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Top Gun: Maverick

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  • 3/5 estrelas
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TOP GUN: MAVERICK
Photograph: Paramount Pictures
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A Time Out diz

3/5 estrelas

‘Top Gun: Maverick’ é melhor do que o original. Tom Cruise trabalha a sua lenda, e a satisfação dos espectadores, como nenhum outro actor de Hollywood.

Houve um tempo em que Tom Cruise seguia uma política muito estrita: nada de continuações, nada de armas. Trabalhava então com alguns dos maiores realizadores do mundo, como Stanley Kubrick e Steven Spielberg. Recusava fazer sequelas e filmes muito violentos, queria ganhar um Óscar e chegou a trabalhar contra a sua imagem de estrela, interpretando personagens negativas para o conseguir, como em Colateral, de Michael Mann, ou Magnolia, de Paul Thomas Anderson. Não houve Óscar nenhum e a indústria cinematográfica americana começou a mudar, com o advento dos franchises e das fitas de super-heróis.

Tom Cruise percebeu qual ia ser o futuro do cinema americano, chamou a si um dos mais populares e lucrativos franchises de Hollywood, Missão: Impossível e passou a controlar rigorosa e pormenorizadamente todos os filmes que faz, a trabalhar afincada e arduamente neles, recusando usar duplos em quase todas as sequências arriscadas e capitalizando no seu carisma e na sua vitalidade para projectar uma imagem de grande e incansável herói de acção, protagonista de alguns dos mais caros e espectaculares filmes do género, trabalhando para impor a sua própria lenda aos espectadores de todo o mundo. Que sabem que fazem um bom investimento com o dinheiro do bilhete quando vão ver um filme da marca Tom Cruise. Além de ser talvez a última estrela de cinema na definição tradicional da expressão, Tom Cruise é, ao mesmo tempo, uma marca planetária.

Quase 40 anos depois de Top Gun: Ases Indomáveis, de Tony Scott (1986), Tom Cruise está de regresso ao papel de Pete “Maverick” Mitchell, um piloto espalha-brasas da Marinha, em Top Gun: Maverick, de Joseph Kosinski. A fita de Scott foi feita num outro mundo, o da Guerra Fria, e numa América próspera, optimista, coesa e confiante, de que é o reflexo, bem como da Hollywood que a gerou. E é hoje mais recordada como produto cultural, comercial e ideológico acabado desses tempos, e pelas magníficas sequências aéreas envolvendo aviões de caça, do que pelas qualidades cinematográficas. (Scott estava a trabalhar numa continuação que envolveria drones, quando se suicidou, em 2012.)

Tom Cruise, Joseph Kosinski, o argumentista Christopher McQuarrie e o produtor Jerry Bruckheimer sabem muito bem como o mundo mudou, ao ponto de ficar irreconhecível. E se Maverick continua em grande parte igual a si mesmo – individualista, desafiador, a desobedecer aos superiores e um piloto de escol –, ele encontra-se no meio de um mundo que o encara cada vez mais como arcaico e obsoleto. O grande mérito de Top Gun: Maverick é ter percebido que não podia repetir a fórmula de sucesso do filme original, mas também que não se podia afastar radicalmente dela, e tinha que chegar quer à geração que o viu em estreia, quer àquela que só o descobriu muito depois, ou nunca o tinha visto até agora.

Movimentando-se entre a nostalgia do primeiro filme e dos anos 80 – com referências visuais, musicais, de objectos ou de situações – e o reconhecimento de que as coisas entretanto mudaram muito em redor de Maverick – que ficou parado em capitão e recusou sempre ser promovido, para poder continuar a voar em vez de ficar preso num gabinete em terra e a definhar –, Top Gun: Maverick consegue evocar e reactualizar o melhor e mais empolgante de Top Gun: Ases Indomáveis, e ser também um filme mais melancólico, mais maduro e mais afectuoso (veja-se a sequência do reencontro entre Maverick e o seu velho amigo e camarada Tom “Iceman” Kazansky, agora almirante e muito doente, interpretado por um também debilitado Val Kilmer). Características que se aplicam igualmente ao seu herói, muito menos arrogante e mais sereno do que era há quase quatro décadas.

O motor do filme funciona a dois tempos, ambos através de situações clássicas e familiares. Um enredo mais intimista, de ressentimento, perdão e superação, envolvendo Maverick e Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho do malogrado amigo e co-piloto daquele, Nick “Goose” Bradshaw, e que o culpa pelo acidente que levou à morte do pai, embora a Marinha tenha ilibado Maverick de qualquer responsabilidade; e outro sobre uma missão quase suicida para destruir uma central de enriquecimento de urânio clandestina num “Estado pária”, em que Maverick, chamado a treinar – relutantemente, claro – uma nova leva de pilotos formados na Top Gun, não quer envolver “Rooster”, tendo mesmo tentado anteriormente impedi-lo de a frequentar, por razões que não revela a ninguém.

As convenções do formato estão todas em Top Gun: Maverick (não falta um romance do herói com a personagem de Jennifer Connelly, apenas mencionada no primeiro filme, uma mãe solteira que tem um bar e conhece as manhas todas de Maverick), mas o filme assume-as sem problema, como grande entretenimento escapista que é. E tal como em Top Gun: Ases Indomáveis, as sequências com aviões, sejam de teste, treino ou de combate, são formidavelmente vertiginosas e jubilatoriamente realistas. Joseph Kosinski fez um uso estritamente necessário dos efeitos digitais, preferindo-lhes a fotografia aérea com câmaras instaladas por todo o lado nos aviões para um máximo de efeito imersivo (e, tal como naquele filme, há que dar algum desconto a certas liberdades fantasiosas em termos de manobras, contradição de leis da física e desigualdade tecnológica e de armamento…).

À beira de fazer 60 anos, com uma dentição de um jovem de 20, um sorriso de quem é capaz de fazer tudo para deixar o seu público satisfeito e a pedir mais, um novo Missão: Impossível em pós-produção e outro anunciado, Tom Cruise acrescenta, com Top Gun: Maverick, mais um filme à sua lenda. No qual, e curiosamente, Maverick, se não permitiu que a passagem do tempo o atingisse de forma irremediável, não conseguiu evitar que o mesmo não acontecesse a tudo e a todos à sua volta. Mas que ainda consegue fazer milagres com um velho F-14 Tomcat, lá isso é inegável.

Escrito por
Eurico de Barros

Elenco e equipa

  • Realização:Joseph Kosinski
  • Argumento:Ehren Kruger, Eric Warren Singer, Christopher McQuarrie
  • Elenco:
    • Tom Cruise
    • Miles Teller
    • Jennifer Connelly
    • Jon Hamm
    • Ed Harris
    • Glen Powell
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