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Elis - O Filme
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A Time Out diz

A existência de Elis Regina foi como a passagem de um cometa que brilhou intensamente e se foi, deixando um rasto musical que até hoje ilumina a música popular

Há uma grande felicidade no filme de Hugo Prata. Pela visão do realizador, Elis Regina (Andréia Horta) chegou, viu, venceu. Pelo meio teve umas chatices: umas com o marido mulherengo; outras com o regime de ditadura militar, consequência do seu jeito desbocado de chamar os bois pelos nomes e não abdicar de liberdade (mas com o qual, no entanto, não deixou de negociar, no processo acrescentando a essas chatices o mal-estar criado entre os opositores da tirania militar, aliás uma das mais cruéis desse tempo de chumbo na América do Sul); mais algumas estéticas, umas quantas com a indústria discográfica; e uma tendência para a adição que acabou numa mistura de comprimidos e álcool
 e cocaína. Uma visão, apesar desses episódios, apresentados de corrida e com ligeireza, colorida e vaga, sempre incapaz de penetrar no espírito do seu sujeito, o mais das vezes abdicando até de explorar factos da vida interior revelados pela cantora e muito longínquos desta biografia cinematográfica, obediente a todas as regras, incluindo aquelas escritas em letra mesmo muito pequena e as inscritas nas entrelinhas do cânone.

A biografia e o cinema têm o hábito 
de não se dar bem. Artisticamente, quer dizer. Contudo, a falta de perspectiva de produtores e a ideia de que explorar a vida e obra de uma celebridade é dinheiro em caixa (e, de certa forma, costuma ser, depois de acumuladas as receitas de exploração, em quantos mais media e países melhor, o que costuma safar financeiramente a produção norte-americana), perpetua a sua existência divulgando versões suaves e doces de artistas, escritores, músicos, para quem a tortura espiritual foi uma forma de vida. E, em certos casos, razão de criação – o que recorda o triste trabalho bio-cinematográfico feito com o genialmente psicótico Brian Wilson, ou, indo na direcção contrária, evoca a genial interpretação da vida do pugilista, falecido a semana passada, Jack LaMotta, realizada por Martin Scorsese em Touro Enraivecido.

O problema do filme de Prata é o problema de, por exemplo, Benny Boom em All Eyez on Me, a infeliz biografia de Tupac Shakur em que se tentou emular o sucesso de Straight Outta Compton, a película de 
F. Gary Gray sobre os N.W.A que conseguiu contornar as leis do género. Houvera alguma ousadia na atitude do realizador 
e Elis podia ser uma tentativa frustrada, como aconteceu com as buscas de inovação ou procura de uma nova abordagem ao género tentadas, e no essencial falhadas, por Pablo Larraín em Jackie e em Neruda, ou, para maior proximidade do sujeito, pelo trabalho de Don Cheadle em Miles Ahead. Porém, Hugo Prata não tenta nada – a não ser despachar a coisa depressa e sem fazer ondas.

Uma coisa esta obra medíocre e delicodoce (a cena de sexo com o primeiro e pouco duradouro marido, Ronaldo Bôscoli, interpretado por Gustavo Machado, podia ser usada com vantagem para publicidade de um aldeamento de luxo à beira-mar) não pode tirar: a excelência da música e da interpretação de Elis Regina que, embora para tapar os buracos do seu argumento (com Luiz Bolognesi e Vera Egito), preenche boa parte do filme. De resto, sobra a correcção da prestação de Andréia Horta, um desperdício de talento entre a vulgaridade chã desta biografia.

Por Rui Monteiro

Escrito por
Rui Monteiro

Detalhes da estreia

  • Classificação:UC
  • Duração:115 minutos
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