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Os Demónios do Meu Avô

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Os Demónios do Meu Avô
DR
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A Time Out diz

3/5 estrelas

A primeira longa-metragem portuguesa, de Nuno Beato, em animação stop motion é uma história realista com sugestões fantásticas.

Está a ser um ano de excepção para o cinema animado português. Depois da presença da curta-metragem Ice Merchants, de João Gonzalez, na lista de finalistas ao Óscar desta categoria, e da estreia de Interdito a Cães e Italianos, realizado pelo francês Alain Ughetto mas com participação portuguesa na produção, temos também a estreia comercial de duas longas-metragens animadas portuguesas, Nayola, de José Miguel Ribeiro, e agora Os Demónios do meu Avô, assinada por Nuno Beato, e que é também a primeira do seu género feita em stop motion (fotograma a fotograma). E chega aos cinemas portugueses depois da antestreia mundial no Festival de Annecy, no ano passado.

Escrito por Possidónio Cachapa e Cristina Pinheiro, Os Demónios do meu Avô é uma história realista com sugestões fantásticas que, segundo o realizador, se inspira nas figuras de barro de Rosa Ramalho e na paisagem de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde decorre em grande parte. Aliás, enquanto se passa em Lisboa, o filme é em animação digital, transitando para stop motion quando a heroína deixa a cidade e chega ao campo. Ela é Rosa, uma jovem que foi criada pelo avô na aldeia e, já crescida, mudou-se para Lisboa, onde se deixou consumir pelo trabalho, negligenciando o contacto com aquele seu único familiar.

Quando recebe a notícia da morte do avô, Rosa fica profundamente abalada e percebe que nunca lhe retribuiu como devia o carinho e o amor que ele lhe deu. E resolve então dar uma guinada radical na sua vida. Despede-se do emprego e ruma à aldeia, instalando-se na casa do avô, onde nasceu e cresceu, e onde existe uma colecção de bonecos de barro feitos por ele, alguns dos quais criaturas monstruosas. Rosa não é bem recebida pelos habitantes, sobretudo os mais velhos, por ser neta de quem é, já que ao mau feitio e ao desdém pelos vizinhos, eles associam ao seu avô uma suposta maldição que deixou a aldeia sem água. Servindo-se de pistas e cartas que ele lhe deixou, e com a ajuda de alguns amigos, Rosa vai procurar resolver essa “maldição” e, ao mesmo tempo, ficar de bem consigo mesma em relação à forma como tratou o avô no passado.

Os Demónios do meu Avô tem banda sonora dos Gaiteiros de Lisboa, que vai beber à música e aos cantos ancestrais transmontanos, e dá o mote para um filme que se quer ligado, na estética, visualmente, e por referências várias, à cultura popular e tradicional portuguesa. As figuras de barro do avô de Rosa têm um papel central na história, quer pela sua função simbólica, valor emocional e significado familiar, quer por lhe introduzirem uma dimensão fantástica e onírica, por vezes a roçar o terror sobrenatural. Mas estes são “bons” demónios, que contribuem para que a jovem resolva o mistério das águas malditas, se reconcilie com as suas raízes e faça as pazes com a sua consciência e a memória do avô.

Do ponto de vista formal, e em termos da animação e da capacidade expressiva geral (personagens, paisagens, ambiências) Os Demónios do meu Avô é um filme muito bem conseguido. O único reparo que se lhe pode fazer vem dos ouvidos. Muitas vezes, não conseguimos perceber o que as personagens estão a dizer (e é difícil e ingrato dizer se o problema é dos actores que lhes deram as vozes, se do posterior trabalho de sonoplastia), o que se estende às intervenções musicais dos Gaiteiros de Lisboa. Como se costuma dizer, o diabo está nos detalhes, e em Os Demónios do meu Avô, ele meteu-se no som.

Escrito por
Eurico de Barros
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