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Mariupolis 2

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Mariupolis 2
DR
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A Time Out diz

4/5 estrelas

O falecido realizador Mantas Kvedaravicius e a sua companheira registaram o sofrimento dos civis ucranianos. Um filme que vale por 100 reportagens e directos.

“Está tudo em ruínas.” São as primeiras palavras ditas no documentário Mariupolis 2, do lituano Mantas Kvedaravicius, rodado na cidade ucraniana de Mariupol em Março de 2022, pouco depois do início da invasão russa da Ucrânia. Kvedaravicius já lá tinha estado em 2015 e rodado um primeiro documentário, Mariupolis (2016), sobre os combates entre as forças pró-russas e ucranianas nesta cidade de Donetsk. E regressou para voltar a estar com as pessoas que conheceu e filmou nessa altura, e fazer uma continuação. Só que foi capturado e morto por militares russos durante o cerco da urbe, no início de Abril.

Ao invés de desistirem do projecto, a companheira de Kverdaravicius, Hanna Bilbrova, a equipa de técnicos e os produtores do filme decidiram montar o material de que dispunham. E assim surgiu Mariupolis 2, que documenta a vida quotidiana de um pequeno grupo de habitantes de um bairro da cidade, muitos dos quais se foram abrigar numa igreja onde comem, dormem, conversam, rezam e esperam que o conflito acabe. Ou, pelo menos, acalme. Na altura em que Mantas Kvedaravicius e a sua equipa começaram a filmar, os combates tinham-se afastado daquela zona, mas os tiros e as explosões nunca deixam de se ver e ouvir, embora à distância.

Há ruínas onde quer que a câmara alcance. Mariupolis 2 é a crónica crua, fragmentada e sem narração ou comentários, de como aqueles civis vão sobrevivendo, ao mesmo tempo que constatam, comentam e lamentam os danos sofridos pelos seus prédios, casas e locais de trabalho, e as mortes de familiares, amigos, vizinhos. “Vinham cinco pessoas num carro, rebentou-lhes uma mina debaixo, metemo-los em três caixões”, conta alguém; dois homens vão buscar um gerador a casa de um vizinho, que jaz morto ao lado de outra pessoa no quintal, e um deles desabafa secamente: “É melhor despacharmo-nos, senão ainda começam a cheirar mal”.

Faz-se comida ao ar livre, em panelas postas sobre fogueiras, e é preciso ir buscar água onde ela há em recipientes improvisados; pegam-se em vassouras para varrer destroços, poeira e estilhaços de pátios, varandas, terraços, quintais e passeios; um homem mostra a sua casa, que estava a arranjar, arrasada pelas bombas, vê que alguns dos pombos que criava sobreviveram (“Eram uns 300, tinha-os no sótão, agora são para aí vinte…”) e começa a apanhar, entre os destroços, os seus piriquitos mortos. Quase nunca se fala de política nem se fazem comícios para a câmara. Só a certa altura um dos moradores enumera os vários governos que se sucederam na Ucrânia nos últimos anos, todos eles reclamando-se de serem “mais honestos” do que os anteriores. Honestidade essa que acabou por “trazer a guerra”, conclui ele, com amarga ironia.

Mariupolis 2 permite-se, aqui e ali, uma breve nota de poesia visual, quando segue um casal de pombos, um branco e outro preto, que se empoleiram nas casas – ou no que sobrou delas –, e até de humor (o grande mas amistoso cão que anda à solta, e que a certa altura rouba a manteiga), mas é quase sempre austera, certeira e insistentemente objectivo. Até nos momentos em que a câmara descansa de documentar a destruição no bairro e as andanças dos civis, e capta um bonito pôr-do-sol, somos recordados que se está a travar uma guerra, pelas colunas de fumo dos bombardeamentos e dos incêndios que pontuam o horizonte.

Naqueles prédios, casas e ruas ao longe, há também pessoas como as que Mariupolis 2 nos deu a conhecer, mesmo que breve e superficialmente, a morrer ou a procurar sobreviver. É um filme que vale por 100 reportagens “emocionais” e “directos” excitados dos telejornais.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Mantas Kvedaravičius, Hanna Bilbrova
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