Na Terra de Santos e Pecadores
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Crítica

Na Terra de Santos e Pecadores

3/5 estrelas
Liam Neeson interpreta um assassino profissional que se quer reformar.
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A Time Out diz

A série de filmes Taken transformou Liam Neeson num herói dos thrillers de acção. Na Terra de Santos e Pecadores, de Robert Lorenz, passa-se na Irlanda do Norte natal do actor e está uns bons patamares acima das fitas do género que Neeson tem protagonizado nos últimos anos. E isto graças a um argumento (de Mark Michael McNally e Terry Loane) que dá mais importância à caracterização e individualização das personagens, e às suas relações, do que à acção em si; e que tem a boa ideia de pôr em cena uma vilã bem desenhada e ainda melhor interpretada por Kerry Condon, uma figura nos antípodas daquela que fez em Os Espíritos de Inisherin, de Martin McDonagh – o que só dá crédito ao seu talento.

A presença em Na Terra de Santos e Pecadores de colaboradores habituais de Clint Eastwood, a começar pelo realizador Robert Lorenz, ou do director de fotografia Tom Stern, dá ao filme uma tonalidade eastwoodiana, tornando-o como que numa versão irlandesa e passada no século XX de um western crepuscular como os que aquele realizou e/ou interpretou. A própria personagem de Neeson, um assassino profissional viúvo cada vez mais incomodado com a sua vida de crime, leitor de clássicos da literatura (nomeadamente, e nem por acaso, Crime e Castigo, de Dostoievski) e em busca de perdão e redenção, e a maneira como o actor a corporiza, têm também uma forte e nítida carga eastwoodiana.

A história passa-se em 1974, durante os sangrentos conflitos entre católicos e protestantes. Neeson é Finbar Murphy, um veterano da II Guerra Mundial que vive numa cidadezinha costeira irlandesa e elimina pessoas por encomenda do gangster local, Robert McQue (Colm Meaney), sem que nenhum dos locais e vizinhos saiba dessa sua faceta. Atormentado pela sua consciência, Finbar decide pendurar de vez a espingarda e tentar fazer a paz consigo mesmo. Só que um punhado de terroristas do IRA, liderados pela fanática Doireann (Condon), refugia-se ali depois de um atentado à bomba que correu tragicamente mal em Belfast. 

Quando Finbar nota que o bedungoso irmão daquela anda a molestar uma menina de nove anos, filha da dona do pub local, decide fazer uma boa acção: elimina-o e enterra-o no sítio onde costuma esconder as suas vítimas. Só que as boas acções nem sempre têm os melhores resultados, e não é muito fácil a um assassino deixar para trás o passado de um momento para o outro e concretizar o seu acto de contrição. A furiosa Doireann quer descobrir e matar o assassino do irmão, custe o que custar (mesmo a coesão e os objectivos da célula terrorista que lidera), o acto de Finbar acaba por ter o efeito de uma bola de neve a rolar por uma encosta abaixo, e a violência instala-se na até aí sossegada cidadezinha. 

A ideia de fazer um assassino profissional “apolítico” enfrentar o IRA é bem desarrincada, Robert Lorenz encaixa com subtileza a acção no típico cenário natural irlandês, o filme tem clareza temática e narrativa, sem tentar teleguiar o espectador para uma qualquer directiva ou conclusão “moral”, e Liam Neeson confere à sua personagem credibilidade, sinceridade e uma medida de profundidade psicológica torturada, e está rodeado de sólidos “característicos” (destaquem-se Ciarán Hinds no chefe de polícia local com o qual Finbar pratica tiro ao alvo – e falha muito, para que este não comece a suspeitar dele – e Jack Gleeson no assassino mais novo, desprovido do menor escrúpulo e que sonha ir para Hollywood fazer carreira na música).

Last but not least, temos a “fúria” Doireann de Kerry Condon, toda ela fogo e enxofre, que aterroriza até os homens sob o seu comando e mata sem pestanejar. Mas a quem os argumentistas não negam um pouquinho de humanidade (ver a sequência inicial da bomba em Belfast), para ela não ser apenas mais um estereótipo de monstruosidade. Na Terra de Santos e Pecadores funciona sem o piloto automático habitual das fitas de acção de Liam Neeson (ou de “geriaction”, como ele jocosamente lhes chama), tal como o seu Finbar tem mais complexidade e humanidade que os bonecos mecânicos violentos que costuma personificar. A única nota falsa do filme é mesmo o refugiado de uma guerra civil africana não especificada, que vive perfeitamente integrado na vilazinha costeira, coisa talvez possível nos nossos dias, mas impensável em 1974.

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