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Elemental

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Elemental
Photograph: Pixar
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A Time Out diz

A Pixar continua em trajectória descendente. ‘Elemental’ é uma banalíssima, simplista e demonstrativa variante da história de Romeu e Julieta.

Em 2015, a Pixar estreou um dos seus melhores filmes, tão inventivo quanto arrojado do ponto de vista do conceito. Divertida-Mente, de Pete Docter e Ronnie Del Carmen, passa-se dentro da cabeça de uma adolescente que está a passar por uma fase complicada da sua vida, e é dada forma humana às várias emoções desta, que “trabalham” num posto de comando e se movimentam pelas paisagens cerebrais da protagonista. Cinco anos mais tarde, a Pixar tentou fazer algo semelhante em Soul: Uma Aventura com Alma, também de Pete Docter e agora com Kemp Powers, passado a meio caminho entre o nosso mundo e o Além, mas o filme falha quer na apresentação das ideias filosóficos-metafísicos com que pretende lidar, quer do ponto de vista narrativo, que é confuso e abstruso.

Elemental, de Peter Sohn, a nova longa-metragem de animação do estúdio da série Toy Story, está na mesma linha conceptual de Divertida-Mente e Soul: Uma Aventura com Alma. O filme passa-se num mundo habitado pelos representantes dos quatro elementos – Terra, Ar, Fogo e Água –, que são antropomorfizados com maior ou menor estilização. E no centro da história está um romance aparentemente impossível e contra natura, entre Ember, pertencente à família do Fogo, e Wade Ripple, da família da água, que protagonizam uma amável e banalíssima variante da história de Romeu e Julieta passada entre os quatro elementos (com um subenredo muito sublinhado sobre a relação entre Amber e o pai, que quer que a filha herde o negócio da família).

Elemental foi mais uma decepção nas bilheteiras para o estúdio, tal como os anteriores Turning Red: Estranhamente Vermelho e Lightyear, que se estrearam em cinema após Luca e Soul: Uma Aventura com Alma se terem ficado pelo streaming por causa da pandemia. O filme apresenta uma evidente disfunção entre o aparato cinematográfico e o enredo que desenvolve. Se visualmente nada há a apontar a Elemental, que está à altura da excelência técnica e criativa que sempre caracterizou a animação digital da Pixar (veja-se apenas como exemplo a subtileza das expressões de Amber e Wade, e a elegante plasticidade das duas personagens), o filme é, no plano narrativo, uma alegoria simplista e primária, manifesta e insistentemente demonstrativa, ao ponto de se tornar constrangedora e propagandística.  

O realizador Peter Sohn evoca em Elemental a sua vida e a dos pais, que emigraram da Coreia do Sul para os EUA, estabelecendo-se em Nova Iorque e abrindo uma mercearia no Bronx. E não prima propriamente pela discrição na forma como nos está sempre a agitar à frente dos olhos, com mão pesada e traço grosso, e até à exaustão, a “mensagem” elogiosa da diversidade e da coexistência entre comunidades e culturas, servindo-se de Amber e Wade, o casal que à partida tudo separa e é (aparentemente) irreconciliável pelas respectivas naturezas, como pontas de lança. Mais é mesmo demais, e este filme mostra como é cada vez maior e preocupante o défice da Pixar em termos de histórias, em contraste com as capacidades técnicas e as habilitações estéticas do estúdio.

Antes de Elemental, passa Carl’s Date, uma simpatiquíssima curta animada com o velhote de Up: Altamente e o seu cão Dug. É como um saboroso aperitivo que antecede um prato principal com boa apresentação mas confecção deficiente, que resulta bastante indigesto.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Peter Sohn
  • Argumento:Brenda Hsueh, Kat Likkel, John Hoberg
  • Elenco:
    • Ronnie Del Carmen
    • Leah Lewis
    • Mamoudou Athie
    • Catherine O'Hara
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