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Seca

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A Time Out diz

Passado numa Roma onde não cai uma gota de água há três anos, o filme do italiano Paolo Virzì entrelaça uma série de histórias individuais e dá-nos uma seca.

Não chove em Roma há três anos. A água está racionada na capital italiana, sendo apenas ligada a horas determinadas, e a cidade recebe ofertas do precioso líquido de outras zonas de Itália. As proibições relativas ao uso de água são muitas (incluindo lavar carros e encher piscinas), e desobedecer-lhes pode mesmo dar prisão. Esta é a premissa de Seca, de Paolo Virzì (Capital Humano, Noites Mágicas), uma distopia passada num futuro muito, muito próximo, em que o realizador segue o modelo do “filme coral” ao jeito de Robert Altman, entretecendo uma série de histórias individuais, cada uma valendo por si e contribuindo também para um efeito colectivo.

Temos assim, entre várias outras personagens, Antonio (Silvio Orlando), um idoso presidiário de longa data, condenado pelo assassínio da mulher, que se vê solto por acidente e decide ir à procura da filha; Loris (Valerio Mastandrea), um taxista que consome cocaína para se manter a trabalhar e tem visões do pai e da mãe que já morreram, e de um famoso político que se suicidou; o professor Del Vecchio (Diego Ribon), um perito em hidrologia que se torna numa vedeta televisiva de um dia para o outro, e vai descurar a sua ética pessoal; ou Valeria (Monica Bellucci), uma estrela de cinema que desdenha as proibições relativas ao consumo de água.

Virzì inspirou-se na pandemia de Covid-19 para conceber Seca (de que é também um dos argumentistas, com Paolo Giordano e Francesca Archibugi), que começa por coxear da plausibilidade. O realizador nunca deixa bem explícito se a falta de chuva é em toda a região do Lazio, onde se situa a capital italiana, ou apenas na cidade, o que é um bocado difícil de engolir em termos meteorológicos. Paolo Virzì pode alegar que se trata de uma alegoria, mas mesmo assim não convence – mais valia ter situado a acção numa cidade não identificada. O segundo problema do filme é que várias das histórias não estão intimamente ligadas à catástrofe da seca extrema e poderiam existir em qualquer outro contexto narrativo, fora desta situação de crise específica.

Finalmente, a maior parte destas histórias individuais que se vão alternando em Seca não são nem cativantes, nem empolgantes, apresentam baixa voltagem dramática e algumas revelam-se mesmo francamente imprevisíveis e inconsequentes. Não ajuda também que quase todas as personagens sejam muito vagas, ou pouco mais que caricaturas (veja-se o alfaiate falido que vive com o cão num automóvel, ou mesmo a sedutora vedeta de cinema de Bellucci). Falta também a Seca uma sensação de calamidade iminente, de urgência colectiva, que pode a qualquer momento causar uma ruptura social e uma queda no caos, e a realização de Virzì (que subscreve, nas entrelinhas, o catastrofismo climático vigente) é mole e tépida.

Quando finalmente chove em Roma e toda a gente sai à rua para rir, chorar, gritar, comemorar ou chapinhar na água, já o filme nos deu uma valente seca.

Escrito por
Eurico de Barros
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