A Time Out na sua caixa de entrada

O Exorcismo de Deus

  • Filmes
O Exorcismo de Deus
DRO Exorcismo de Deus
Publicidade

A Time Out diz

‘O Exorcismo de Deus’ não consegue cumprir o que promete, mas está um par de furos acima do “filme de exorcismo” rotineiro, escreve Eurico de Barros.

Quando William Friedkin rodou O Exorcista em 1973, abriu uma torneira no cinema de terror que nunca mais se fechou. Ao longo dos anos, o seu filme foi copiado, glosado, parodiado e nunca mais deixaram de se fazer fitas deste subgénero, na sua esmagadora maioria repetitivas, rasas e sem ponta de originalidade, mesmo as que reivindicam (e não são poucas) basearem-se em factos reais. A lista de “filmes de exorcismo” rodados nos EUA e na Europa (só para ficarmos por aqui) é já longuíssima, e os que se aproveitam contam-se pelos dedos das duas mãos – e ainda ficam a sobrar dedos.

A nova entrada neste departamento é O Exorcismo de Deus, uma co-produção americano-mexicano-venezuelana realizada pelo venezuelano Alejandro Hidalgo, autor do primeiro filme de terror do seu país, A Casa do Fim dos Tempos (2013), uma história de casas assombradas. Em O Exorcismo de Deus, nota-se claramente que Hidalgo quer fazer algo de novo – de subversivo, mesmo – dentro deste subgénero, em vez de se ficar por cumprir, afincada mas preguiçosamente, o batido caderno de encargos de lugares comuns de horrores narrativos e visuais do cinema sobre possessões demoníacas.

O padre Peter Williams, um eclesiástico americano que exerce o seu múnus no interior do México, foi, na sua juventude, chamado para exorcizar uma rapariga possuída por um poderoso e matreiro demónio. Apesar de aconselhado pelo seu superior a não realizar a cerimónia, por ser ainda jovem e inexperiente, o padre Williams desobedeceu e conseguiu expulsar o demónio do corpo da jovem. Só que pagou um preço muito pesado e, quase 20 anos mais tarde, ainda é atormentado pelo que sucedeu nessa noite, procurando compensar o sentimento de culpa com trabalho em prol dos pobres e das crianças. Quando o demónio que combateu e venceu regressa e possui uma outra jovem local, o sacerdote hesita em enfrentá-lo, por causa da terrível falta que nunca confessou a ninguém, e que poderá enfraquecê-lo no duelo.

A ideia central de O Exorcismo de Deus – um exorcismo ao contrário, em que um demónio tenta fazer um pacto com um padre para tirar Deus de dentro deste, em troca da salvação de uma possuída e de um grupo de crianças que tem sob o seu poder – é boa e inverte a estafadíssima premissa do duelo espiritual e de vontades, entre o representante do Bem e a entidade do Mal, pela alma e pela vida de uma pessoa que o Mal controla. A forma como Alejandro Hidalgo (que no início do filme faz uma citação literal de O Exorcista, em jeito de homenagem) a concretiza é que não está à sua altura, apesar de incluir dois ou três momentos conseguidos (os pesadelos sacrílegos do padre com Cristo saído da cruz).

Depois de cultivar uma relativa contenção até meio da história, Hidalgo acaba por usar e abusar do terror espalhafatoso, fazendo derivar O Exorcismo de Deus quer para o slasher, quer para o filme de zombies, nas sequências em que os dois padres exorcistas são perseguidos e agredidos na cadeia pelas prisioneiras também elas possuídas, e repete efeitos que resultam à primeira mas que depois perdem o impacto. E quando chega a reviravolta final já não é uma surpresa, porque percebemos antecipadamente que ela estava prevista e ia ter estas características. Seja como for e tendo tudo em conta no final, O Exorcismo de Deus está um par de furos acima do “filme de exorcismo” rotineiro. E Alejandro Hidalgo é um realizador a continuar a seguir, e não a mandar para o diabo que o carregue.

Escrito por
Eurico de Barros
Publicidade
Também poderá gostar