A Time Out na sua caixa de entrada

Holy Spider

  • Filmes
  • 3/5 estrelas
  • Recomendado
Holy Spider
Photograph: Wild Bunch
Publicidade

A Time Out diz

3/5 estrelas

Ali Abbasi filma uma ficção que incorpora factos reais da história de um assassino em série. O iraniano denuncia o tratamento indigno das mulheres no seu país.

Em 2001, um operário da construção civil e veterano da guerra Irão-Iraque, Saeed Hanaei, foi preso pelo assassínio de 16 prostitutas na cidade de Mashad, onde vivia com a família. Os seus crimes, cometidos por estrangulamento, não foram propriamente recebidos com horror e execração por todos os seus conterrâneos. Muitos deles, incluindo membros do clero, saíram em sua defesa e elogiaram-no, já que Saad, casado e pai de família, dizia estar a cumprir uma missão divina, ao matar as mulheres que representavam uma nódoa pública numa cidade que era um lugar santo e destino de peregrinos (o serial killer foi capturado quando uma das suas vítimas lhe conseguiu fugir e alertou a polícia).

Holy Spider, assinado pelo realizador iraniano radicado na Dinamarca Ali Abbasi, é uma ficção que incorpora muitos elementos da história real do chamado “Spider Killer” de Mashad. A personagem principal é uma jornalista de Teerão chamada Rashimi (Zar Amir-Ebrahimi, Melhor Actriz no Festival de Cannes), que chega àquela cidade decidida a descobrir a identidade do criminoso (interpretado por Mehdi Bajestani), deparando-se com uma polícia desleixada e pouco interessada em apanhar o assassino, e com a condescendência paternalista das autoridades jurídico-religiosas. Ajudada por um amigo, jornalista local, ao qual o assassino telefona sempre depois de matar uma mulher, Rashimi põe-se em campo e começa a procurar obter informações quer junto das prostitutas, quer de familiares das que foram mortas, acabando por pôr a sua própria vida em perigo.

Ali Abbasi recorre, em Holy Spider, ao formato do filme policial como um cabide em que pendura uma denúncia do tratamento indigno que é dado às mulheres (e não apenas às prostitutas) no Irão (Rashimi chega a ser alvo dos avanços do chefe da polícia local, tendo antes sido assediada pelo seu editor em Teerão), da mentalidade retrógrada e da misoginia predominantes na sociedade e nas instituições oficiais, das precárias condições económicas em que muitos vivem no país, e que atiram muitas mulheres para as ruas, e ainda do problema da droga (várias das prostitutas são toxicodependentes), tão bem tratado por Saeed Roustayi em A Lei de Teerão.

A própria mulher e o filho adolescente do assassino ficam do seu lado. Este diz querer seguir o “exemplo” do pai, e a família começa a receber mantimentos gratuitamente de vários comerciantes, após a prisão daquele. (Há uma cena arrepiante em que o rapaz e a irmã mais pequena mimam para a imprensa a forma como o pai matava as prostitutas em casa, e depois se via livre dos corpos.)

Holy Spider foi atacado por alguns críticos pela forma explícita e crua com que Abbasi filma os assassínios, bem como por não detalhar mais as histórias das prostitutas e as tratar como cifras. São reparos injustos. Não há da parte do realizador qualquer intenção de explorar a história para tirar dividendos sensacionalistas ou para fazer voyeurismo da violência, e o filme confere a devida humanidade e dignidade às vítimas e às suas vidas. Se há um reparo que podemos fazer a Holy Spider, é que o zelo de Abbasi o leva várias vezes a ser muito demonstrativo e a sublinhar com um traço demasiado grosso aquilo que mostra e diz.

Rodada na Jordânia, a fita foi violentamente atacada no Irão e acusada de ser “blasfema”, tendo havido apelos à execução do realizador e da actriz principal por parte de alguns membros de organismos políticos e culturais do Estado, para além de muitas ameaças de morte anónimas nas redes sociais. Zar Amir-Ebrahimi vive em França desde 2008, mas o seu colega Mehdi Bajestani já não pode regressar ao Irão após ter personificado o serial killer. Sob pena de pagar a sua interpretação com a vida.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Ali Abbasi
  • Argumento:Ali Abbasi, Afshin Kamran Bahrami
  • Elenco:
    • Mehdi Bajestani
    • Zar Amir-Ebrahimi
    • Forouzan Jamshidnejad
Publicidade
Também poderá gostar