentam à altura das suas personagens. Denis Villeneuve também se abstém de fazer um prólogo explicativo pela boca da Princesa Irulan (uma resplandecente Virginia Madsen, na versão de David Lynch) e adia para o segundo filme o aparecimento da bruxinha Alia, a devotada irmã mais nova de Paul. E conseguirá o realizador arranjar um Feyd Rautha com tanto impacto como o de Sting no Duna de Lynch?

É uma pergunta que fica para a continuação. A qual já tem pré-produção anunciada, com a ajuda das receitas de bilheteira internacionais deste novo Duna ainda antes da estreia nos EUA (e deverá haver também uma série de televisão, Dune: The Sisterhood). Veremos se tem menos areia na engrenagem do que esta moderadamente impressionante primeira parte.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Denis Villeneuve
  • Argumento:Eric Roth, Jon Spaihts, Denis Villeneuve
  • Elenco:
    • Timothée Chalamet
    • Zendaya
    • Oscar Isaac
    • Josh Brolin
    • Stellan Skarsgard
    • David Dastmalchian
    • Jason Momoa
    • Dave Bautista
    • Javier Bardem
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