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Tom Medina

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Filme, Cinema, Drama, Tom Medina (2021)
©DRTom Medina de Tony Gatlif
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A Time Out diz

3/5 estrelas

Quase meio sécuro depois do seu primeiro filme, La Tête en Ruine (1975), Tony Gatlif, franco-argelino e cabila de etnia cigana, assina, aos 73 anos, a sua despedida do cinema com Tom Medina. E o autor de Latcho Drom, Vengo e O Estrangeiro Louco põe um ponto final na sua obra com uma fita muito autobiográfica, que remete para os seus tempos de juventude através da personagem que lhe dá o nome. Tom Medina é uma conclusão que faz a ligação ao início de tudo.

Na década de 60, o então jovem delinquente Gatlif andava de casa de correcção em casa de correcção, até ser enviado por um juiz do tribunal de menores para uma quinta da região francesa da Camarga onde foi posto nos eixos pelo seu proprietário, que o ensinou a tratar de cavalos e a correr toiros bravos na companhia do equivalente local dos nossos campinos. Poucos anos depois, faria teatro, e nos anos 70, chegaria finalmente ao cinema e à realização.

O protagonista homónimo de Tom Medina, interpretado com vigor anárquico e recorte cartoonesco por David Murgia, é também ele um jovem delinquente, inadaptado e revoltado mas de bom coração, que sonha ser toureiro. Tom é enviado pelo tribunal para a quinta de Ulysse (Slimane Dazi), que cria cavalos e touros, e recebe rapazes para reeducação e reintegração na sociedade. Apesar de só aceitar menores, Ulysse abre uma excepção para o esquivo e despassarado Tom, que veio a pé e à boleia por nem sequer ter reparado que havia um bilhete de comboio no envelope que lhe foi dado pelo funcionário do tribunal.

Todo rodado na belíssima região da Camarga, terra de cavalos e cavaleiros, touros e paisagens pantanosas com ressonâncias místicas, Tom Medina é um misto de western contemporâneo e de filme de “integração social”, em que Ulysse e Tom andam em constante cabo de guerra. Aquele cheio de paciência, a fazer o possível para que Tom acalme e entre no bom caminho, e este ora a esforçar-se para colaborar, ora a resistir e a seguir a sua natureza intranquila e inconformada, até que, perto do final, um momento de confissão fará luz sobre a sua personalidade e o seu comportamento (tem tudo a ver com questões de identidade, uma tragédia familiar e a falta de um sentimento de pertença, mas Tony Gatlif evita quer o sentimentalismo pegajoso, quer a pose “sociológica”).

Ora jovial, ora crispada, ora calma e lírica com interlúdios oníricos (as visões de touros fantasmagóricos que assaltam Tom), ora inquieta e angustiada, a fita anda ao sabor dos impulsos, das guinadas de atitude e dos estados de alma da personagem principal, acompanhada pela música tocada pela filha de Ulysse, Stella (Karoline Rose Sun), à qual, e à falta de melhor classificação, podemos chamar metal cigano (a cena em que Tom vai ouvir Stella ao cantinho onde ela compõe e toca é impagável).

No final, fica tudo em aberto para Tom, que não parece mesmo ser feito para levar uma vida convencional e se mete estrada fora, seguindo o seu coração e a jovem Suzanne, uma errante como ele, afinal fiel à vocação nómada do cinema e das personagens de Tony Gatlif. Tom Medina é um adeus aos filmes tão adequado como sentido.

Escrito por
Eurico de Barros
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