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O Fotógrafo de Minamata

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A Time Out diz

Johnny Depp personifica o lendário fotojornalista W. Eugene Smith em ‘O Fotógrafo de Minamata’. Mas, o filme prejudica a importante história que recria.

A chamada Doença de Minamata foi detectada pela primeira vez em 1956, na aldeia de pescadores japonesa com o mesmo nome. Causada por envenenamento de mercúrio, a doença provocava, entre outros, deformidades nas mãos e pés, dificuldades na fala e na audição, paralisia cerebral, fraqueza muscular e podia levar à morte nalguns casos. Até os animais domésticos eram afectados. A água do mar na costa de Minamata estava cheia de mercúrio, proveniente de descargas feitas pela fábrica de químicos da empresa Chisso. O mercúrio era ingerido pelos peixes e passava depois para os humanos que os pescavam e consumiam.

O grande fotojornalista americano W. Eugene Smith publicou, em 1971, na revista Life, uma enorme e muito influente reportagem sobre os efeitos da doença na população local e a luta dos pescadores para obterem indemnizações da Chisso, de onde se destacava uma fotografia que se tornaria lendária, ‘Tomiko e a Mãe no Banho’, mostrando uma rapariga que tinha nascido cega e com paralisia cerebral a ser lavada pela mãe. Smith lançaria ainda, anos mais tarde, em 1975, um livro, Minamata, Words and Photographs, juntamente com Aileen Mioko Smith, a sua mulher nipo-americana e também tradutora.

No filme O Fotógrafo de Minamata, o realizador Andrew Levitas dramatiza, numa combinação de factos e ficção, e recorrendo a uma necessária compressão temporal, a presença de W. Eugene Smith (Johnny Depp) em Minamata durante a reportagem para a Life, em que procurava documentar os trágicos efeitos do envenenamento por mercúrio da população local. Não obstante a parcimónia com que é feito, as melhores intenções que o animam e a importância (e actualidade) do tema, O Fotógrafo de Minamata é uma salada cujos ingredientes são uma série de lugares comuns, situações feitas, personagens tipificadas e expedientes emocionais clássicos do filme de “causa”, do filme de “jornalismo intrépido e de serviço público” e do filme de “redenção pessoal”.

Só o W. Eugene Smith de Depp, falido e crivado de dívidas, afastado da família e incompatibilizado com o seu editor, confinado ao seu apartamento mal iluminado e assombrado durante o sono pelas recordações das reportagens feitas na guerra do Vietname, é em si um gigantesco cliché ambulante. O do jornalista (fotojornalista, neste caso) alcoolizado, amargurado, auto-marginalizado e pessoal e profissionalmente intratável, que encontra na reportagem em Minamata e no combate desigual mas justo e denodado das famílias de pescadores contra a grande empresa poluidora e insensível ao seu sofrimento, um novo ânimo, uma razão para viver e trabalhar, e uma forma de redenção individual.

A sobriedade da realização de Andrew Levitas, que encontra eco na interpretação comedida e interiorizada de Johnny Depp (que poderia ser confundido com o próprio W. Eugene Smith, de tal forma foi bem maquilhado para se parecer com ele) e as terríveis e feias realidades da história das gentes de Minamata, não chegam para contrabalançar a forma previsível, manifesta e pesadamente demonstrativa como a história é contada, o facto de a maior parte das personagens fazerem figura de cartazes ambulantes daquilo que representam, e o registo muito mais (e insistentemente) explicativo do que descritivo que o filme assume do princípio ao fim.

Antes de W. Eugene Smith se ter instalado em Minamata para trabalhar, houve fotojornalistas japoneses que lá rumaram para documentar visualmente o caso. Um deles foi Shisei Kuwabara (hoje ainda vivo), que lá esteve em 1960, publicou as suas fotografias logo a seguir num grande semanário do país, fez uma exposição em 1962 (que lhe deu o Prémio Revelação dos Críticos de Fotografia do Japão) e editou vários livros com imagens da tragédia, o primeiro dos quais em 1965. O Fotógrafo de Minamata não lhe faz qualquer referência.

Escrito por
Eurico de Barros
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