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Happy End

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A Time Out diz

F. Scott Fitzgerald, que os frequentava e conhecia bem, escreveu no seu conto O Rapaz Rico: “Deixem-me dizer uma coisa sobre os muito ricos. São diferentes de mim e de vocês.” (Diz-se que Ernest Hemingway lhe terá respondido: “Pois são. Têm mais dinheiro.”)

No cinema, tal como na literatura e no teatro, os ricos são também alvos regulares, porque muito expostos, muito fáceis e objecto de muitas invejas e ressentimentos. E porque muitas vezes também se põem a jeito, diga-se em abono da verdade.

No seu novo filme, Happy End, que competiu no Festival de Cannes em 2017, Michael Haneke atira-se, à sua maneira, aos ricos, ao mesmo tempo que volta a explorar as amarguras da vida em família. A história passa-se em França, na cidade costeira de Calais, onde até há pouco tempo afluíam legiões de migrantes (que serão úteis ao realizador lá muito para a frente na fita), na casa apalaçada dos Laurent, ligados por tradição à construção naval.

Ali vivem o avô Georges (Jean-Louis Trintignant), que, viúvo e farto de definhar na senescência, procura a todo o custo suicidar-se, ou quem o ajude a fazê-lo; a sua filha Anne (Isabelle Huppert), que dirige a construtora
 e vai casar-se por interesse com o banqueiro inglês (Toby Jones) que a vai ajudar a conseguir um importante empréstimo; e o seu filho Thomas (Mathieu Kassovitz), um cirurgião, com Anais (Laura Verlinden),
 a sua segunda mulher, um pãozinho sem 
sal, que ele engana com uma violoncelista sexualmente desviante, mais o bebé que 
teve daquela; a estes juntam-se Pierre
 (Franz Rogowski), o filho inútil, alcoólico e ressabiado de Anne, e a jovem Eve ( Fantine Harduin), filha do primeiro casamento de Thomas. Eve matou a mãe com uma overdose de comprimidos com a mesma naturalidade e indiferença com que o fez ao seu hamster, e foi morar com o pai, a madrasta e o meio irmão. Nem a polícia, nem nenhum dos seus familiares, imagina sequer o que ela fez.

Os Laurent vivem na mais completa, aflitiva e dissimulada desolação afectiva, que Haneke descreve com a impassibilidade quase entomológica e a economia estilística que o caracteriza. A sua visão pessimista e radical desta burguesia abastada, emocionalmente anestesiada, moralmente indiferente e sem apresentar o menor traço de redenção, assemelha-se, curiosamente, à que Claude Chabrol veiculou, com maior ou menor pertinência e credibilidade, em vários dos seus filmes.

Mas nem Chabrol foi tão longe como o realizador de A Pianista e Amor vai aqui na representação do gelo dos sentimentos, da insensibilidade e da ruína interior de uma determinada classe social ou de um agregado familiar a ele pertencente.

Aqui chegados, convém sublinhar que, comparado com filmes anteriores, Happy End parece encontrar um Michael Haneke em piloto automático, a passar em revista tudo aquilo que caracteriza o seu cinema, a evidenciar as suas imagens de marca numa história pronta para serem aplicadas.

Nomeadamente, o recurso às tecnologias de filmagem, gravação e comunicação, aqui representadas pelo iPhone com que Eve filma o seu hamster e regista depois a overdose 
que provocou à mãe, ou pelo computador de Thomas, a que este recorre para, no Facebook, trocar tórridas e perversas mensagens com a sua amante. Só que o que resultava em cheio num filme como Nada a Esconder, em Happy End soa a banal e força o estereótipo da dessensibilização causada pelas novas tecnologias e pelas redes sociais.

Mau mesmo é o clímax do filme, de uma facilidade decepcionante e uma indignação forçada, que pretende expôr a indiferença
e falta de solidariedade, e a má consciência dos ricos, quando confrontados com as realidades mais chocantes da sociedade em que vivemos.

Parece algo saído de um livro ou de uma peça de teatro de denúncia social de carregar pela boca, e que fica deslocado numa fita de um realizador como Michael Haneke.

Por Eurico de Barros

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Michael Haneke
  • Argumento:Michael Haneke
  • Elenco:
    • Isabelle Huppert
    • Mathieu Kassovitz
    • Jean-Louis Trintignant
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