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O Mauritano

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Filme, Cinema, Drama, Thriller, O Mauritano (2021)
©DRTahar Rahim em O Mauritano
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A Time Out diz

O Mauritano recorda um caso vergonhoso sucedido na prisão de Guantánamo, tem boas intenções e está do lado da razão, mas isso não chega para fazer um bom filme

Em 2006, Michael Winterbottom realizou A Caminho de Guantánamo, a história real de três muçulmanos ingleses que, depois de várias peripécias no Paquistão e no Afeganistão, foram enviados para a prisão de Guantánamo como suspeitos de terrorismo, tendo sido libertados dois anos depois, sem que nenhuma acusação fosse levantada contra eles. A Caminho de Guantánamo foi o primeiro filme a ficcionar a situação dos prisioneiros da base americana de alta segurança em Cuba, estabelecida pela administração de George W. Bush após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 sob um muito contestado regime legal de excepção, por violar os direitos humanos e a Constituição dos EUA.

Vários outros filmes (até mesmo uma comédia…), documentários, telefilmes e programas de televisão foram feitos entretanto, após a fita de Winterbottom, sobre as condições de detenção ilegais, os abusos e torturas sofridos pelos suspeitos de terrorismo aprisionados em Guantánamo, que nenhum dos presidentes americanos que sucedeu a George W. Bush encerrou, permanecendo em funcionamento sob a administração de Joe Biden. O Mauritano, de Kevin Mcdonald (O Último Rei da Escócia), é o mais recente desta linha, e a ele se aplica aquela máxima segundo a qual as boas intenções e as boas causas não fazem necessariamente os bons filmes, muito menos estar do lado da razão.

O Mauritano é a recriação meticulosa, indignada, maçuda e auto-congratulatória do calvário carcerário e jurídico de Mohamedu Ould Slahi (Tahar Rahim, de The Serpent), o mauritano do título. Slahi foi detido pelas autoridades do seu país quando estava num casamento e enviado para Guantánamo. Lá esteve preso durante 14 anos, entre 2002 e 2016, sem ser acusado nem julgado, e confessou sob tortura coisas que nunca fez, tendo sido representado e defendido pela advogada Nancy Hollander (Jodie Foster), conhecida pela sua ligação a causas relacionadas com direitos civis.

O filme (que se apoia no livro de Slahi Guantánamo Diary) não é muito claro sobre o passado do protagonista, que havia combatido contra os russos no Afeganistão nos anos 90 (“Eu estava do vosso lado”, diz ele aos seus interrogadores a certa altura) e tinha um primo que poderia estar ligado a Bin Laden. Mas a verdade é que os americanos não conseguiram provar nada contra ele, e na sua ânsia de apresentar serviço a qualquer custo, transformaram-no num “culpado inocente”. Kevin Macdonald segue, por um lado, o tormento de Slahi em Guantánamo; e, pelo outro, os esforços de Hollander para ter acesso a cada vez mais documentos oficiais e provar a inocência do seu cliente, bem como o trabalho do acusador militar, o tenente-coronel Stuart Couch (Benedict Cumberbatch), encarregue de justificar a pena de morte para Slahi, mas que acaba por ser posto entre a sua consciência e as pressões dos superiores.

Essencialmente, O Mauritano aplica o formato do filme policial jurídico sobre falsos culpados à história de Slahi, seguindo todos os seus trâmites dramáticos, situações feitas e voltas de enredo, até culminar no final “edificante”, em que o acusado vai finalmente a tribunal e, ao som de música emocional, elogia a justiça americana e até algumas séries de televisão sobre advogados. Mas deixa coisas por responder, como por exemplo, a razão pela qual Slahi ainda ficou mais seis anos fechado em Guantánamo, apesar de uma tão clara e retumbante vitória, ou porque é que ele não agiu depois judicialmente contra o governo dos EUA, quando tinha mais do que razões para isso (mesmo que as imagens e legendas finais deixem implícito que ele é muito “boa pessoa” e não guarda rancor a ninguém).

A sensação com que ficamos é que o vergonhoso caso de Mohamedu Ould Slahi teria sido mais bem explicado e ficado bastante mais claro num documentário do que numa dramatização ficcionada como esta, que ainda por cima subaproveita actores do calibre de Rahim, Foster e Cumberbatch. Não é o fundo de O Mauritano que está em causa, mas sim a forma com que se apresenta.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Kevin Macdonald
  • Argumento:Michael Bronner, Rory Haines, Sohrab Noshirvani
  • Elenco:
    • Benedict Cumberbatch
    • Jodie Foster
    • Shailene Woodley
    • Tahar Rahim
    • Zachary Levi
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