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Interdito a Cães e Italianos

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Interdito a Cães e Italianos
DRInterdito a Cães e Italianos
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Recorrendo a animação artesanal, Alain Ughetto conta a história da sua família, e evoca todo um mundo passado.

Em vez de escrever um livro, rodar um documentário ou filmar uma ficção de recorte documental, o francês Alain Ughetto escolheu a animação para contar a história da sua família e das suas raízes italianas, em Interdito a Cães e Italianos (cuja produção teve participação portuguesa). E em vez do desenho e da pintura ou do computador, o realizador, que assina aqui a sua segunda longa-metragem deste género, após Jasmine (2014), preferiu recorrer a um processo bem tradicional como a animação de volumes. O que confere ao filme um encanto artesanal e permite a Ughetto, que é também um dos dois narradores de Interdito a Cães e Italianos, interagir com a narrativa (as suas mãos e braços aparecem por várias vezes).

Formalmente, Interdito a Cães e Italianos é um saboroso achado, com um início que dá o mote para o resto do filme, e no qual o realizador se filma a preparar e a instalar alguns dos cenários e adereços em que a história vai decorrer. A seguir, Alain Ughetto apresenta-nos o boneco da personagem da sua avó Cesira (voz de Ariane Ascaride) quando jovem, no Piemonte dos finais do século XIX. Ela será a outra narradora do filme e a nossa guia pela história dos Ughetto, desde o início, na sua vila natal de Ughettera, situada naquela região do norte de Itália, até à ida para França, onde acabaram por se instalar, em vez de seguirem para os EUA, como fizeram milhares e milhares de outras famílias transalpinas na altura.

Ao longo de Interdito a Cães e Italianos, Ughetto nunca deixa de interpelar a avó Cesira e de dialogar com ela, à medida que vai contando como conheceu Luigi, o avô do realizador, e constituiu família, detalhando as contrariedades e a extrema dureza da vida na sua aldeia do Piemonte nesses tempos difíceis; a ida dos homens da família, e de Ughettera, para a guerra, primeiro em África e depois na I Guerra Mundial; o advento do fascismo e a deslocação dos Ughetto para França, para onde confluíam então muitos milhares de italianos, em grande parte trabalhadores itinerantes, como o avô do realizador (é lá que se deparam nalguns sítios com o insultuoso cartaz “Interdito a cães e italianos” que dá título ao filme), país que ajudaram a construir no século XX. Lá acabariam por se instalar, viver a II Guerra Mundial, integrar-se e gerar descendência, já ela de nacionalidade francesa.

Pelo caminho, os Ughetto vivem muitas dificuldades, atravessam tempos difíceis e não são poucos os membros da família que morrem, alguns deles ainda crianças ou adolescentes, de doença, em acidentes de trabalho, durante brincadeiras ou nos campos de batalha africanos e europeus. Alain Ughetto não escamoteia nada disto e consegue conciliar estes momentos muito dramáticos com outros mais leves, poéticos e mesmo cómicos. Sem que o tom do filme seja perturbado, ou que os sintamos como desadequados no seu contexto geral, tal como acontecia nas melhores comédias dramáticas de fundo social dos tempos áureos do cinema italiano.

Interdito a Cães e Italianos não tem uma suspeita de sentimentalismo (o simplismo político é mesmo o seu único ponto fraco) e os temas universais da família, do amor aos nossos e dos trabalhos e dos dias daqueles que nos antecederam, contribuem para o envolvimento emocional do espectador com aqueles bonequinhos animados pacientemente fotograma a fotograma por Alain Ughetto. Que encontrou aqui uma forma original e inspirada para voltar atrás no tempo, invocar as suas raízes familiares e contar de onde veio, enquanto transforma brócolos em árvores, torrões de açúcar em tijolos ou tiras de papelão em tábuas de madeira, pondo de pé um mundo que passou mas está sempre presente na sua memória.

Escrito por
Eurico de Barros
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