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Ice Merchants

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  • 4/5 estrelas
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João Gonzalez
©DRIce Merchants, de João Gonzalez
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A Time Out diz

4/5 estrelas

A carga onírica, a eloquência sonora, musical e visual, e a poesia da curta-metragem animada de João Gonzalez merece o nosso aplauso.

João Gonzalez, o realizador da curta-metragem de animação Ice Merchants, primeiro filme português a ser nomeado para os Óscares, disse numa entrevista que tem as suas ideias normalmente quando está a sonhar acordado, a dormir ou quase a cair no sono. Não é de estranhar, por isso, que o pai e o filho que protagonizam Ice Merchants vivam, literalmente, com a cabeça nas nuvens (numa casa presa por cabos à encosta de uma montanha, bem lá no alto), e que o filme em si tenha uma forte carga onírica. E que quando pai e filho saltam de pára-quedas, carregando o gelo colhido nas alturas, que vão depois vender na vila cá em baixo, no vale, a queda nos recorde aquele sonho comum a muita gente, em que nos estamos a precipitar no vazio. 

Além de realizar Ice Merchants, João Gonzalez também compôs a música do filme, no qual nem uma só palavra é proferida. Tudo chega ao espectador, e com eloquência, através da sugestão das imagens, dos efeitos sonoros (logo a abrir, o ruído do vento e o ranger dos cabos que seguram a casa são suficientes para estabelecer a atmosfera que lá se vive, bem como a sensação de isolamento) e da banda sonora, que contempla as emoções de pai e filho, e também, nomeadamente, a ausência de alguém muito importante que pesa sobre a fita mesmo quase até ao fim (há também uma singela caneca de chá que diz muita coisa quando o homem e o rapaz olham para ela).    

Todos os dias, o homem e o menino mergulham das alturas para comerciar o gelo na vila no vale, e depois voltam a casa recorrendo a uma engenhoca que introduz uma notazinha de humor no filme, cuja animação estilizada, limpa, nunca ameaça desfazer-se na abstracção, porque João Gonzalez está a contar uma história com princípio, meio e fim em Ice Merchants, e não a fazer um ensaio visual estéril ou a entregar-se a experiências de qualquer tipo na animação. E no final, vertiginoso, surpreendente e poético, a ausência lamentada faz-se presença por alguns momentos e a família volta de novo a existir no espaço de um salto em queda livre. 

O filme de João Gonzalez mostra que é pelos formatos curtos, como a animação, e talvez também pelo documentário, que Portugal pode ambicionar chegar aos Óscares, muito mais do que pelas longas-metragens. E se Ice Merchants ganhar, não há razão nenhuma para que alguém fique espantado.

Escrito por
Eurico de Barros
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