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Os Piores

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Os Piores
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A Time Out diz

Interpretado por jovens sem experiência de representação, o filme faz um grande esforço para ser uma ficção muito contígua à realidade.

“O que é demais, farta”, diz-se popularmente. E no caso de Os Piores, realizado por Lise Akoka e Romane Gueret, já fartam a mise en abîme e o metacinema. Sim, porque Os Piores serve uma dose dupla: é um filme sobre a rodagem de um filme, que comenta também sobre o próprio cinema. Ao mesmo tempo que deixa uma “mensagem” social, bem sublinhadinha pelas realizadoras (sobretudo nas cenas finais, após o final das filmagens, na festa de convívio da equipa com os moradores do bairro em que decorreram, onde abundam os diálogos “explicativos”), em caso de não termos percebido bem. É caso para dizer que um mal nunca vem só.

Os Piores passa-se no bairro social Picasso, em Boulogne-Sur-Mer, no Norte de França, durante o Verão. Um realizador belga chamado Gabriel vai lá rodar um filme e faz um casting a crianças e adolescentes, acabando por escolher quatro miúdos. O pequeno Ryan, que tem ataques de fúria incontroláveis e vive com a irmã, porque a mãe tem problemas mentais; as jovens Maylis e Lily, a primeira ensimesmada e que os outros miúdos dizem ser lésbica, e a segunda desempoeirada e sexualmente muito promíscua; e Jessy, um rapaz que acaba de sair da cadeia após ter sido detido por roubo de carro e atropelamento. Muitos dos moradores mostram-se espantados por terem sido seleccionados estes quatro “maus exemplos”, entre os “piores” do bairro, para entrar no filme, em vez de miúdos bem-comportados e modelares.

Lise Akoka e Romane Gueret, que rodam aqui a sua primeira longa-metragem, são directoras de casting e trabalham com crianças e adolescentes que vão fazer publicidade, televisão e cinema, e já tinham realizado, em 2016, uma curta-metragem intitulada Chasse Royale, sobre um casting desta especialidade. Com Os Piores, dão um passo em frente, assinando a meias um filme sobre uma rodagem após o casting, e no qual há crianças e jovens (todos não-profissionais, o que nem sempre é sinónimo de bons resultados) que personificam crianças e jovens a interpretar papéis de personagens da sua idade.

A ideia é simpática mas já está bastante vista. E a fita, além de simplista no seu geral, rapidamente força a nota do “realismo” social cru – que vai da linguagem dos miúdos ao ambiente que têm em casa – e acaba por cansar, por causa da jiga-joga da alternância entre o filme e a “realidade” fora dele, entre o fabricado e o verdadeiro, o natural e o ficcional, com a sucessão de episódios que põem em jogo as relações dos jovens actores entre eles, com as outras crianças e com alguns membros da equipa de filmagens (nomeadamente o realizador, Gabriel, ou o técnico de som pelo qual Lily desenvolve uma paixoneta); ou que ilustram os problemas que surgem quando se trabalha com actores sem qualquer experiência de representação e menores de idade, envolvidos em cenas que implicam a encenação de comportamentos íntimos ou de situações dramáticas e de conflito extremas.

Apesar da prestação do quarteto de actores principal – Timéo Mahaut, que faz o instável e desbocado Ryan, e Mallory Wanecque, que interpreta a precoce mas vulnerável Lily, destacam-se especialmente –, Os Piores é pouco subtil e, sobretudo, soa muito falso, demasiado “fabricado” no seu esforço pela obtenção do efeito de ficção muito contígua à realidade, e de um máximo de naturalidade e autenticidade. E detecta-se também no filme uma atitude condescendente, de “vamos ver os desfavorecidos”, que pode não ser consciente, mas que está lá, lá isso está. Mesmo assim, ganhou a secção Un Certain Regard do Festival de Cannes de 2022.

Escrito por
Eurico de Barros
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