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Terra de Deus

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  • 3/5 estrelas
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Godland
Photograph: Curzon
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A Time Out diz

3/5 estrelas

A Islândia e a sua paisagem transcendente e tremenda é a grande vedeta deste filme de Hlynur Pálmason, sobre um padre fotógrafo, passado no final do século XIX.

A paisagem da Islândia é quase tudo em Terra de Deus, de Hlynur Pálmason, que passou na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes de 2022. Uma paisagem de beleza transcendente mas também de profundo terror, fascinante e terrível, inspiradora e ingrata, esmagadora e pasmosa, e que por vezes assume aspectos verdadeiramente alienígenas. Uma paisagem que pode vergar e quebrar um homem, como também moldá-lo à sua imagem e torná-lo na sua expressão humana, viva e sensível. O filme passa-se no final do século XIX, e Palmason invoca como sua inspiração a suposta descoberta de sete placas fotográficas de vidro, datadas dessa época, numa remota zona costeira do país.

Essas placas implicam um fotógrafo. E ele é Lucas (Elliott Crosset Hove), um jovem padre dinamarquês enviado pelo seu bispo para a Islândia, com a missão de construir uma igreja e levar a palavra de Deus a uma região distante do país. Lucas é também apaixonado por fotografia, e escolhe a maneira mais penosa – primeiro por mar, e depois por terra, a cavalo – para chegar à zona onde se vai instalar, para poder conhecer o país e ir registando imagens de pessoas e lugares. E como leva consigo, junto com outra bagagem, uma grande cruz de madeira que irá instalar no alto da igreja, e a sua pesada máquina, um tripé e outro equipamento de fotografia, que insiste em transportar às costas, a jornada vai ser duplamente penosa.

Além dos vários obstáculos físicos e de uma meteorologia imprevisível, há ainda a língua e as suas dificuldades, uma língua que, por exemplo, tem várias palavras para “chuva”. Lucas leva consigo um intérprete para se fazer entender pelo seu guia, o experimentado e formidável Ragnar (Ingvar Sigurdsson). Este tem um óbvio desprezo por ele, pela sua arrogância nervosa e pelo Deus que ele prega, mas mesmo assim vai-o conduzindo pelos vulcânicos ambientes islandeses, entre imponentes quedas de água, elevações íngremes e planícies de musgo mole. E quando o padre perde o seu intérprete e único mediador com Ragnar, por culpa de uma teima sua, tudo fica ainda mais difícil.

Terra de Deus divide-se em duas grandes partes. A primeira refere-se à jornada de Lucas e dos seus acompanhantes, em que ficam estabelecidas as características das personagens principais e o tipo de relação existente entre elas, enquanto a câmara de Hlynur Pálmason se esmera em captar a rudeza majestosa da paisagem islandesa, num olhar que tanto pode ser digno de uma fita épica, como contemplar um detalhe desconcertante (ver o plano das fezes de cavalo por onde serpenteia uma minhoca). E o realizador fá-lo num apertadinho ecrã de formato 1.31:1.

A segunda segue a instalação do padre na pequena e agreste comunidade em que irá exercer o seu múnus, e onde é recebido na sua confortável casa por um dos influentes habitantes, Carl (Jacob Hauberg Lohmann). Este vive com as suas filhas, Anna (Vic Carmen Sonne), a mais velha, ainda nascida na Dinamarca, e que deseja para lá voltar um dia; e Ída (Ída Mekkin Hlynsdottir, filha do realizador), a mais nova, rosadinha, bem-humorada e que gosta de fazer cabriolas em cima do seu cavalo. E se Lucas já tinha um problema de relacionamento pessoal com Ragnar, vai passar a ter outro com Carl, que não está pelos ajustes em ver a filha mais velha envolvida com Lucas, que acha não ser homem para ela, nem com estofo para viver naquele fim do mundo.

O filme perde interesse nesta segunda parte, por percebermos logo que Lucas perdeu o norte, vai ser derrotado pela terra inclemente para onde o mandaram e a sua missão está condenada a um humilhante fracasso (ao filmá-lo antes, e insistentemente, ajoujado com a cruz de madeira, a máquina fotográfica e o tripé, Pálmason já deu a entender, com mão um pouco pesada, que o padre está a percorrer o seu calvário e que as coisas não vão acabar bem para ele). Mas antes do final anunciado, rápido e brutal, há uma sequência formidável de confronto em que Lucas recusa fotografar Ragnar e cospe todo o desprezo que sente por ele, enquanto o guia berra a confissão de toda uma vida de pecados silenciados e frustrações recalcadas. Numa terra de origem vulcânica, até os homens acabam por ter enormes erupções de consequências terríveis.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Hlynur Pálmason
  • Argumento:Hlynur Pálmason
  • Elenco:
    • Elliott Crosset Hove
    • Ingvar Sigurdsson
    • Vic Carmen Sonne
    • Jacob Lohmann
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